Mulheres falam sobre as questões que suscitaram o projeto #AgoraÉQueSãoElas
Elas ditaram o tom das últimas semanas. Mulheres falaram do primeiro assédio, fizeram manifestações contra o Projeto de Lei 5.069 e provocaram o debate na sociedade. Nesta entrevista, a escritora e roteirista Antonia Pellegrino, a doutora em Relações Internacionais Manoela Miklos e a economista Alessandra Orofino, diretora executiva da Rede Nossas Cidades, falam sobre a participação na ação #AgoraÉQueSãoElas, iniciada por Manoela. Qual foi o contexto que fez com que surgisse a ideia para o #AgoraÉQueSãoElas? Manoela: Do ato de mulheres contra Cunha, na Cinelândia, na semana passada, o que ficou pra mim foi o som: milhares de mulheres. Mais potente que eu já ouvi. Da onda de relatos do #primeiroassedio, também. Vozes femininas caladas se pronunciando, contando segredos. No fim de semana, me incomodei com como as narrativas, em todos os meios, sobre esses momentos de vozes femininas se elevando: eram masculinas. Homens contando o que viram, ouviram, leram. E falando sobre a necessidade de ouvir. Mas falando. E eu fiz uma provocação no Facebook: “E se os homens com espaço de fala garantido se calassem nesse momento? Se de fato ouvissem em vez de falar sobre ouvir? Cadê essas vozes que eu ouvi na rua, que estavam nas redes?” Vamos falar sobre algumas pautas defendidas pelo movimento… Por que a luta contra o PL 5.069 é um dos principais bastiões? Antonia: O PL do deputado Eduardo Cunha, do PMDB, representa mais um cerceamento aos direitos da mulher. É um projeto de lei que agride o princípio de inocência. O que o motiva é a suposição de que há mulheres inventando estupros para usufruir do procedimento abortivo no SUS. Ao obrigar a mulher a ir à delegacia fazer boletim de ocorrência e exame de corpo de delito antes de receber atendimento médico, o projeto legaliza a omissão de socorro e criminaliza o profissional de saúde. Um projeto escrito por um homem, que não tem a menor ideia do horror de um assédio, um estupro, um aborto. Qual a importância da hashtag #primeiroassedio para este momento? Manoela: Estamos num momento muito delicado. A agenda dos direitos da mulher não tinha a centralidade que devia ter no debate público. Uma onda conservadora trouxe a agenda para o centro das atenções com um movimento perverso: a aprovação pela CCJ do PL 5.069. Aí fomos pra rua. Isso tudo em meio a uma reação belíssima ao episódio terrível do “Masterchef”: a criação por parte das meninas geniais do Think Olga do #primeiroassedio e os tantos relatos que foram compartilhados, os silêncios quebrados. O #primeiroassedio foi um momento catártico, que abriu um diálogo muitas vezes interditado, inclusive entre mulheres, e mostrou de forma muito pública o tamanho do problema, o tamanho dos não-ditos. O #AgoraÉQueSãoElas só pôde existir por causa desse momento, e de alguma forma pretendeu levar uma reflexão do nível pessoal para o público. Da catarse à demanda articulada por direitos. Quais são os próximos passos? Manoela: Esperamos que a semana tenha deixado ainda mais evidente como os espaços garantidos de fala são desigualmente distribuídos entre os gêneros. Como sempre, essa desigualdade se soma a outras: são poucas mulheres. Quase nenhuma negra. Certamente nenhuma de comunidades vulneráveis. Isso perpetua desigualdades. A desigualdade de gênero é causa e consequência da falta de espaços de fala para vozes femininas. O #AgoraÉQueSãoElas foi um movimento instituinte, agora a paridade nos veículos precisa ser instituída. Uma vez, um professor me disse: “O que é dado pode ser tomado de volta; o que é conquistado, não”. Ele tem razão. Queremos que mais mulheres conquistem de fato espaço de fala. Esse é um mínimo passo para reduzir a desigualdade de gênero. Mas um passo possível, necessário e urgente. Hoje, muitas mulheres têm poder econômico, intelectual, mas na política elas ainda são caladas e têm suas questões pouco representadas. Qual o caminho para combater isso? Alessandra: Existem alguns caminhos possíveis. O primeiro, e urgente, é que as mulheres continuem se organizando para pressionar representantes e participar da vida política do país. Dentro das instituições formais de governo, também é importante garantir uma real presença feminina. Hoje, poucos partidos respeitam a cota de 30% das candidaturas preenchidas por mulheres. Os que o fazem muitas vezes têm candidaturas de fachada, sem apoio do partido. Prova disso é que os partidos investem muito pouco nessas candidatas. Em 2010 as mulheres receberam apenas 8% dos mais de R$ 100 milhões distribuídos pelos diretórios nacionais, embora representassem quase 20% das candidaturas. A consequência mais visível dessa discriminação é a falta de mulheres no Congresso, onde a bancada feminina é composta por menos de 10% dos parlamentares. Uma forma de corrigir essa discrepância seria impor cotas femininas para os assentos efetivamente ocupados no Congresso, e não apenas no nível das candidaturas. Mas, infelizmente, a proposta da criação de uma cota de 15% dos assentos para mulheres foi rejeitada quando da chamada minirreforma política. O tema da redação do Enem 2015 foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Vocês consideram isso uma vitória? Alessandra: A escolha do tema da redação do Enem foi excelente, foi necessária. É absolutamente lindo imaginar milhões de jovens brasileiros refletindo ao mesmo tempo sobre um tema que nunca recebe a atenção merecida. Mas só terá sido uma vitória se deixar consequências indeléveis. Esperamos que seja o início de um movimento maior, que passe pela inclusão definitiva da discussão de gênero nos currículos escolares e de avanços significativos nos direitos das mulheres. E, claro, que contribua para tornar a violência contra a mulher inaceitável de fato — que um secretário de governo e pré-candidato a uma prefeitura, por exemplo, não possa jamais vir a público retratar um espancamento como um acontecimento natural, cotidiano, como vimos no Rio. E os direitos maternos? Antonia: Esta semana tivemos uma vitória, que foi a aprovação em primeiro turno de votação do projeto de lei apresentado pelo PSOL, na Alerj, que proíbe que detentas entrem em trabalho de parto algemadas. Uma prática comum nas penitenciárias brasileiras, e que só não é mais conhecida porque as vítimas, além de mulheres, são em sua maioria negras e pobres. É bárbaro. Esta vitória dá a medida do quanto ainda precisamos avançar e de como é importante não permitir que direitos conquistados retrocedam. Vivemos na era dos nudes, das redes sociais, da pornografia de vingança. A proteção aos direitos da mulher na era da informação precisa ser redobrada? Manoela: Ser mulher é perigoso. On-line e off-line. Os perigos são distintos na rede e nas ruas, mas no limite somos seres menos livres que os homens nas ruas e nas redes. Com novas tecnologias, cria-se um novo espaço de violação de direitos, mas também novas armas para combatê-las. A semana #AgoraÉQueSãoElas está chegando ao fim. Vocês acham que a iniciativa foi eficiente para colocar as questões femininas em pauta? Manoela: A provocação inicial era para que os homens se calassem. E ouvissem. O que houve foi uma invasão. Uma enxurrada. Uma tromba-d’água invadiu as estruturas. Textos caudalosos foram publicados. Mulheres falando de assédio, estupro e aborto. E debatendo as muitas maneiras de transformar essa realidade. Marina Cohen |
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Fonte: O GLOBO
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