O Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ) divulgará neste ano os resultados do primeiro Censo Nacional do Poder Judiciário, realizado em 2013. De acordo com o CNJ, o levantamento “pretende descobrir e sistematizar o perfil das pessoas que trabalham na Justiça brasileira e saber a opinião delas em relação ao trabalho que desenvolvem”. Às juízas, desembargadoras, conselheiras e ministras em atividade foi perguntado também se consideram já ter sofrido, pelo fato de serem mulheres, alguma reação negativa por parte dos usuários do Sistema de Justiça ou de profissionais, quais as dificuldades no exercício da magistratura, nos processos de remoção e promoção, e em que medida a vida pessoal é afetada pela profissão. As respostas às perguntas do Censo Judiciário foram, em certa medida, antecipadas no “Seminário Justiça e Gênero”, promovido pela Escola Paulista de Magistratura em dezembro do ano passado. No evento, a socióloga Maria da Glória Bonelli apresentou parte dos dados de sua pesquisa, que originou o livro Profissionalismo, Gênero e Diferença nas Carreiras Jurídicas (Editora EdUfscar). De acordo com a especialista, que estuda profissões há 20 anos, a desigualdade de gênero no mundo jurídico pode ser percebida de diversas formas. Ela destacou o problema até mesmo nas avaliações consideradas positivas do trabalho de juízas e magistradas, tidas como “mais compreensivas” e “mais diligentes”. “Isso vira uma prisão, porque ao mesmo tempo que você tenta apagar o que é diferente, você também capitaliza o que é diferente e essencializa na condição feminina aquilo que é o dilema que precisa ser superado”, disse. Alguns avanços, mas ainda um longo caminho a percorrer Entre os tribunais analisados pela pesquisadora, em junho de 2012, a primeira instância do Tribunal de Justiça de São Paulo tinha 35,7% de mulheres na magistratura, enquanto na segunda instância elas representavam apenas 3,7% do total de juízes. Na Justiça Federal de São Paulo e Mato Grosso do Sul (3ª Região), as juízas de primeiro grau são 37,5% e no TRF-3 elas somam 46,3%. No Superior Tribunal de Justiça são 17% as ministras e no STF, 18%. “É óbvio que as mulheres estão subrrepresentadas, mas é óbvio também que é uma conquista enorme ter 18% de mulheres no STF, uma conquista muito significativa, e jamais podemos perder a dimensão de quanto a sociedade brasileira mudou nesse sentido, mas que, proporcionalmente, ainda há um longo caminho a percorrer. E vários fatores, como eu tenho apontado, explicam isso, inclusive as opções que as diferenças de gênero nos colocam e que muitas vezes a gente incorpora”, afirmou Bonelli. Entre os elementos que dificultam a ascensão feminina na justiça estadual, a pesquisadora concluiu que estão uma maior autonomia em relação a intervenções externas e a consolidação dos elementos que definem o modelo de profissionalismo na carreira judiciária antes do ingresso da mulher, que teria produzido um “fechamento generificado”. No Judiciário Federal, que historicamente sofreu maior intervenção do Poder Executivo e cuja consolidação das estruturas organizacional e profissional demorou mais, verificou-se um impacto distinto na forma como a mobilidade interna da carreira se dá e nas possibilidades de as mulheres ascenderem ou não. Outras questões foram apontadas por Bonelli como obstáculos à ascensão profissional das mulheres na magistratura. Entre elas, a pesquisadora cita a maior dificuldade de mobilidade espacial enfrentada pelas mulheres para compatibilizar as constantes mudanças de cidades que favorecem a obtenção de promoção profissional e a responsabilidade que lhes é socialmente imputada em relação à família (cônjuge e filhos). Mencionou também a contradição posta pela conquista do direito à aposentadoria cinco anos antes, que reduz o tempo disponível para a mulher chegar ao topo da carreira, assim como a negativa da existência de diferenças de gênero, especialmente entre as juízas com mais de 40 anos e entre os juízes, o que dificulta o enfrentamento consciente do problema. Invisibilidade e preconceitos