A líder começou a lutar por terra aos 10 anos, numa marcha do MST; aos 22, ouviu de um pistoleiro que só conseguiria terra debaixo dela. Não é fácil encontrar Cleude Conceição. É preciso enfrentar a poeira e os buracos da rodovia Transamazônica, saindo de Marabá e indo em direção a Itupiranga, municípios ao sudeste do Pará. São 27 km vencidos com dificuldade até se alcançar um travessão que liga à localidade de Jovem Creane. A partir daí são mais 22 km em uma estradinha de terra estreita e tortuosa, marcada por pequenas pontes. Quando a reportagem chega ao pequeno vilarejo, quase quatro horas depois de ter saído de Marabá, precisa esperar ainda por Conceição, que está pescando. Ela chega uma hora mais tarde, trazendo duas pequenas piranhas e um surubim, resultado da pescaria. Aos 30 anos, é uma mulher magra, pequena, negra, de natureza desconfiada. Cleude Conceição já escapou de tiros, já viu companheiros tombarem. Junto ao pai Marcos Gomes, ela coordena um grupo de 70 famílias que ocupavam duas fazendas em Itupiranga. Tanto a fazenda Bandeirantes como a Potiguar são consideradas terras públicas da União, e estão em processo de arrecadação pelo Incra. É um litígio que já dura nove anos. As fazendas são contíguas e juntas alcançam 700 alqueires. A intenção dos trabalhadores rurais era dividir a terra em 10 alqueires para cada família. Assim, cada família começou a produzir nas áreas ocupadas. As fazendas, até então, haviam sido consideradas improdutivas pelo Incra. A reação dos proprietários foi imediata. Pistoleiros apareceram nas ocupações e iniciaram as ameaças. Barracões foram incendiados e famílias despejadas sob a mira de armas. A Justiça Federal de Marabá determinou que o Incra pagasse as benfeitorias que os fazendeiros supostamente haviam feito nas terras. O Incra recorreu e o caso ainda segue os trâmites judiciais. Sem definição a esse respeito, a Justiça Federal determinou o despejo das famílias ocupantes, que protestaram e ameaçaram enfrentar os oficiais de Justiça e a Polícia Militar. Os fazendeiros mostraram então que não estavam dispostos a ceder. No dia 29 de janeiro de 2011, pistoleiros assassinaram a tiros a principal liderança dos posseiros, o agricultor Pedro Sacaca. A acusação de ser o mandante do crime recaiu sobre o fazendeiro João Ricardo, mas o inquérito segue a passos lentos. Ainda não houve julgamento. Assim Marcos Gomes e a filha, Cleude Conceição, assumiram a liderança do movimento. As famílias decidiram acampar a sete quilômetros das fazendas. O acampamento de barracas de lona não durou muito tempo, devido às dificuldades encontradas pelos trabalhadores rurais. “Era muita pulga, seu moço”, resume Cleude Conceição. Dificuldades fazem parte da vida de Conceição. Com dez anos de idade participou da primeira marcha com integrantes do MST, acompanhando a mãe, Domingas da Conceição. Com 22, fez parte da ocupação da fazenda Cabaceiras, em Marabá, mas não conseguiu um pedaço de chão para si. Ouviu de um pistoleiro à época que só conseguiria terra debaixo dela. A mãe Domingas separou-se do pai. E, com Marcos Gomes, Conceição partiu em busca de terra nas fazendas Bandeirantes e Potiguar, sempre tendo o medo como companheiro. “Não tem como não ter medo. A gente viu o Pedro Sacaca tombar. Me deu um ‘belo belo’ quando vi o corpo dele cheio de bala”, diz. ‘Belo belo’ é uma expressão usada para definir mal estar, tremedeiras, nervosismo. “Na época era muito tiro, os capangas dos fazendeiros andavam armados, intimidando. Já pensou, a pessoa matar o outro? Dentro de casa, nós fica é com medo pelo tanto que já sofremos”, diz. No centro do vilarejo onde as famílias aguardam uma decisão definitiva, sobram histórias de luta pela terra. É uma luta protagonizada por mulheres. Muitas ‘marias’, como Maria Lúcia e Maria da Ajuda. “A gente tem esperança de ter um pedaço de chão nosso”, diz Maria da Ajuda. Junto ao pai, Cleude Conceição passou a sofrer ameaças. “Já veio recado dizendo que todas as lideranças estavam na mira”, revela. O processo que vai definir a situação das fazendas ainda está correndo na Justiça. Por três vezes os agricultores ocuparam a terra e foram despejados. “Uns desistem, outros não. A gente continua lutando. É difícil e eu vou dizer, não tem como pegar na mão de Deus quando a bala manda recado”. * A série “Marcadas para Morrer”, produzida pela Agência Pública em parceria com o jornal Diário do Pará, conta histórias de mulheres cujas vidas estão ameaçadas por lutarem pelos seus direitos e pela preservação da floresta. |
Fonte: Agência Pública
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