Entre as quase 6.000 câmaras de vereadores espalhadas pelas cidades brasileiras, em cerca de 30% delas há apenas uma mulher entre os eleitos, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). No comando das prefeituras, só 12% são mulheres. A baixa representatividade feminina na política se espalha Brasil afora, tanto em grandes metrópoles quanto no interior, mas um problema que atinge as parlamentares, sempre em minoria, parece ser mais grave nesse segundo caso: a violência política de gênero. Insultar uma parlamentar, tentar silenciá-la, ofendê-la ou atacá-la: tudo isso é considerado violência política contra mulheres. E pode vir tanto de colegas nas casas legislativas quanto do eleitorado. No fim de maio, Suéllen Rosim (PSC), prefeita de Bauru, interior de São Paulo, foi vítima de um desses ataques.
Ela foi chamada de “biscate” por um seguidor nas redes sociais e, apesar de preferir “relevar” situações como essa, decidiu registrar um boletim de ocorrência e entrar na Justiça contra o autor da ofensa, em uma tentativa de evitar a normalização dos ataques às mulheres. “Apesar da manifestação de arrependimento do agressor, dada a gravidade de sua conduta, o procedimento terá seguimento na forma da lei”, afirmou ela a Universa.
Violência no interior é ligado ao coronelismo, diz especialista
Segundo Nailah Neves, cientista social e consultora de inteligência eleitoral de raça e gênero, o sistema político foi construído para que homens ocupem os postos mais importantes, e qualquer mulher que tente entrar na política enfrenta as dificuldades criadas por uma estrutura patriarcal. Fora dos grandes centros, a situação é ainda mais difícil.
“Em locais como São Paulo, com mais visibilidade, tem a pressão pública contra os ataques. Já no interior, não. E nesses lugares há um consenso maior dentro do parlamento, em sua maioria masculina, dessa violência”, afirma. “Não são casos isolados, são tentativas de expulsar essas mulheres da política.”
Para Neves, o fato de os ataques e a normalização do machismo ser mais comum no interior tem a ver com o passado coronelista do país. “Em uma determinada região, uma família tem o poder, não só político, mas judiciário, econômico. Essa mulher, que não é desse âmbito familiar, desse círculo, é uma adversária. Assim como um homem que não é, ele é adversário, mas aí entra a questão do patriarcado, do machismo. Ataques contra mulheres são mais naturalizados e têm muito menos repercussão”, explica.
Casos recentes foram negligenciados
A falta de uma maior pressão pública contra os casos, como citado por Neves, leva à normalização da violência política contra mulheres, sentida na pele por prefeitas e parlamentares, que são ofendidas sem que haja represálias aos autores dos ataques.
Há dois meses, por exemplo, o vereador Francisco Ernandes (PSD), de Beberibe (CE), cidade com 53 mil habitantes, foi ao plenário da câmara e chamou a prefeita da cidade, Michele Queiroz (PL), de mentirosa. Disse, ainda, que ela deveria “apanhar de chinela”. Por fim, e em uma tentativa de dar tom de brincadeira à agressão, chegou a incentivar a população a confrontar a gestora na rua e agredi-la usando o calçado. “A mulher ainda é vista como frágil. Física e emocionalmente. Tenho certeza que ele não teria dito aquilo se eu fosse um homem”, ressaltou Queiroz em conversa com Universa. Ela fez uma denúncia formal contra Ernandes na Câmara Municipal de Beberibe, mas a casa ainda não se eu fosse um homem”, ressaltou Queiroz em conversa com Universa. Ela fez uma denúncia formal contra Ernandes na Câmara Municipal de Beberibe, mas a casa ainda não se pronunciou.
Outro caso recente também noticiado por Universa ocorreu em março, durante a sessão da Câmara de Vereadores de Sant´Ana do Livramento (RS), município de 80 mil habitantes a 550km de Porto Alegre, foi marcada por um ato de violência política de gênero. Na ocasião, o vereador Enrique Civeira (PDT) disse que o cérebro da prefeita da cidade, Ana Tarouco (DEM), se assemelhava ao “caroço de uma azeitona”. Civeira criticava um pedido de financiamento feito ao banco Banrisul pela prefeitura. A proposta, segundo ele, seria improcedente.
Procurado por Universa na época, o vereador Enrique Civeira disse que sua fala não foi “bem interpretada”. “Fizeram isso para denegrir (sic) a minha imagem. As pessoas não conhecem os benefícios do caroço da azeitona, eu conheço porque a nossa cidade cultiva oliveiras”, disse, em tom de chacota.
A Câmara Municipal da cidade se isentou de investigar e punir o vereador. “Cada um é responsável pelo que diz”, afirmou o órgão à reportagem.
“Fui eleita em uma cidade que não me aceita em um espaço de poder”
Vereadora em Paulista (PE), Flávia Hellen Gomes (PT) foi a primeira mulher negra eleita para estar na Câmara Municipal, que tem 15 cadeiras. Logo que assumiu o mandato, em janeiro de 2021, a vereadora foi alvo de uma tentativa de cassação por membros de outro partido, que acusavam o PT de não ter atingido a cota mínima de gênero nas eleições e, por isso, ela deveria perder o mandato. Após sete meses de processo, a decisão foi de mantê-la no posto sob alegação do Ministério Público de que não havia qualquer prova de fraude. Ela considerou o caso como perseguição política.
“Respondi a esse processo porque sou uma mulher negra, lésbica e fui eleita em uma cidade que não me aceitava em um espaço de poder”, afirmou. Flávia relata que, além do processo de cassação, a atuação dela dentro da Câmara é minada diariamente pelo opositores, que retiram projetos de autoria da vereadora da pauta sem aviso prévio, além de barrarem propostas voltadas para a população LGBTQIA+.
Fonte: Universa