O relatório final da CPI da Covid, de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL), está pronto e deve ser colocado para votação na próxima semana. A discussão principal é sobre quem será investigado e indiciado pela situação do país. Entre os vários pontos levantados por Calheiros, com base nas dezenas de depoimentos coletados pela comissão, consta também o impacto da pandemia na vida das mulheres e o que foi feito pelo governo federal para conter esses efeitos.
Desemprego, queda do poder econômico de mães solo, risco para gestantes e puérperas, e violência doméstica são assuntos abordados no documento, com base em estudos e pesquisas publicados durante o período.
“É importante frisar, enfim, que a covid-19, para além das mortes que acarreta diretamente, também impactou na vida das mulheres pelo aumento da violência doméstica e familiar; pelo sofrimento mental agravado, em razão do acúmulo de tarefas, especialmente daquelas relacionadas ao cuidado com doentes e crianças; em razão do fechamento de escolas e creches; pela intermitência no funcionamento dos serviços públicos de atendimento a gestantes e puérperas; e, ainda, pela paralisação de serviços relacionados aos cuidados contraceptivos”, diz o relatório.
Leia, abaixo, sete dados que fazem parte do relatório final da CPI e que citam as consequências da crise sanitária que recaem sobre a população feminina do país.
1. Covid-19 atingiu mais mulheres do que homens
De acordo com o relatório, os boletins epidemiológicos mostram que em todos os estados, com exceção de Pernambuco, as mulheres são um pouco mais de 50% das pessoas infectadas pelo coronavírus.
“Isso mostra que as mulheres são mais expostas à doença, o que talvez seja reflexo de sua maior participação em profissões ligadas ao cuidado e à limpeza”, afirma o documento, que relembra as duas primeiras mortes pela covid no Brasil, as trabalhadoras domésticas Rosana Aparecida Urbano, 57, de São Paulo; e Cleonice Gonçalves, 63, do Rio de Janeiro. “Duas mulheres negras, provavelmente contaminadas no local de trabalho.”
2. Condições econômicas da população feminina retrocederam dez anos
Cálculo feito pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) aponta que houve um retrocesso de dez anos nas condições econômicas das mulheres. A explicação é de que elas ocupam as posições mais precárias do mercado de trabalho, bem como são maioria nos empregos informais, área que tiveram menos arrecadação durante a quarentena.
“Sem a possibilidade de migrar para o home office, perderam logo o emprego e, muitas vezes, não contavam com nenhuma proteção previdenciária”, diz o relatório, que também cita as trabalhadoras domésticas, “as quais historicamente são afetadas pela informalidade e precariedade nas condições de trabalho, tiveram a situação ainda mais agravadas”.
3. Situação foi ainda pior para mulheres que são chefes de família
De acordo com o relatório, o impacto direto sobre mulheres abalaram, também, milhões de famílias que dependem delas pelo sustento, caso de 30 milhões de cidadãs, segundo dados de 2015 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Note-se que esse número inclui mesmo famílias em que há um cônjuge, mas que dependem fundamentalmente da mulher para sua sobrevivência.”
4. Mães solo sofreram com diminuição do auxílio emergencial
O documento celebra a decisão do Congresso Nacional que aumentou o valor do auxílio emergencial para “famílias monoparentais”, ou seja, que têm só pai ou só mãe. O arranjo alcançava, em 2020, 11 milhões de lares — 90% com chefes femininas, a maioria negras.
“O valor, porém, que foi de três parcelas de R$ 1.200 em 2020, foi reduzido também para três parcelas de apenas R$ 375 em 2021, situação que jogou na insegurança alimentar milhões dessas famílias e as obrigou a buscar trabalho para complementar a renda insuficiente, mesmo sob risco de adoecer”, ressalta o texto.
5. Participação feminina no mercado de trabalho caiu 25% no Brasil
Citando estudo da ONG internacional Oxford Committe for Famine Relief (Oxfam), o relatório cita a redução de 5% da participação feminina no mercado de trabalho no mundo, o que representa 60 milhões de empregos perdidos.
No Brasil, o número é maior, de 25%. “Basta dizer que seis milhões de mulheres, ou 15% do total das trabalhadoras ocupadas, são empregadas em serviços domésticos. Por outro lado, a elevação da carga das atividades domésticas e de cuidados com a família foram tão fortes para essas mulheres, especialmente, as negras, que impossibilitaram, em muitos casos, sequer a procura por trabalho.”
6. Ministério da Saúde não criou ações para conter mortes de grávidas e puérperas
O documento critica o discurso do governo federal em favor da família e diz que, apesar dessa “retórica”, não foram feitos esforços para evitar as mortes de grávidas e puérperas (mães de recém-nascidos) por covid. Esse descaso teria levado o Brasil ao recorde de mortalidade materna no mundo: segundo uma pesquisa do “International Journal of Gynecology and Obstetrics”, 77% das gestantes que morreram de covid-19 são brasileiras.
Segundo a Fiocruz, diz o relatório, 544 gestantes e puérperas morreram pela doença no Brasil em 2020. “Os números atualizados não parecem ter desviado dessa tendência, conforme aponta a Rede de Mulheres Cientistas, cujos cálculos apontam que mais de mil gestantes e puérperas perderam a vida por covid-19 até abril de 2021, sem que fosse registrado nenhum especial empenho do Ministério da Saúde dirigido às mulheres nessas condições, debitando-se esse resultado à negligência do governo federal e à falta de acesso aos cuidados adequados”, diz o documento.
“Nesses casos, não há informações consolidadas sobre a situação dos bebês, mas considerando que 55% das gestantes mortas por covid-19 estavam no terço final da gravidez, é provável que centenas de bebês tenham morrido sem sequer ter o nascimento registrado, tornando-se vítimas invisíveis para as estatísticas, mas duramente sentidas pelas famílias enlutadas.”
7. Violência doméstica: medidas protetivas e chamados à polícia cresceram
Ainda que o número de registros de ocorrência de violência doméstica nas delegacias tenha caído durante a pandemia, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve aumento de pedidos e concessões de medidas protetivas, além de chamados à polícia por emergências envolvendo agressões contra mulheres.
“O número de medidas protetivas de urgência concedidas às mulheres cresceu 4,4%, passando de 281.941 em 2019 para 294.440 em 2020. Houve crescimento de 16,3% de chamados de violência doméstica às polícias militares no 190 em 2020”, expõe o relatório, ressaltando a situação de vulnerabilidade das vítimas femininas durante a quarentena.
Fonte: UOL