Da última vez que grupo governou país, de 1996 a 2001, mulheres não podiam trabalhar, sair de casa sem cobrir o rosto ou desacompanhadas por parentes homens
No início de julho, enquanto os insurgentes do Talibã tomavam território das forças do governo em todo o Afeganistão, combatentes do grupo entraram nos escritórios do Banco Azizi, na cidade de Kandahar, no sul do país, e ordenaram que nove mulheres que trabalhavam lá deixassem seus cargos.
Os homens armados as escoltaram até suas casas e disseram que não deveriam voltar ao trabalho. Em vez disso, explicaram que parentes do sexo masculino poderiam ocupar seus lugares, segundo três das mulheres envolvidas e o gerente do banco.
“É realmente estranho não poder trabalhar, mas agora é assim”, disse à Reuters Noor Khatera, uma mulher de 43 anos que trabalhava no departamento de contas do banco.
“Aprendi inglês sozinha e até aprendi a operar um computador, mas agora terei que procurar um lugar onde possa trabalhar com mais mulheres por perto.”
Esse caso é um dos primeiros sinais de que alguns dos direitos conquistados pelas mulheres afegãs ao longo dos 20 anos – desde que o movimento militante islâmico linha-dura foi derrubado – podem ser revertidos.
O Talibã retomou continuamente o território do país desde que as tropas dos EUA começaram a se retirar em maio. Neste domingo (15), o grupo islâmico entrou na capital afegã.
Quando o talibã governou o Afeganistão pela última vez, de 1996 a 2001, as meninas não podiam frequentar escolas, mulheres não podiam trabalhar e para sair de casa tinham que cobrir o rosto e estar acompanhadas por um parente do sexo masculino.
As mulheres que infringiam essas regras às vezes sofriam humilhações e espancamentos públicos pela polícia religiosa do grupo sob a interpretação estrita da lei islâmica – a sharia.
Durante conversas até então infrutíferas sobre um acordo político nos últimos anos, os líderes do Talibã garantiram ao Ocidente que as mulheres teriam direitos iguais de acordo com o que foi concedido pelo Islã, incluindo a capacidade de trabalhar e ser educada.
‘O mundo deve nos ajudar’
Dois dias depois do episódio no Banco Azizi, uma cena semelhante aconteceu em uma agência de outro credor afegão, o Banco Milli, na cidade de Herat, de acordo com duas mulheres que trabalhavam nos caixas e testemunharam o episódio.
Três combatentes do Talibã portando armas entraram na sede do banco, advertindo as funcionárias por mostrarem seus rostos em público. As mulheres deixaram a empresa e foram substituídas por parentes do sexo masculino.
O porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, não respondeu a um pedido de comentário sobre os dois incidentes. Porta-vozes dos dois bancos não responderam aos pedidos de comentários.
Sobre a questão mais ampla de se as mulheres teriam permissão para trabalhar em bancos nas áreas controladas pelo grupo, Mujahid acrescentou que nenhuma decisão foi tomada ainda.
“Após o estabelecimento do sistema islâmico, será decidido de acordo com a lei e, se Deus quiser, não haverá problemas”, disse ele.
Os Estados Unidos e outras potências ocidentais temem que o Talibã reverta muitas das liberdades conquistadas pelas mulheres.
Os ganhos obtidos pelas mulheres foram apresentados como uma das maiores conquistas durante os 20 anos em que as forças lideradas pelos EUA permaneceram no Afeganistão, embora tenham sido feitas principalmente em centros urbanos.
Mulheres afegãs que trabalham em áreas como jornalismo, saúde e aplicação da lei foram mortas em uma onda de ataques desde que as negociações de paz começaram no ano passado entre o Talibã e o governo afegão apoiado pelos EUA.
O governo atribui a maioria das mortes ao Talibã, que nega ter realizado assassinatos.
“O Talibã vai regredir a liberdade em todos os níveis e é contra isso que estamos lutando”, disse um porta-voz do governo afegão, antes da tomada de Cabul, neste domingo.
“Mulheres e crianças são as que mais sofrem e nossas forças estão tentando salvar a democracia. O mundo deve nos compreender e nos ajudar”.
Dezenas de mulheres afegãs que frequentaram escolas nas últimas duas décadas recorreram às redes sociais para pedir ajuda e expressar sua frustração.
“Com cada cidade que cai [sob controle do Talibã], corpos humanos colapsam, sonhos colapsam, história e futuro colapsam, arte e cultura colapsam, vida e beleza colapsam, nosso mundo colapsa”, escreveu Rada Akbar no Twitter. “Alguém, por favor, pare com isso.”
Fonte: CNN