No início de setembro, o Conselho Nacional de Justiça aprovou por unanimidade três novas resoluções que reiteram a necessidade de se fazer cumprir legislações que tratam direitos das mulheres. A primeira diz respeito aos direitos de gestantes e lactantes que estão presas, a segunda é sobre o enfrentamento à violência doméstica contra a mulher e a terceira incentiva a participação das mulheres nas instituições do Poder Judiciário.
“Eu acredito que essas normas dão um posicionamento do CNJ sobre essas questões. Acho positivo pelo caráter institucional e simbólico”, julgou a advogada Ana Paula Braga, que é especializada em Direito da Mulher. “A lei existe, mas ainda há uma disformidade na hora de aplicar. Essa resolução estabelecer o que deve ser feito nesses casos.”
Defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, Letícia Oliveira Furtado vê com bons olhos o expediente do CNJ: “Para os casos de violência contra mulher, por exemplo, maior acolhimento das vítimas por uma equipe multidisciplinar mais bem estruturada e preparada”. Quanto à questão da participação da mulher no judiciário, a defensora lembrou que elas terão garantia de representatividade por meio de ocupação de cargos de chefia e assessoramento. Mulheres privadas de liberdade ou que sejam mães de filhos pequenos serão beneficiadas porque a medida assegura o convívio das mães com seus filhos e participação no seu desenvolvimento.
“No momento em que o Conselho Nacional de Justiça elabora, de uma só vez, três resoluções garantindo expressamente os direitos das mulheres em âmbitos totalmente distintos – e que deverão ser respeitados em todo o território nacional, por todos os Tribunais do país – fica evidente que o Poder Judiciário Nacional está comprometendo-se a efetivar o princípio da igualdade entre homens e mulheres, previsto no artigo 5º da Constituição de 88”, analisou Letícia.
Paula Cristina Araujo, Presidente da Comissão de Direito Civil da OAB de São Caetano e membro efetivo das Comissões da Mulher Advogada, acredita que essas resoluções vêm ao encontro de inúmeras políticas públicas que já estão sendo implementadas com o intuito de eliminar as formas de discriminação. “Não será de um dia para o outro que verificaremos a mudança. Todavia, à medida que as resoluções forem implementadas, as mulheres serão beneficiadas”, disse ela.
Dignidade a mães presas
Esta resolução dispõe sobre o acompanhamento das mães e gestantes recolhidas ao cárcere. Atualmente, pela Lei de Execução Penal, mães presas deveriam gozar do direito de convívio com seus filhos até os sete anos de idade, berçário e creche. O que ocorre na maioria dos casos, no entanto, é que como não existe esse nível de estrutura na maioria das prisões, as detentas acabam ficando com os bebês na prisão até os seis meses para aleitamento. Depois disso, a guarda dessa criança é oferecida a um familiar próximo ou um abrigo.
Para o professor de Direito Penal Douglas Galeazzo, para assegurar o mínimo de dignidade a essas mulheres, o ideal seria mantê-las em prisão domiciliar, pelo menos durante o período de aleitamento. “Infelizmente o Direito Penal ainda é aplicado de maneira muito distinta a mulheres de baixa ou alta renda”, lamentou. “O CNJ teve de estabelecer essas resoluções porque o Estado não cumpre as leis da maneira que deveria.”
A medida ainda fala da proibição do uso de algemas em mulheres antes e depois do parto e do impedimento da aplicação de castigos disciplinares durante o período de amamentação.
Combate à violência doméstica
A norma aprovada no dia último dia 4 trata, prioritariamente, da criação de Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar em todos os Tribunais de Justiça dos Estados e Distrito Federal. Dentre diversas atribuições, caberá a esses órgãos monitorar e analisar dados de situação de violência doméstica para criação de ações e melhoria das ações existentes de combate à violência. “Na prática, as instituições jurídicas estão buscando novas parcerias e soluções a fim de reduzir traumas em mulheres e seus dependentes em situação de violência doméstica.
O envolvimento de diversas instituições do poder público e da sociedade civil em ações de combate à violência amplia e facilita o acesso para aquelas que precisam de ajuda”, analisou a cientista política Juliana Fratini. Ela sinalizou que as instituições de ensino terão papel fundamental, já que a medidas pretendem envolvê-las nas atividades de educação sobre direitos humanos em diversas fases escolares, como acredita o professor Galeazzo: Educar lá de baixo. Ensinar sobre direitos e garantias desde cedo… Não adianta ir conversar com o cara depois que ele já bateu na mulher, ele não vai mudar de opinião”, ponderou o educador, que é especialista em Direitos Humanos.
A violência física e psicológica contra a mulher ainda cresce no país. “Existe um preconceito com a mulher que é vítima de violência doméstica muito grande. A gente ouve atrocidades. Anos depois da Lei Maria da Penha, a aplicação ainda deixa a desejar. Em 2018, ainda estamos sensibilizando o judiciário para tratar a mulher com dignidade?”, pergunta Galeazzo.
No geral, ele achou que as medidas são interessantes, mas que faltou regulamentação mais detalhada das resoluções. Ele também acredita que ainda temos muito a avançar. “Não sei se o caminho é criminalizar a violência. Acredito que seja informando crianças e adolescentes sobre direitos e garantias, senão vamos ter mais uma geração perdida nas escolas”, concluiu.
Maior participação feminina no Judiciário
Atualmente, entidades como o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria-Geral da República, o Superior Tribunal de Justiça e a Advocacia-Geral da União são chefiados por mulheres. Mesmo assim, os números mostram que as mulheres ainda são minoria nos Tribunais. “De uma forma ampla, a igualdade passa não apenas pela criação de normas ou cotas para mulheres. A igualdade precisa ser buscada pela educação, pela valorização das mulheres por suas qualidades profissionais, pela promoção de salários igualitários, pela cultura da sociedade como um todo”, pontuou o advogado Thiago Mahfuz Vezzi.
A professora Célia Regina Nilander de Sousa, da faculdade de Direito de São Bernardo, vê as resoluções como algo positivo: “Ainda estamos engatinhando nessa área, mas eu vejo como um bom começo. ”
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