Atletas resolveram mudar seus uniformes para competir, no que poderia ser mais um dia qualquer para o esporte —não fosse o fato de serem mulheres a tomar essas decisões.
Na semana passada, o fato de jogadoras terem trocado o tradicional biquíni utilizado no handebol de praia por shorts fez com que a federação norueguesa tomasse uma multa de 1.500 euros, cerca de R$ 9.200. Já a ginasta alemã Sarah Voss abandonou o maiô cavado numa competição europeia neste ano e apareceu com um macacão de corpo inteiro para se posicionar contra a “sexualização na ginástica”, ato seguido por colegas.
As reivindicações em torno das roupas de atletas mulheres não são uma novidade, mas refletem uma tendência que se tornou mais forte nos últimos tempos. Num panorama mais amplo, a discussão sobre uniformes que não erotizem corpos de mulheres é latente no mundo da moda, afirma Dario Caldas, sociólogo e diretor do Observatório de Sinais, escritório especializado em detectar tendências.
“É um debate que remete, sobretudo, a um desejo de autonomia da mulher em relação ao próprio corpo”, diz. Para Caldas, o que está em jogo é justamente desestabilizar o que foi —e ainda é— o olhar predominante, do homem branco e cisgênero, na construção das vestimentas.
Há uma série de casos no esporte que mostra essa visão nas escolhas de uniformes. A tenista Charlotte Cooper, que levou a primeira medalha de ouro feminina numa Olimpíada, jogava com vestidos de saias longas e golas fechadas, de acordo com a maneira como as mulheres eram vistas à época —e em um padrão bem distante dos saiotes curtos que hoje dominam as quadras.
Tão dominante ao ponto de um dos muitos looks emblemáticos da Serena Williams, um macacão preto longo, ter sido criticado como uma violação dos códigos atuais de vestimenta.
“O que está por trás desses movimentos é a reivindicação de um olhar do corpo da mulher como atleta, e não de uma exploração da beleza, que se pretende apresentar a um olhar masculino”, afirma Helena Altmann, professora e pesquisadora na faculdade de Educação Física da Unicamp.
Em entrevista à revista TPM, Carol Solberg, do vôlei de praia, por exemplo, disse que apesar de gostar de jogar de bíquini já viveu episódios em que fotógrafos faziam cliques com conotação sexual.
O que se pretende, afinal, é que as roupas sejam feitas para desenvolver uma melhor performance no esporte, explica Altmann. Não é o que parece estar por trás de muitas escolhas de vestuários.
Magic Paula lembra da época em que jogou vestindo os famosos macaquinhos, peças coladas ao corpo e que, diz ela, não eram agradáveis para a prática do esporte. “Para o basquete, que tem muito contato, ele era bem incômodo. Ficava subindo na perna, era um pouco desconfortável”, afirma.
Em um outro extremo, nos Jogos de Atlanta, em 1996, quando foram medalhistas de prata, as atletas do basquete brasileiro receberam caixas de uniformes do tamanho masculino. Assim, tiveram que ir atrás de uma costureira para ajustar as peças aos corpos femininos.
“As pessoas estão ali para ver a performance das atletas”, afirma. “Mas, na maioria das vezes, são dirigentes homens que comandam. E eles não têm a sensibilidade de sentar com as atletas e perguntar o que elas gostariam, chamar a empresa que vai oferecer o uniforme e perguntar que modelo elas querem.”
O incômodo com os macaquinhos também agitou o vôlei. Em 2005, o modelo projetado para o time brasileiro foi apelidado de “É o Tchan”, em referência às dançarinas do grupo. “Com essa roupinha que eles bolaram, só vai faltar entrar em quadra de botinha e chapéu de caubói”, ironizou a atleta Leila à época, como se as roupas projetassem uma fantasia erotizada.
Num outro exemplo, nas Olimpíadas de Londres, em 2012, dirigentes da Associação Internacional de Boxe Amador debateram incluir a saia como uniforme oficial do boxe feminino nos Jogos —o que foi chamado de machismo por pugilistas.
“A gente tem todo tipo de material possível para fazer isso”, afirma Márcio Ito, professor do curso de moda da Faculdade Santa Marcelina, sobre técnicas e tecidos para criar uniformes que ajudem na performance e não sexualizem os corpos das mulheres. “As empresas que cuidam do uniforme esportivo têm tecnologia suficiente para trazer novos materiais e pesquisas, e elas recebem por isso. Não há desculpas.”
Fonte: Folha de São Paulo