A participação das mulheres na luta armada contra a ditadura civil e militar (1964-1985) não se restringiu ao eixo Rio-São Paulo. Goiás também fez parte do mapa da revolução que faltou ao encontro, diz, de Paris, França, com exclusividade ao Diário da Manhã, a historiadora Maria Cláudia Badam Ribeiro. Por Renato Dias De saia, batom e às vezes perucas, elas fizeram treinamento de guerrilha em Cuba e na Coréia do Norte, atuaram em expropriações bancárias, emprestaram a voz para comunicados em rádio e redigiam manifestos carbonários, como o panfleto sobre a execução do presidente do grupo Ultragás, dinamarquês Henning Albert Boilesen, morto em 1971. Ele financiava as torturas. O porão não poupava mulheres em sessões de torturas, informa ao DM. “Muitas sofreram estupros, tiveram os seios destruídos, cabelos arrancados, dentes quebrados, e sofreram contínuas ameaças sobre a sorte de seus filhos. Conhecemos casos de crianças presas e torturadas, que jamais se recuperaram desta violência infame”, relata. Segundo ela, o Molipo, dissidência da Ação Libertadora Nacional, repetiu a mesma estratégia militarista que condenava. José Dirceu estaria escrevendo, hoje, um livro sobre a sua participação nos turbulentos anos 60 e 70 com a sua passagem pelo Molipo, revela a pesquisadora. Leia a Entrevista na íntegra Diário da Manhã – Mulheres participaram da luta armada no Brasil? Maria Cláudia Badan Ribeiro – A ALN era uma organização que funcionava em rede e as mulheres souberam bem atuar desta forma naquela conjuntura. As histórias destas redes, porém, ganharam menor repercussão, do que a “esfuziante loira dos assaltos”, ideia criada, na realidade, pela imprensa da época. Houve mulheres em vários setores da organização, seja em trabalho de base ou junto aos grupos armados. O que posso dizer, pela pesquisa, é que eram pessoas extremamente capacitadas, muito audaciosas e tenazes. Muitas tiveram que romper com a família para estar na militância. Em resumo, a militância foi uma decisão sem volta. DM – Em quais Estados? Maria Cláudia – As mulheres estiveram em todas as frentes de luta. Elas utilizaram todos os espaços de vida para a ação política: a família, amigos, escola, trabalho, seus momentos de lazer. Emprestaram seus talentos e competências na luta contra a ditadura civil-militar compondo tanto a frente armada como o apoio logístico. Embora o eixo Rio-São Paulo tenha se destacado como o local privilegiado de atuação da organização, por dar boa cobertura aos militantes em razão de serem grandes cidades, a ALN esteve presente em muitos outros Estados brasileiros, como Minas Gerais, Goiás, Brasília, Paraná, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará. No interior do Estado de São Paulo ela também atuou como em Marília, Bauru e Ribeirão Preto. Em cada Estado ela operou de forma diferenciada, tentando realizar trabalho de conscientização social, se inserindo no movimento camponês, mesclando-se aos trabalhos das pastorais, utilizando as estruturas que os locais ofereciam para a criação de bases de sustentação, áreas de recuo tático, rotas de saída para seus militantes. Em todos estes locais, sempre havia o trabalho das mulheres. Quem se encarregava da base de Ribeirão Preto (SP) por exemplo, que serviria como recuo tático para a ALN, era Ilda Gomes, viúva de Virgílio Gomes da Silva. Numa região afastada próxima à uma estação ferroviária desativada, se escondiam em um sítio, armas, uniformes, documentos e em uma gruta, se realizavam treinamentos de tiro. Pouco se sabe por exemplo, da relação que foi estabelecida entre a organização e os remanescentes da Guerrilha de Trombas e Formoso. Uma mulher pertencente à Corrente Revolucionária de Minas, já em fase de fusão com a ALN, foi enviada a Goiás para contatar estes militantes. Em Pernambuco, na Zona da Mata, havia um grupo de mulheres que realizavam encontros com os camponeses nas plantações de cana-de -açúcar. Para a polícia local, a primeira inspeção realizada era nas pernas, se encontrassem cortes, era a prova de que estavam envolvidas em “subversão”. No Mato Grosso, algumas mulheres utilizaram seus conhecimentos