O Congresso Nacional decidiu nesta quinta-feira (10) derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes menstruais a estudantes de baixa renda de escolas públicas, pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade e presidiárias ou em cumprimento de medida socioeducativa. O veto foi derrubado por 426 votos a 25, na Câmara, e, no Senado, por 64 a 1.
A derrubada do veto acontece dois dias após Bolsonaro editar, no Dia Internacional da Mulher, um decreto para proteção da saúde menstrual e distribuição gratuita de absorventes e outros itens de higiene (veja mais abaixo). A bancada feminina também reforça a necessidade de haver uma legislação sobre o tema.
Com a derrubada, os dispositivos vetados por Bolsonaro serão promulgados. Como a legislação prevê que as mudanças entram em vigor 120 dias após a publicação oficial, técnicos do Congresso afirmam que esse prazo passa a contar apenas a partir da promulgação.
Esta é a terceira vez que o veto entra em pauta na sessão do Congresso. Antes, não havia sido analisado por falta de acordo, principalmente por parte do governo.
Tramitação do projeto
Aprovada na Câmara dos Deputados em agosto, a proposta foi avalizada pelo Senado no dia 14 de setembro e seguiu para a sanção do presidente.
Em outubro do ano passado, Bolsonaro sancionou o projeto, criando o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas vetou o artigo 1º, que previa a distribuição gratuita de absorventes higiênicos, e o artigo 3º, que estabelecia a lista de beneficiárias.
Ao vetar os dispositivos, o governo argumentou, entre outros motivos, que o projeto aprovado pelo Congresso não previu fonte de custeio para essas medidas, o que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A proposta, contudo, previa que o dinheiro viria dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.
Decreto x lei
O decreto assinado por Bolsonaro nesta terça (8) durante evento em comemoração ao Dia da Mulher, no Palácio do Planalto, regulamenta o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas não define o público beneficiado.
O texto delega essa atribuição ao Ministério da Saúde que, até o momento, não publicou uma portaria sobre o assunto. Segundo o ministério, serão atendidas:
- Mulheres em situação de rua;
- Mulheres de 12 a 21 anos presas ou cumprindo medidas socioeducativas;
- Alunas entre 9 e 24 anos, de escolas públicas que façam parte do Programa Saúde na Escola e que tenham pelo menos metade dos alunos inscritos no Auxílio Brasil.
Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o projeto prevê R$ 130 milhões, dinheiro do orçamento da própria pasta. A previsão do governo é que 3,6 milhões de mulheres sejam atendidas.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que foi autora de um projeto semelhante sobre distribuição de absorventes, criticou a edição do decreto por Bolsonaro depois que o presidente vetou a proposta do Congresso.
“É um decreto sem prazo, é um decreto sem recurso, é um decreto sem fonte de financiamento”, afirmou Tabata.
“O que Bolsonaro vem fazendo ao longo dos últimos 2 anos é chacota, é piada da nossa luta, mesmo sabendo que nossas meninas perdem 45 dias de aula por ano por não terem um absorvente; que mulheres em situação de rua, que mulheres em situação de cárcere, por usarem um miolo de pão, um jornal sujo, um lençol rasgado, adquirem infecções e muitas são internadas”, acrescentou.
Já o projeto de lei aprovado no Congresso, e que vai ser promulgado após a derrubada do veto, garante o benefício a:
- estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino;
- mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema;
- mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e
- mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Segundo cálculos da deputada Jaqueline Cassol (PP-RO), relatora do projeto na Câmara, a proposta pode beneficiar cerca de 5,8 milhões de meninas e mulheres.
Discussão
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) criticou o veto presidencial e disse que o decreto tem uma “armadilha”, uma vez que condiciona a execução desta política pública à disponibilidade orçamentária e financeira.
“Existe uma armadilha no decreto presidencial. Primeiramente, compreendendo do ponto de vista da estabilidade e da segurança de um programa social, não há comparação entre uma lei ordinária e um decreto. Um decreto é feito de forma unilateral pelo PR, que poderá inclusive ser alterado, modificado, ao longo do seu curso pelo presidente. O PL é lei, é algo perene, permanente, construído pelas duas Casas”, disse a senadora.
“A lei que estamos agora tornando-a real a partir da derrubada desse veto vem de forma continuada, o poder público tem a obrigação de prover essa necessidade para os nossos adolescentes.”, afirmou Eliziane.
Autora da matéria, a deputada Marília Arraes (PT-PE) diz que o decreto “é só um protocolo de intenção superficial” e “não garante um público específico”, ao contrário do projeto.
“Que essa seja uma política de estado, que entre governo, saia governo e continue e, ainda mais, avance”, disse em plenário, durante a votação.
“Um quarto das meninas do Brasil já faltaram à aula porque não tiveram acesso a artigos de higiene pessoal e a desigualdade de gênero com isso só aumenta”, afirmou a parlamentar.
Fonte: G1