Medida protetiva de urgência e estímulo para empresas contratarem mulheres vítimas de violência são algumas das propostas aprovadas
No primeiro semestre deste ano, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou 46 projetos de lei, 17 medidas provisórias, 18 projetos de decreto legislativo, 3 projetos de resolução, 2 projetos de lei complementar e 1 proposta de emenda à Constituição (PEC).
Entre as matérias aprovadas estão algumas que garantem direitos às mulheres, como a inserção, na Lei Maria da Penha, da medida protetiva de urgência; a pensão para filhos de mulheres vítimas de feminicídio; a adoção, pelo Incra, de medidas para facilitar a titulação de imóveis em nome de mulheres trabalhadoras rurais; e o direito de indicar acompanhante durante consultas e exames para os quais haja necessidade de sedação.
Pensão ligada a feminicídio
Neste semestre, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que institui uma pensão especial aos filhos e outros dependentes menores de 18 anos de mulheres vítimas de feminicídio. O texto está em análise no Senado.
O texto é um substitutivo do deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) para o Projeto de Lei 976/22, da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e outros sete parlamentares do PT.
A pensão especial, no total de um salário mínimo (R$ 1.320 em maio), será destinada ao conjunto dos filhos biológicos ou adotivos e dependentes cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 25% do salário mínimo (R$ 330). O benefício será encerrado caso o processo judicial não comprove o feminicídio.
Essa pensão especial, ressalvado o direito de opção, não será acumulável com quaisquer outros benefícios previdenciários e deverá ser paga até que filhos ou dependentes completem os 18 anos de idade.
Na eventual morte de um dos beneficiários, a cota deverá ser revertida aos demais.
Medida protetiva de urgência
Mulheres vítimas de violência poderão contar com a concessão sumária de medidas protetivas de urgência a partir da denúncia a qualquer autoridade policial ou a partir de alegações escritas.
Esse direito está previsto na Lei 14.550/23, oriunda do Projeto de Lei 1604/22, do Senado. O texto altera a Lei Maria da Penha.
De acordo com emendas aprovadas da relatora, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), as medidas protetivas poderão ser indeferidas no caso de avaliação, pela autoridade, de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Outro trecho que será acrescentado à lei diz que essas medidas serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
As medidas protetivas deverão vigorar enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Estímulo à contratação
A Câmara dos Deputados aprovou também projeto de lei criando o selo “Empresa Amiga da Mulher”, a ser dado a empresas pela adoção de práticas de inclusão profissional de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A proposta está em análise no Senado.
De autoria da ex-deputada Rosa Neide (MT), o PL 3792/19 foi aprovado com substitutivo da deputada Erika Kokay (PT-DF), o qual fixa em dois anos a validade mínima do selo, renovável continuamente por igual período desde que a empresa comprove a manutenção dos critérios legais e do regulamento.
Pelo texto, o selo poderá ser concedido somente se a empresa cumprir ao menos dois de quatro requisitos:
– reservar percentual mínimo de 2% do quadro de pessoal para a contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar;
– possuir política de ampliação da participação da mulher na ocupação dos cargos da alta administração da empresa;
– adotar práticas educativas e de promoção dos direitos das mulheres e de prevenção da violência doméstica e familiar, nos termos do regulamento; ou
– garantir a equiparação salarial entre homens e mulheres, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Implante mamário
Ainda a favor das mulheres, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que garante o direito de troca de implante mamário, colocado em virtude de tratamento de câncer, sempre que houver complicações ou efeitos adversos. A proposta foi convertida na Lei 14.538/23.
O texto aprovado foi um substitutivo do Senado para o Projeto de Lei 2113/19, da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), e prevê ainda acompanhamento psicológico e multidisciplinar especializado das mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama em razão do tratamento de câncer. Esse acompanhamento deverá ocorrer desde o diagnóstico.
As normas valerão tanto para o setor privado quanto para o Sistema Único de Saúde (SUS). No âmbito do SUS, o projeto determina também que o procedimento seja realizado no prazo de 30 dias após a indicação do médico assistente.
Mulher na reforma agrária
De autoria do deputado José Guimarães (PT-CE), o Projeto de Lei 810/20 inclui outras situações de prioridade na titulação de imóveis objeto da reforma agrária. A matéria será enviada ao Senado.
De acordo com o texto da relatora Rejane Dias, aprovado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deverá adotar medidas para estimular e facilitar essa titulação em nome de mulheres trabalhadoras rurais da agricultura familiar.
Na lei que regulamenta a reforma agrária (Lei 8.629/93), a relatora propõe a inclusão de outras três prioridades e beneficiados pela titulação: mulher titular da família monoparental; mulher vítima de violência doméstica; e família que tenha entre seus componentes uma pessoa com deficiência.
Entretanto, essas prioridades ficam atrás, pela ordem definida na lei, das já existentes, como ao trabalhador rural em situação de vulnerabilidade social, ao trabalhador rural vítima de trabalho em condição análoga à de escravo, e aos que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários em outros imóveis rurais.
Abuso de poder
Se o Projeto de Lei 4534/21 virar lei, passará a ser crime condicionar a prática de dever de ofício à prestação de atividade sexual. A proposta aprovada pela Câmara dos Deputados aguarda análise no Senado.
De autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e outros, o projeto inclui no Código Penal nova tipificação com pena de reclusão de 2 a 6 anos para o ato de condicionar um serviço ou ato de ofício a atividade sexual que envolva conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso. Se a atividade sexual for consumada, a pena será de reclusão de 6 a 10 anos.
