Marina Silva
Na tarde de ontem, Eduardo Campos e eu registramos no TSE nossas candidaturas nas eleições deste ano para presidente e vice-presidente da República. Registramos também as diretrizes que orientam a elaboração de nosso programa de governo, as ideias e princípios que fundamentam a nossa aliança.
Eduardo gosta de se referir ao programa como sendo o “contrato de trabalho” do governante, aquele pelo qual vai ser cobrado e, se não cumprir, pode até ser demitido. Gosto muito dessa ideia do programa como expressão de um compromisso e penso que estamos conseguindo definir um conjunto de propostas viáveis, que temos plena capacidade de levar à prática.
Já disse e quero repetir: devemos ver nosso programa como uma espécie de “carta dos brasileiros”. Diferente de um apelo eleitoral ou carta programática que os candidatos dirigiram à população em outras eleições, para pedir o seu apoio ou para acalmar os agentes do mercado, nosso programa incorpora o desejo expresso nas ruas por amplas parcelas da sociedade brasileira e inova no método participativo e colaborativo em sua realização.
Não estamos nos propondo a fazer as coisas “para” a sociedade, mas “com” a sociedade. Muito se falou que as grandes manifestações populares do ano passado não tinham uma ideologia, um programa ou uma direção. Como manifestações autoconvocadas e descentralizadas, onde predominava o que costumo chamar de ativismo autoral – em substituição ao velho ativismo dirigido onde o controle é centrado nas mãos das organizações ou lideranças – elas pareciam expressar desejos difusos e originados longe da política. Mas isso são apenas aparências. Na verdade, havia uma vontade claramente expressa dos cidadãos e cidadãs de deixarem de ser meros espectadores das decisões políticas e se tornarem autores e protagonistas. E uma exigência indiscutível de que o Estado e as políticas públicas fossem aperfeiçoadas e direcionadas ao bem-estar coletivo, sem as apropriações indébitas que os frequentes casos de corrupção evidenciam.
Há também um aspecto de nosso programa cuja ligação com os desejos do povo brasileiro é menos evidenciada pelo noticiário, mas é real e muito forte: a busca de um desenvolvimento sustentável. Esse é, afinal, o grande motivo que levou a Rede a unir-se ao PSB: manter a agenda da sustentabilidade no debate nacional, não permitir que as eleições fossem uma vazia disputa de estruturas partidárias sem referência à crise mundial e as grandes decisões que ela coloca aos brasileiros.
Esse debate está claro para quem acompanha os movimentos de resistência que, nos últimos anos, tentaram evitar os retrocessos na legislação ambiental, a perda de direitos das comunidades, a devastação das florestas e o irresponsável descuido com a prevenção das catástrofes e a adaptação às mudanças climáticas. Quem está nessa luta sabe o quanto as parcelas mais pobres da população são as mais atingidas. E sabe que o povo brasileiro tem um profundo sentimento de defesa de seu patrimônio social, ambiental e cultural, muito diferente daqueles “operadores” da política ou do mercado que se mostram ansiosos para destruir riquezas milenares pelo lucro de uma década.
Reorientar o desenvolvimento do país para buscar uma economia de baixo carbono e melhorar a qualidade de vida implica em definições programáticas bem claras, que só serão realizadas se formos capazes de nos comprometer com a sustentabilidade também no espaço da política, hoje quase totalmente insustentável.
Vivemos, hoje, o paradoxo de uma política que reduz a si mesma na esterilidade dos extremos, pragmatismo e sectarismo. O pragmatismo, que pretende ser o corpo da política em ação, nega a alma utópica que inova e transforma. O sectarismo, que se pretende alma pura, nega a fertilidade realizadora do corpo da ação política.
Mas as ideias geradas no encontro da utopia com a ação não ficaram caídas nas ruas. Permanecem vivas na vontade de milhares de pessoas que encontramos nas cinco regiões do país, na internet, nas comunidades, movimentos e setores sociais, cientistas, empresários, trabalhadores, estudantes, artistas, ativistas de todas as boas causas.
Não é por acaso que os eixos de nosso programa combinam a democracia de alta intensidade com economia para o desenvolvimento sustentável, educação, cultura e inovação, políticas sociais, novo urbanismo e pacto pela vida. É que esses temas são os desejos dos cidadãos e cidadãs deste país. Com eles se pode compor uma verdadeira “carta dos brasileiros”.