O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), pasta comandada por Damares Alves, gastou apenas 24,6% da verba destinada a ações de combate à violência contra a mulher ao longo de 2020. Do total de R$ 120,8 milhões autorizados pelo Congresso Nacional para essas iniciativas, a execução orçamentária foi de apenas R$ 35,5 milhões.
No ano em que a pandemia contribuiu para aumentar os casos de violência contra a mulher, o MMFDH investiu a menor verba em 10 anos. O levantamento foi feito pela reportagem da plataforma Celina, projeto voltado para produção de conteúdo sobre gênero e diversidade do jornal O Globo. A apuração dos dados foi feita em colaboração com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Os dados foram obtidos por meio do Siga Brasil, sistema de informações sobre o orçamento público federal mantido pelo Senado Federal. O cálculo contabiliza o valor efetivamente pago somado aos restos a pagar de anos anteriores quitados no ano em análise.
Desta forma, é possível identificar quanto, de fato, chegou na ponta, onde a mulher é atendida. Do orçamento autorizado de R$ 120,8 milhões, o MMFDH empenhou R$ 117,7 milhões para ações de combate à violência contra a mulher, o maior valor desde 2015 — mas pagou apenas R$ 29,7 milhões, somados a R$ 5,8 milhões de restos a pagar.
Quando o governo empenha um valor, ele apenas faz uma reserva. Na prática, enquanto não é pago, o recurso não chega ao seu destino para permitir que a política pública funcione. O valor empenhado pode ser quitado ao longo dos anos seguintes ou até mesmo não ser pago, caso haja quebra de contrato pela outra parte.
“O governo considera empenho como despesa executada. Do lado de quem recebe ou monitora, a gente faz uma leitura crítica. Qualquer dinheiro não executado naquele ano significa que, na ponta, a mulher não acessou um serviço.”
Carmela Zigoni, assessora política do Inesc
Violência contra a mulher em 2020
O Brasil somou 105.671 denúncias de violência contra a mulher em 2020. Desse total, 72% são referentes à violência doméstica e intrafamiliar. Foram quase 290 denúncias por dia ou uma a cada cinco minutos.
Os números são do Ligue 180 e do Disque 100, canais de atendimento mantidos pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, e foram divulgados no domingo (7), véspera do Dia Internacional da Mulher, por Damares, em live nas redes sociais.
Gasto para enfrentar violência contra a mulher caiu 2/3
A execução financeira para ações de combate à violência contra a mulher variou entre R$ 80 milhões e R$ 105 milhões nos três primeiros anos da década. Em 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff, atingiu o maior patamar do período, somando R$ 193,3 milhões.
Em 2017, primeiro ano inteiro sob o comando do presidente Michel Temer, o gasto foi de R$ 66,8 milhões. Em 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, a execução financeira para a área somou R$ 47,8 milhões, caindo para R$ 35,5 milhões em 2020.
Entram nessa conta os programas orçamentários específicos para mulheres de 2011 a 2019. Em 2020, com o novo plano plurianual (PPA), o programa “Políticas para as Mulheres, Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência” passou a se chamar “Proteção à Vida, Fortalecimento da Família e Defesa dos Direitos Humanos para Todos” e se tornou mais abrangente. Com auxílio do Inesc, foram selecionadas as ações específicas para mulheres dentro dele.
Desmonte da Casa da Mulher Brasileira
A Casa da Mulher Brasileira recebeu apenas R$ 67,8 mil em 2020, embora a pasta comandada por Damares Alves tivesse R$ 65,4 milhões disponíveis para essa iniciativa. Em 2019, nada foi gasto com o projeto que tem como objetivo reunir num mesmo lugar todos os serviços necessários para o acolhimento da mulher em situação de violência, com atendimento psicossocial, jurídico e abrigo para as vítimas e filhos.
Hoje, o país tem apenas seis casas em funcionamento e uma desativada. No início de 2020, Damares chegou a prometer a construção de 25 novas unidades até o fim do mandato. Em fevereiro, a promessa foi renovada para 27 casas até o fim de 2021.
Do que foi pago em 2020, desconsiderando os restos a pagar, 75% foram para o Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher. Outros 15% foram destinados à compra de alimentos para doação e, dos 10% restantes, a maior parte foi distribuído para municípios do Mato Grosso do Sul. Quantias menores foram para instituições de ensino, ONGs e para a Casa da Mulher Brasileira. Nada foi pago para o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
O reforço na divulgação do canal de atendimento foi a principal medida do governo para combater a violência doméstica que se agravou durante a pandemia — os feminicídios subiram 2% no primeiro semestre de 2020, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo Damares, o Disque 180 registrou aumento de 39% no número de denúncias, que, em 2020, puderam ser feitas também via aplicativo, WhatsApp e Telegram. Apesar disso, nenhum valor adicional foi direcionado para o serviço.
Pandemia não muda quadro de desmonte
Nem mesmo os créditos extraordinários aprovados pelo Congresso em razão da crise sanitária mudaram o panorama. De acordo com dados obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, dos R$ 45 milhões recebidos pelo MMFDH via Medida Provisória 942/20, apenas R$ 8,2 milhões (18%) foram destinados para ações específicas para mulheres: distribuição de alimentos e uma campanha de conscientização.
Em outros países, governos adotaram medidas extraordinárias para enfrentar o aumento da violência de gênero na pandemia. França, Espanha e Itália, por exemplo, transformaram quartos de hotéis em abrigos temporários. Na Argentina, foram criados centros de aconselhamento em supermercados e farmácias para que as vítimas pudessem fazer a denúncia sem retaliações do agressor.
Assim como aconteceu com as medidas de isolamento social, estados e municípios implementaram as próprias medidas extraordinárias. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, foram criados o boletim de ocorrência e o pedido de medida protetiva online.
“A partir do que estava acontecendo em outros países e mesmo tendo mais tempo para se planejar, o governo não tomou nenhuma medida especial de proteção às mulheres.”
Nalida Coelho Monte, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Orçamento pode ser menor em 2021
Embora a crise sanitária continue em 2021, a proposta de orçamento enviada ao Congresso prevê apenas R$ 1,06 milhão para Casa da Mulher Brasileira. Mas isso pode mudar: o aumento de R$ 65,3 milhões liberados em 2019 para R$ 120,8 milhões em 2020 foi feito pelos parlamentares. Para 2021, a Casa já adicionou R$ 18,9 milhões em emendas para defesa da mulher, sendo R$ 15,9 milhões impositivos — quando o gasto é obrigatório.
A previsão é de que o Congresso conclua a votação do orçamento em 24 de março. Até lá, o governo só pode gastar 1/12 do previsto por mês. Até 4 de março, foram pagos apenas R$ 120 mil para ações específicas de enfrentamento à violência contra as mulheres e nada gasto na Casa da Mulher Brasileira.
Com informações de O Globo
Fonte: Socialismo Criativo