O texto, aprovado com o parecer favorável da deputada Maria do Rosário (PT-RS), determina a soma dessa pena àquela correspondente ao crime contra a administração pública caso o agente seja funcionário público.
Assédio em escolas
Já o assédio sexual e outros crimes sexuais poderão ser evitados por meio do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual, à Violência Sexual e aos demais Crimes contra a Dignidade Sexual.
Isso é o que prevê a Lei 14.540/23, oriunda da Medida Provisória 1140/22, aprovada pela Câmara dos Deputados.
De acordo com o texto aprovado, da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o programa abrangerá toda a administração pública direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal, além do ambiente escolar.
Entretanto, nas duas primeiras etapas do ambiente escolar (educação infantil e ensino fundamental), o programa será restrito à formação continuada dos profissionais de educação, sem abordagem do tema com os alunos.
O programa se aplica também a todas as instituições privadas que prestem serviços públicos por meio de concessão, permissão, autorização ou qualquer outra forma de delegação. Nesses casos, as normas serão definidas por um regulamento.
Para a caracterização dos crimes, deverão ser usados os conceitos do Código Penal, da Lei Maria da Penha e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os programas de capacitação deverão ter conteúdos mínimos e abordar:
– as causas estruturantes da violência sexual e do assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual;
– as consequências para a saúde das vítimas;
– direitos da vítima, como acesso à Justiça e à reparação;
– os mecanismos e canais de denúncia;
– os meios de identificação, modalidades e desdobramentos jurídicos; e
– os instrumentos jurídicos de prevenção e enfrentamento desses crimes disponíveis.
Deverão ainda ser investigadas eventuais retaliações contra vítimas desses crimes, contra testemunhas ou auxiliares em investigações ou processos.
Direito a acompanhante
No mês da mulher, a Câmara dos Deputados aprovou também projeto de lei que garante às mulheres o direito de indicar acompanhante durante consultas e exames para os quais haja necessidade de sedação. O Plenário precisa analisar emendas sugeridas pelo Senado em uma segunda votação.
O texto aprovado é um substitutivo da relatora, deputada Bia Kicis (PL-DF), para o Projeto de Lei 81/22, do deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF).
Atualmente, o direito a acompanhante já é garantido para o período de trabalho de parto, parto e pós-parto.
Segundo o texto, o direito caberá ainda em situações nas quais a paciente tem de ficar inconsciente ou apresenta confusão mental ou desorientação em razão do procedimento.
A exceção é para atendimentos realizados em centros cirúrgicos e de terapia intensiva que possuam restrições de segurança. Esses casos devem ser justificados pelo corpo clínico da unidade de saúde, sendo admitido acompanhante que seja profissional de saúde.
Na regra geral, o acompanhante será de livre escolha da paciente, ou de seu representante legal, nos casos em que ela esteja impossibilitada de manifestar sua vontade.
Crédito para a mulher
O Projeto de Lei 1883/21 foi aprovada pela Câmara dos Deputados para criar o Programa Crédito da Mulher no âmbito das instituições financeiras oficiais federais, estipulando percentuais de concessão de crédito em programas já existentes, como o Pronampe. O texto aguarda votação no Senado.
De acordo com o substitutivo aprovado, da deputada Luisa Canziani (PSD-PR), no mínimo 25% dos recursos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) deverão ser emprestados às microempresas e empresas de pequeno porte controladas e dirigidas por mulheres.
Dentro dessa reserva, percentuais mínimos dos recursos serão destinados às mulheres negras de renda baixa ou com deficiência.
Igualdade salarial
A fim de tentar garantir a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1085/23, do Poder Executivo. O texto foi transformado na Lei 14.611/23.
Relatado pela deputada Jack Rocha (PT-ES), a matéria institui medidas para salários iguais na realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.
Em caso de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o empregador deverá pagar, além das diferenças salariais, multa administrativa equivalente a dez vezes o valor do novo salário devido à pessoa discriminada – será o dobro na reincidência.
A quitação da multa e das diferenças salariais não impedirá a possibilidade de indenização por danos morais à (ao) empregada (o), consideradas as especificidades do caso concreto.
Atualmente, em razão da reforma trabalhista do governo Temer, a CLT prevê multa fixada pelo juiz em “comprovada” discriminação por motivo de sexo ou etnia, em favor da (o) empregada (o) prejudicada (o), equivalente a 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ 3.753,74 atualmente).
Entretanto, continuam inalteradas as demais regras que definem as situações nas quais a desigualdade poderá ser reclamada pelo (a) trabalhador (a).
Para facilitar a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, o texto aprovado determina às pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e remuneratória.
Assédio sexual na advocacia
Para viabilizar a punição de advogados associados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1852/23, que inclui no estatuto da entidade infrações disciplinares relativas ao assédio moral, ao assédio sexual e à discriminação. O texto foi convertido na Lei 14.612/23.
De autoria da deputada Laura Carneiro, o projeto é uma sugestão do Conselho Federal da OAB. Com redação elaborada pela deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), o assédio moral é definido como conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, envolvendo repetição deliberada de gestos, palavras e/ou comportamentos que exponham estagiário, advogado ou qualquer outro profissional a situações humilhantes e constrangedoras.
Essas atitudes, continua a proposta, devem ser capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade, à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluir a pessoa das suas funções ou desestabilizá-la emocionalmente com a deterioração do ambiente profissional.
No assédio sexual, a conduta é tipificada pelo uso de palavras, gestos ou outros meios causando à vítima constrangimento e violando sua liberdade sexual.
Já a discriminação é definida como a conduta comissiva ou omissiva que dispensar tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, seja em razão de raça, cor, sexo, procedência nacional ou regional, origem étnica, etária ou religião.