Em audiência pública na Comissão de Educação (CE) nesta sexta-feira (1º), os participantes defenderam a aprovação do projeto de lei que cria o Dia Nacional de Combate ao Estupro. A data escolhida seria a de 25 de outubro, para lembrar o sofrimento da freira Maurina Borges da Silveira (1926-2011) nos porões da ditadura militar. O debate foi requerido pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) para instruir a proposta (PL 5.708/2019), que a tem como relatora.
Na opinião da coordenadora geral de prevenção à violência contra às mulheres do Ministério das Mulheres, Pagu Rodrigues, a instituição da data vai se somar as discussões e campanhas já promovidas pela pasta durante todo o ano, contribuindo para um calendário efetivo de conscientização da sociedade e prevenção desse crimes de natureza sexual.
— Poder debater isso com a sociedade num dia marcado do ano, acho que é fundamental. Aqui no Ministério das Mulheres a gente tem datas e meses […] com ações combinadas, conjuntas com estados e municípios, que visam exatamente esse trabalho preventivo. O 8 de março [Dia Internacional da Mulher] é uma delas, mas a gente tem o mês do Agosto Lilás, a gente tem agora os 21 dias de ativismo [pelo fim da violência contra a mulher], já estamos em desenvolvimento das atividades dos 21 dias. E outubro seria marcado aí, então, no dia 25, como um dia de enfrentamento e prevenção aos estupros no Brasil — Pagu, manifestando apoio ao projeto, que foi apresentado pela deputada Margarida Salomão (PT-MG).
A data de “conscientização nacional” sugerida pelo projeto é 25 de outubro. Questionada por Damares Alves sobre a viabilidade e efetividade da data, Pagu Rodrigues disse que a pasta considera um bom período, já que se somaria às demais programações do calendário de campanhas, sem deixar espaço para que o assunto seja esquecido. Durante o ano, disse, a violência de gênero acaba sendo bastante debatida em março, no Dia Internacional das Mulheres, em agosto, quando fica evidente a campanha Agosto Lilás, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, e nos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, que ocorre em novembro.
Madre Maurina
A senadora indicou dúvidas sobre a data ser dia 25, em razão de a escolha lembrar o dia da prisão, em 1969, da madre Maurina Borges da Silveira, freira que foi torturada e vítima de abusos nos cinco meses em que esteve no cárcere, durante a ditadura militar (1964-1985). Damares questionou se a madre Maurina concordaria com a data, que faz a referência a um tempo traumático de sua vida.
Apesar de ainda indicar dúvidas sobre confirmar ou não o dia 25 de outubro, Damares Alves concordou que a definição de uma data ampliaria o enfrentamento a esse tipo de crime. Segundo ela, de janeiro a setembro deste ano, o número de estupros no país cresceu 14,9%. Ela informou que, quando esteve à frente do Ministério da Mulher e da Família, constatava o aumento de denúncias quando algum tema estava evidente em razão de uma campanha nacional. Ela acredita que, com a criação do Dia Nacional de Combate ao Estupro, o Brasil dará mais atenção ao tema.
— A gente percebia o aumento das denúncias. Por exemplo: no dia de celebração da pessoa com deficiência, subia o número de denúncia de violência contra pessoas com deficiência. Subiu o número de pedidos de socorro, porque estava todo mundo falando do tema. Subiu o número de projetos de lei que estravam na Câmara, no Senado, o número de atividades. Até mesmo o orçamento, começavam até a discutir o orçamento nesta semana. Então nos 21 dias de ativismo a gente sabe realmente que o resultado ele é muito bom, porque está todo mundo está falando sobre o tema.
Encorajamento
A efetividade das campanhas nacionais foi confirmada pela delegada adjunta da Polícia Civil do Distrito Federal, Simone Ferreira de Alencar. De acordo com ela, as campanhas, já em execução durante todo o ano, fazem com que as mulheres se encorajem e façam as denúncias.
— A gente observa aqui que no mês de março os debates em torno do Dia da Mulher trazem muitas mulheres à delegacia para denunciar crimes e violência que sofrem e que ficavam guardados durante muito tempo. O Agosto Lilás também trouxe esse aumento, que a gente observa aqui no dia a dia. Os 21 dias de ativismo também têm trazido mais mulheres, a gente tem observado o aumento da demanda.
Vereadora de Curitiba e Policial Militar do Paraná, Tânia Mara Abrão Guerreiro, que trabalha há 33 anos no combate ao enfrentamento de estupro contra vulneráveis, alertou para os números alarmantes do Brasil. Ela concordou que a data pode se somar na luta pela conscientização da sociedade no combate à violência contra as mulheres. Segundo Guerreiro, no primeiro semestre deste ano, no Brasil, uma mulher ou uma criança foi estuprada a cada minuto. A data, defendeu a vereadora, deve vir acompanhada de uma legislação mais severa para quem comete o estupro.
— Temos que mudar essa lei. Eu estou lutando para que o pedófilo, o estuprador, fique 30 anos fechado. Porque daí ele vai ver: não é que não deu nada. Deu sim, e deu 30 anos para ele.
Acolhimento
Na visão do representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a data auxiliará no trabalho de enfrentamento ao estupro em duas frentes, a educação e o acolhimento. O secretário de acesso à Justiça, Marivaldo de Castro Pereira, disse que a data ajudará no caminho da educação, para romper com a cultura machista e misógina ainda presente na sociedade brasileira, e fazendo com que o Estado esteja pronto para acolher a vítima. Ele afirmou que muitas pessoas não procuram o Estado para denunciar, com receio do atendimento da delegacia.
— São dois caminhos importantes e a criação da data é importante para isso. Um, que é a gente romper com a lógica machista que faz parte da nossa sociedade, e o outro caminho é como o Estado acolhe a vítima, tanto de violência doméstica como do crime do estupro. E é muito importante que o Estado esteja preparado, que o Estado não atue de forma a revitimizar [quem sofreu abuso].
O policial federal Clayton da Silva Bezerra, criador do Federal Kids, uma ação de combate e prevenção aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, disse ser preciso lutar contra a omissão diante desses crimes, o que também deve ser punido.
— Vale lembrar que o estupro de vulnerável e o estupro são considerados crimes hediondos. E por que isso é importante? Porque respondem por eles o mandante, os executores, e aqueles que puderam evitar e se omitiram. Então eu acho que está na hora de a gente também trabalhar para que o hospital [como o do anestesista que abusava de pacientes] que não tenha […] prevenção, […] também seja responsabilizado. Tanto na área cível como na área penal — disse.