Estudo do Instituto de Justiça Fiscal com dados da Receita Federal mostra que as mulheres têm menos rendimentos isentos e, portanto, pagam alíquotas mais altas sobre a renda.
As mulheres ainda estão em minoria nas discussões sobre a reforma tributária no Congresso Nacional neste ano, apesar de pagarem mais imposto sobre o consumo do que os homens e terem participado da elaboração das propostas hoje em debate.
O grupo de trabalho da Câmara que analisa o tema era formado inicialmente por 12 homens. Nesta semana, ganhou a primeira representante feminina, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Para as audiências públicas realizadas pelo colegiado em março, foram convidados 48 homens e apenas 7 mulheres. Somente duas deputadas de fora do grupo registraram presença nos debates, Ana Paula Leão (PP-MG) e Amanda Gentil (PP-MA).
A situação atual no Congresso contrasta com a participação feminina tanto na elaboração das propostas que estão hoje no Legislativo como nas discussões sobre o tema nos últimos anos.
A reforma tributária tem como base duas propostas: a PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, que contou com a participação de Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Tributação do Insper e ex-assessora especial do Ministério da Economia; e a PEC 110, subscrita por 54 senadores e 11 senadoras, entre elas, a hoje ministra Simone Tebet (Planejamento).
Canado também participou das discussões que levaram à elaboração das propostas de tributação de lucros e dividendos e da unificação do PIS/Cofins, temas que voltam ao debate neste ano, mesmo que por meio de outras propostas legislativas.
Iniciativas como os grupos Women in Tax Brazil e o Núcleo de Tributação e Gênero da Escola de Direito da FGV também surgiram nos últimos quatro anos.
Mulheres pagam mais tributos sobre renda e consumo
Estudo do Instituto de Justiça Fiscal com dados da Receita Federal mostra que as mulheres têm menos rendimentos isentos e, portanto, pagam alíquotas mais altas sobre a renda. Também arcam com uma carga maior nos tributos indiretos sobre o consumo, de 15,05%, superior à masculina (14,55%).
“Os dados relativos aos impostos indiretos, demonstram, portanto, que a forma como o país tributa reforça as desigualdades de gênero e classe”, diz o estudo dos pesquisadores Cristina Pereira Vieceli e Róber Iturriet Avila. Eles defendem a redução de tributos sobre itens básicos e sobre aqueles consumidos principalmente por mulheres, relacionado à saúde, higiene e cuidados pessoais, além da taxação de dividendos.
Em relação aos tributos sobre consumo, há pelo menos duas questões. A primeira é a chamada taxa rosa: quando produtos de uma mesma funcionalidade têm preços maiores quando são feitos em versões para mulheres. Mesmo que a tributação do produto feminino e masculino seja a mesma em termos percentuais, no caso das mulheres, ele incidirá sobre uma base maior, explica a advogada Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados.
“As mulheres, geralmente chefes de família, trabalham, cuidam da casa e dos filhos, em sua grande maioria sozinhas, arcando com o peso econômico que, proporcionalmente, lhe impõe uma tributação mais pesada e desigual. A tributação aumenta proporcionalmente ao aumento da base tributável. Quanto maior a base de cálculo – valor da movimentação econômica que causou a tributação -, maior será o valor do tributo exigido sobre ela.”
O estudo “Reforma tributária e desigualdade de gênero: contextualização e propostas”, do grupo de estudos Tributação e Gênero da FGV, mostrou também que as mulheres gastam maior parcela da renda em bens de consumo, voltados para a manutenção da família, e uma parte menor da renda vai para investimentos e aumento do ativo, como aquisição de imóveis.
As mulheres na reforma
Na semana passada, a Secretaria da Mulher da Câmara promoveu o debate “Reforma tributária sob a perspectiva de gênero”, que ocorreu no mesmo horário da audiência do grupo de trabalho na qual participaram 6 homens e apenas 1 mulher.
Um dos temas no debate mediado pela deputada Denise Pessôa (PT-RS) foi a adoção ou não de regras que reduzam a tributação sobre bens e serviços mais consumidos pelas mulheres, questão defendida, por exemplo, por Tathiane Piscitelli, coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP.
Ao fazer o diagnóstico do problema, a assessora especial do Ministério da Fazenda Fernanda Santiago afirmou que o Brasil tem uma tributação elevada sobre o consumo, principalmente sobre produtos que são proporcionalmente mais consumidos pelas pessoas de menor renda – parcela da população com grande percentual de mulheres pretas.
“Temos uma maioria de mulheres negras, em famílias monoparentais, que arcam com um percentual maior da sua renda para pagar os tributos sobre o consumo”, afirmou. “É essencial que a gente consiga ter um sistema que reduza a regressividade para que elas paguem menos.”
Ela disse que entre as propostas em debate há a possibilidade de adoção de regimes especiais e alíquotas diferenciadas. Uma regra especial para o setor de saúde, por exemplo, poderia beneficiar mais as mulheres. A equiparação da tributação de bens (mais consumidores pelos mais pobres) e serviços (mais consumidos pelos mais ricos) e a redistribuição da arrecadação beneficiando estados e municípios mais pobres também são fatores que podem atenuar as desigualdades.
Há ainda a ideia de devolução de imposto pago às pessoas mais pobres, o que o governo vem chamando de “cashback”, outra medida que pode beneficiar mais as mulheres.
Viagra, absorventes e preservativos Diante da preocupação de outras palestrantes sobre o fim do princípio constitucional da essencialidade, Santiago disse que esse conceito até hoje não garantiu benefícios para as mulheres. Pelo contrário, contribuiu para um sistema que onera mais essa parcela da população. “A gente hoje tem a essencialidade, e ainda assim a gente tributa de forma desigual. Não é um dogma que vai resolver as questões antidiscriminatórias.”
Luiza Machado de Oliveira Menezes, do grupo de estudos de Tributação e Gênero da FGV Direito SP, apresentou estudo que mostra a alta tributação de produtos consumidos por mulheres com PIS/Cofins, IPI e ICMS, como absorventes (27,25%), coletores menstruais (33,75%) e pílulas anticoncepcionais (30%). Em comparação, há uma tributação menor para preservativos (9,25%) e para o viagra (18%).
“À revelia do que a nossa Constituição diz sobre a essencialidade e sobre o princípio da seletividade tributária a gente tem essas disparidades na tributação”, afirmou, ao defender políticas públicas para distribuição de alguns desses itens, ao lado da redução da sua tributação.
Ana Clara Ferrari, representante do Ministério das Mulheres, disse que o debate sobre reforma tributária com recorte de gênero é algo que interessa à maioria das famílias brasileiras. “Não se trata de minoria. A gente é minoria porque a gente não está lá no GT [grupo de trabalho da Câmara] discutindo isso.”