O cientista político e jornalista César Benjamin afirmou nesta sexta-feira, (19) em sua palestra no Seminário de Formação Política para os Segmentos Organizados do PSB, que a causa de fundo das manifestações populares que tomaram as ruas do país no mês de junho foi o abandono de um projeto nacional de desenvolvimento, aprofundado pelo governo do PT nos últimos 11 anos. Benjamin, que é um dos co-fundadores do PT, do qual se desfiliou por discordâncias justamente nessa forma de condução, fez uma avaliação em retrospecto histórico sobre as razões e perspectivas da Revolta de Junho. Segundo ele, em resumo, o PT aproveitou o momento de bonança internacional para criar uma bolha de consumo no país. A qual, agora, frente à conjuntura externa de crise e reordenamento econômico, e a uma insatisfação interna crescente da população com a falta de estrutura básica, está prestes a estourar. César Benjamin remeteu-se à década de 80 para iniciar seu retrospecto – período em que houve o fim do ciclo desenvolvimentista iniciado nos anos 50 no Brasil, com a industrialização do país. Para o cientista politico, desde então o Brasil segue numa trajetória errática, sem encontrar um novo rumo para outro ciclo de desenvolvimento de longo prazo. “As crises inflacionárias recorrentes e o governo neoliberal do PSDB atrasaram esse processo em 20 anos”, apontou, lembrando que a expectativa, então, era de que o governo do PT iria recuperar esse tempo perdido e o projeto de país. Para tanto, detalhou Benjamin, a aposta petista foi num modelo que pretendia incentivar um poderoso mercado interno de massa, combinando crescimento econômico com níveis crescentes de distribuição de renda. “A distribuição de renda seria um dos motores do desenvolvimento brasileiro, e não um empecilho, como classificava historicamente a direita”, pontuou. O governo petista contou, nesses planos, com a melhor conjuntura mundial dos últimos 100 anos: a potência China crescendo em ritmo super acelerado e demandando produtos básicos; os Estados Unidos enfrentando séria crise econômica e inflação alta, que os levou a aumentar os juros e emitir moeda, liberando bilhões de dólares a buscar melhores investimentos mundo afora – inclusive no Brasil; uma grande quantidade e facilidade de financiamentos internacionais; o aumento real e constante do Salário Mínimo no Brasil. “O Salário Mínimo foi corrigido em média, por ano, 4,4% no governo Fernando Henrique e 6,2% no governo Lula – aumentos sempre aplicados sobre o reajuste anterior, o que o tornou o grande mecanismo de distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil”, afirmou o cientista político. “Para se comparar: o Salário Mínimo representa hoje 8% do PIB, contra apenas 0,35% da Bolsa Família”. Insuficientes –Porém, para César Benjamin, essas e outras medidas do governo do PT, como o incentivo ao consumo, com a redução do IPI e abertura de inúmeras linhas de crédito à população, foram positivas mas insuficientes. “Na nossa concepção original, elas seriam o motor de arranque para o projeto de país, no entanto, se as demais necessidades da população não fossem enfrentadas, o ciclo se frustraria”, destacou. César Benjamin enumerou, então, as cinco consequências mais graves que surgiram dessa falta de enfrentamento: 1) Um mercado interno dinâmico não pode se basear em bolsas de aposentadoria e crédito ultra rápido, pois se o crédito cresce muito mais rápido que a renda das pessoas, inevitavelmente elas vão ficar comprometidas além do que podem pagar. Um mercado interno para ser de fato dinâmico tem que ser fundamentalmente sustentado pelo trabalho e pela produtividade. O Brasil, nos últimos dez anos, caminhou na direção contrária a essa premissa básica, gerando apenas empregos de baixa qualificação e remuneração. Tanto que 85% dos empregos gerados atualmente no país pagam até 01 salário mínimo e 100% até 02 salários mínimos. Geramos, sim, pequena quantidade acima dos 2 salários, mas eles foram fechados em maior velocidade e número do que as vagas criadas. Isso significa que a economia brasileira perdeu a capacidade de gerar empregos qualificados. Estamos deslocando a maioria das vagas para o setor de serviços, que tem baixa produtividade e remuneração. 2) O Brasil também está perdendo a sua maior conquista econômica do século 20, que era a industrialização. Enfrentamos uma desindustrialização crescente, combinada a um câmbio fora do lugar, abrindo vaga para as importações de outros países e minando a competitividade da indústria nacional. Nesse cenário, a indústria estrangeira é capaz de colocar no Brasil produtos muito mais baratos que os nossos e crescer o dobro da nossa indústria. O resultado é que a participação da indústria nacional na economia brasileira caiu aos níveis dos anos 40, quando Getúlio Vargas ainda governava o Brasil. 3) A inserção internacional do Brasil vem perdendo qualidade: nossa pauta de exportações, que estava começando a introduzir produtos mais sofisticados e de maior valor, voltou ao perfil de primária. Nossas exportações hoje são basicamente de soja, minério de ferro e oriundas do agronegócio. Ao mesmo tempo, um novo ciclo de baixa internacional na economia já começou e as contas externas brasileiras estão em níveis perigosamente altos. Para se ter idéia, vínhamos de um saldo positivo de mais de R$ 10 bilhões há poucos anos e agora o governo e o mercado discutem se será possível obtermos um saldo positivo, qualquer que seja ele. 4) A infra-estrutura brasileira neste momento é uma calamidade em todos os setores. Abandonamos as ferrovias, mantivemos praticamente a mesma malha viária de 40, 50 anos atrás, estamos destruindo o setor elétrico, o alcooleiro enfrenta crises sistêmicas e a Petrobrás passa por uma série crise de gestão. Ou seja, se a energia e o transporte estão ruins, influenciam para o mal todo o sistema econômico. 5) Toda a distribuição de renda via aumento do consumo foi dirigida para bens individuais, como carros, móveis e eletrodomésticos, ao mesmo tempo em que os serviços públicos (transporte, saúde, educação, segurança pública, esgoto sanitário, energia, etc) foram abandonados. Essa é a nova classe média brasileira, que já está com 44% de endividamento de sua renda – as pessoas conseguiram condições de vida apenas um pouco melhores, mas somente da porta de casa para dentro. Conclusões – Para César Benjamin, é a insatisfação crescente gerada por todo esse conjunto de fatores que alimentou as manifestações populares nas ruas em junho. “O Estado brasileiro hoje não consegue planejar nem muito menos viabilizar um projeto complexo de desenvolvimento a longo prazo para o país, pois é comandado basicamente por ações de marketing e corrupção”, criticou o cientista político. “Esse sistema só funciona numa sociedade apática – e foi isso que começou a mudar com as manifestações. O movimento de junho não desapareceu, ele vai retornar e ainda mais forte porque impulsionado pela conjuntura de desemprego e queda na renda que devemos enfrentar já a partir do segundo semestre”.
Na avaliação de Benjamin, esse cenário torna as eleições de 2014 completamente imprevisíveis. “Vai ganhar quem conseguir levar ao povo um projeto nacional consistente e verdadeiro para o Brasil”, acredita. “O PSB vai ter que seguir tateando e refletindo até encontrar a sua proposta de melhor caminho nesse contexto complexo e de grandes incertezas”.
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Márcia Quadros – Assessoria de Imprensa do PSB Nacional
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