A socióloga referiu-se também ao preconceito quanto à homossexualidade na carreira judiciária. “O preconceito em relação à diferença sexual foi mais apontado nas falas dos magistrados. A percepção da existência da homossexualidade na carreira foi registrada pela maioria, embora vários entrevistados tenham afirmado desconhecer colegas gays ou lésbicas. A visibilidade interna da diferença sexual é acompanhada da ‘lógica do armário’, que se impõe aos homossexuais e aos heterossexuais também’, disse. Também presente no “Seminário Justiça e Gênero”, a juíza Deborah Ciocci, integrante do Conselho Nacional de Justiça, lembrou que o Brasil conheceu a primeira juíza em 1939. Em contrapartida, nos Estados Unidos a primeira foi nomeada no ano de 1870. E um país de forte cultura patriarcal como o Irã empossou sua primeira juíza em 1969. Em São Paulo, as mulheres passaram a entrar na carreira da magistratura apenas em 1980, após uma série de ações da Comissão da Mulher Advogada da OAB paulista. “No nosso país ainda se verifica a masculinização no comando e a feminização nos cargos subalternos”, afirmou. A juíza ressaltou ainda a carga de preconceito contida na própria lei que estrutura a magistratura. “A nossa Lei Orgânica da Magistratura Nacional tem um artigo que diz que o juiz deve manter sua vida particular e pública com regras e conduta irrepreensíveis. Isso é uma coisa tão abstrata, tão do tempo da ditadura, que dá medo. O que seria conduta irrepreensível na vida pública e particular? A questão da homossexualidade entra? E quem vai julgar?”, questionou. Ciocci mencionou que em 2011 todos os tribunais regionais federais do país contavam com apenas 25,1% de desembargadoras e nos tribunais superiores esse número caía para 13,9%. “A sociedade impõe à mulher que ela é responsável por cuidar da casa, cuidar dos filhos. Isso está mudando, mas a gente ainda caminha a passos lentos. Por isso é importante as mulheres se posicionarem sempre na busca da igualdade”. O Seminário – Realizado pela primeira vez, o “Seminário Justiça e Gênero” foi promovido pela Escola Paulista da Magistratura sob a coordenação das juízas Camila de Jesus Mello Gonçalves, Maria Domitila Prado Manssur Domingos, Maria Laura de Assis Moura Tavares, Renata Martins de Carvalho e Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos – todas integrantes da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo. A coordenadora da COMESP, desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, acompanhou todo o evento. O Censo – Pesquisa de opinião inédita sobre o ambiente de trabalho no Judiciário brasileiro, o Censo Nacional buscou ouvir os 16 mil magistrados e 173 mil servidores. Ao todo, cerca de 11 mil juízes responderam ao levantamento, de acordo com o CNJ. As perguntas sobre a desigualdade de gênero foram feitas apenas às juízas, não alcançando as servidoras das áreas administrativas. A consulta foi realizada entre agosto e dezembro. A previsão do CNJ é que a divulgação do relatório aconteça entre maio e junho deste ano, de acordo com a assessoria de comunicação. A desigualdade de gênero no Judiciário brasileiro 1890 – Criação da Justiça Federal no país 1939 – É nomeada a primeira juíza estadual brasileira, Auri Moura Costa, na comarca de Várzea Alegre (CE) 1967 – É nomeada a primeira juíza federal no país, Maria Rita Soares de Andrade, no antigo Estado da Guanabara (RJ) 1995 – Zélia Maria Antunes Alves é primeira desembargadora de carreira a ingressar no TJSP 1996 – É proibida a identificação de gênero dos candidatos aos concursos da magistratura no TJSP 2000 – Toma posse a primeira mulher no STF, Ellen Gracie Northfleet 2008 – Eliana Calmon é a primeira mulher a ingressar no STJ 2011 – Luislinda Valois é eleita a primeira desembargadora negra no Brasil, no TJBA, e acontece o primeiro casamento homoafetivo na magistratura brasileira, em Santa Catarina: o da juíza Sônia Maria Mazzetto Moroso – (Fontes: Deborah Ciocci e páginas dos tribunais.) |
Luciana Araújo / Agência Patrícia Galvão
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