Caro Presidente. O senhor foi eleito por uma parcela imensa de mulheres que acreditaram em um novo tempo, anti racista, anti machista, anti homofóbico, anti capacitista e anti tudo de ruim e excludente que existe no mundo e, em especial, no Brasil.
Sou uma mulher branca, cis, hetero e cheia de privilégios. Nos últimos anos aprendi que não basta não ser preconceituosa, é preciso mais, é preciso lutar contra os preconceitos. Estou, a duras penas, entendendo qual o meu papel na construção de uma sociedade melhor. Faço este esforço porque entendi, de verdade, que um mundo mais justo e igualitário é melhor para todo mundo, inclusive para mim. E para o meu filho e filha e, quem sabe, futuros netos. Digo que é a duras penas, porque de fato é. Sou de uma geração que naturalizava a exclusão de determinados grupos e, sem me dar conta, fazia o mesmo. Me reinvento a cada dia, tentando prestar atenção em meus olhares enviesados e condicionados, sendo pega nos meus atos falhos e erros que, para a maioria dos meus parceiros e parceiras de vida, passam desapercebidos. Não é fácil para ninguém enxergar coisas que não fomos treinados a ver.
O senhor é de uma geração anterior a minha e por isso entendo que, quando diz que quer nomear para o Supremo Tribunal Federal alguém com quem possa dialogar, esse alguém certamente é um homem. Afinal, a maioria das pessoas com quem trabalhou a vida inteira, que estiveram ao seu lado nas suas lutas, seus amigos e as pessoas das quais se cerca e nas quais confia, são homens. Portanto, é natural que tenha mais facilidade em dialogar com outro homem do que com uma mulher. Mas como disse no início, aprendemos que incluir é mais do que não excluir. Da mesma forma que não basta eu não ser racista, pois tenho que ser anti racista, para um homem não basta não ser machista, tem que ser anti machista. E o que isso significa? Como isso se traduz? Se traduz com atos concretos, com ações que incluam verdadeiramente. Uma vez que enxergamos e reconhecemos a exclusão, nos tornamos pessoalmente responsáveis pela mudança desse quadro. E isso é todo dia, em cada gesto.
Essa é a razão pela qual caro Presidente, é impensável que uma pessoa com a sua trajetória não reconheça o papel anti machista que tem e não nomeie uma mulher para ocupar a vaga de outra mulher no Supremo Tribunal Federal. Das onze cadeiras, só duas são hoje ocupadas por mulheres. Ficaremos com uma? Isso é razoável? Somos mais da metade da população brasileira, somos a maioria do seu eleitorado e estamos no século XXI. É aceitável essa não representatividade? Não, não é!
Entendo que o senhor não tenha proximidade com muitas juristas, mas garanto que há no mundo do direito mulheres incríveis, competentíssimas e com quem adoraria conversar se desse uma chance para isso. Converse com algumas delas e verá que nomear uma mulher não é só o certo a ser feito (e o que se espera de um presidente da sua envergadura), como pode ser extremamente gratificante para o senhor e útil para o país.
A realidade da exclusão decorrente de gênero, raça, classe social e tantas outras só poderá ser vencida quando todos e todas entenderem o seu lugar de agente transformador, sobretudo quem tem mais autoridade para dar o exemplo, como o Presidente de um país.