Até pouco tempo Janay Palmer Rice, 26, era pouco conhecida. Era a parceira de Ray Rice, jogador do time de futebol americano Baltimore Ravens.
Mas, depois de o contrato de Rice ter sido encerrado pelo time, Janay tornou-se a esposa agredida mais famosa dos Estados Unidos, defensora ferrenha de seu marido e, para sobreviventes e especialistas em violência doméstica, um exemplo público extraordinário da complexa psicologia das mulheres maltratadas por homens. “Saibam que vamos continuar a crescer e mostrar ao mundo o que é o amor verdadeiro”, disse Janay no Instagram. “Tirar do homem que eu amo alguma coisa pela qual ele trabalhou a vida inteira seria horrendo. Nação Raven, amamos você!” O post deixou implícito que a agressão que ela sofreu foi tirada de contexto, e não está claro se ela se vê como vítima. Mas milhares de outras pessoas, incluindo sobreviventes de violência doméstica e terapeutas que as atendem, procuraram insights em sua própria experiência para tentar responder a uma pergunta: um homem bate em uma mulher com tanta força que ela cai ao chão, desmaiada. Ele parece cuspir sobre o corpo dela. Por que ainda ela se casaria com ele e ficaria ao seu lado após essa cena ter sido mostrada em todo o mundo? A gerente de recursos humanos Beverly Gooden foi ao Twitter para explicar. “Tentei sair de casa uma vez, depois de uma agressão, e ele me impediu”, ela escreveu a respeito de seu ex-parceiro, acrescentando o hashtag #whyistayed (#porquefiquei). “Achei que o amor superaria tudo”, ela acrescentou em mensagem subsequente. Outras sobreviventes de violência doméstica levaram o hashtag adiante e contaram as razões que as levaram a ficar com homens que as faziam sofrer. “Eu achava que era a única capaz de amar e curar esse homem”, diz um post de Chicago. Depois de divulgar seu post, Janay Rice afastou-se das redes sociais, fugindo do que descreveu como “negatividade”. Mas sua história de vida pode ajudar a explicar suas ações: em aparições públicas e entrevistas, Janay pareceu ser apegadíssima a seu marido, que tem 27 anos, financeiramente dependente dele e totalmente investida nele. Os dois se conheceram na adolescência, em Westchester, em Nova York. Começaram a namorar na primeira temporada de Rice com o Ravens, em 2008, e ela se mudou com ele para Baltimore, matriculando-se na Universidade Towsown, da região. Antes de completar a faculdade ela engravidou. Os dois batizaram sua filha de Rayven, nome que sugere até que ponto ambos estavam totalmente envolvidos com a carreira de Rice. Janay voltou às aulas e formou-se em comunicações, mas não se sabe se ela teve uma vida profissional independente. Em 2012, Rice assinou um contrato de US$ 35 milhões (R$ 84 milhões) com Ravens até 2017. Vários especialistas em violência doméstica fizeram a ressalva de que há muito que não é sabido no caso dos Rice; para começar, não se sabe se o jogador de futebol bateu em sua mulher em mais de uma ocasião. Mas disseram que a dependência econômica é um dos principais elementos que permitem prever se uma mulher vai deixar um parceiro que a agride. “É incrivelmente difícil sair de uma relação quando você depende financeiramente do parceiro”, disse Jacquelyn Campbell, professora da Universidade Johns Hopkins. Em fevereiro, um ano após Ravens conquistar o Super Bowl, Ray Rice deixou Janay inconsciente num elevador em Atlantic City, em Nova Jersey (o vídeo parece mostrar Janay batendo nele ou o empurrando também, algo que, segundo especialistas, não é incomum em casos de violência doméstica). Em março o jogador foi indiciado por agressão física, acusação passível de ser punida com três a cinco anos de prisão. Testemunhar contra o jogador teria significado o fim de sua carreira no futebol americano, causando constrangimento ao time e possivelmente levando o pai de sua filha a parar na cadeia. Em vez disso, Janay Palmer casou-se com ele no dia seguinte ao indiciamento. “Muitas vezes uma vítima fica tão dependente do parceiro para tudo que não consegue se imaginar sem ele”, disse Ramani Durvasula, professora de psicologia na Universidade California State, em Los Angeles. “Não sei se alguma de nós teria força e coragem para resistir a uma organização de bilhões de dólares e ao homem que a gente ama.” Mas, agora que o vídeo da agressão circulou, Ray Rice foi afastado, sua carreira está em risco e o salário acabou. Karma Cottman, diretora-executiva da Coalizão Contra a Violência Doméstica em Washington, teme que o questionamento público sobre o relacionamento possa prejudicar Janay. Quando uma nova vítima chega procurando ajuda, contou Cottman, “a primeira coisa que queremos dizer é ‘por que você não o larga, por que não cai fora?’”. Mas é a abordagem errada, “porque o isolamento faz parte do ciclo da violência. Geralmente temos cinco a sete encontros com a pessoa até ela deixar o parceiro que a agride, de uma vez por todas.” |
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Fonte: Folha de S. Paulo
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