de enfermagem para se inserir na região e desenvolver trabalho político. Em Santos, Marighella contava com um núcleo de professoras que se reuniam clandestinamente na “cidade vermelha” para discutir com o até então, Agrupamento Comunista de São Paulo, a proposta de luta armada. Entre elas, uma diretora de escola, que anos mais tarde foi presa e fichada pelo Deops (SP). Alguns terrenos próximos de Piracicaba (SP) e Americana (SP) também foram utilizados tanto para treinamentos de tiro, como para que os militantes se exercitassem na condução de veículos. Com o dinheiro dos bancos se pagava ao despachante a Carteira dos novos motoristas da guerrilha. Há que se considerar que pelo fato da ALN ter atuado na clandestinidade e ter tido uma grande ramificação pelo Brasil, sobretudo a partir de apoios e simpatizantes, que não eram ‘tout court’ quadros orgânicos, não temos como dimensionar, o número de pessoas que combateram o regime. Se isso é verdade para os homens, é também realidade para as mulheres. DM – Quais as principais revelações de seu trabalho? (Mestrado e doutorado? Qual instituição de ensino?) Maria Cláudia – Realizei meu mestrado na Unicamp, onde desenvolvi um trabalho sobre a ALN e importância dos livros de Carlos Eugênio Paz para elucidar o que se convencionou chamar de terceiro período da ALN, quando ela continuou atuando no território nacional, depois da morte de seus principais dirigentes, Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Com toda a sorte de dificuldades, a organização ainda recrutava quadros em 1972 em Goiás e Brasília, foi parceira do PCdoB na Guerrilha do Araguaia e seus militantes continuavam em trânsito pela América Latina e Europa na realização de tarefas. A organização continuou atuante por mais três anos. Num contexto cada vez mais desfavorável, a ALN permaneceu por quase um ano sem “quedas”, e com um número de ações bem superior aos seus anos iniciais (me refiro ao período de julho de 1970 a setembro de 1971). Foi em 1971 que foi realizada a ação contra Henning Albert Boilesen, e que a ALN adotou formas inovadoras de ação, como realizar expropriações de frigoríficos e distribuir alimentos e gás nas favelas da cidade de São Paulo. Considerar três anos de atuação naqueles anos, em que a polícia atirava à queima roupa em ponto de ônibus (como no caso do assassinato de Ronaldo Mouth Queiroz), não é algo desprezível… Se o século XX inaugurou a era dos grandes massacres, ele também inaugurou a era do testemunho. A história deste período é portanto, uma história estilhaçada, que depende mais da memória de seus protagonistas do que de documento essencialmente, que traz a marca de quem os produziu, ou seja, os órgãos de segurança. Quanto a este assunto, poderia falar longamente, pois há mais de dez anos pesquiso os arquivos da ditadura. Isso não quer dizer também que o documento seja irrelevante. Mas, há necessidade de se ter uma crítica bem mais fundamentada dele. Esses documentos contam, a meu ver, mais a história da repressão do que a trajetória dos militantes e a história de seus combates. Não digo com isso que a abertura dos arquivos não seja um passo fundamental para a descoberta de nosso passado. Mas, os documentos revelam mais a violência repressiva e arbitrária da ditadura do que a história da esquerda armada. É uma documentação que mostra sobejamente como funcionavam as estratégias de preservação de informações de ambos os lados. Para entender o Estado repressor e seus articuladores, é uma documentação de suma importância, contudo. Muitos processos da Justiça Militar eram completamente montados. Pessoas torturadas eram obrigadas a assinar sua própria condenação e mesmo na fase judicial houve casos de pessoas que foram retiradas da sala do Tribunal para “refrescarem a memória”. A professora Jessie Jane, por exemplo, soube de sua condenação antes de ser levada a julgamento. Muitas ações armadas são atribuídas, nesses documentos, a militantes que jamais as praticaram. E, as loiras dos assaltos, somente existiram enquanto disfarces de morenas, com perucas loiras. Não havia provas das atividades dos militantes, e muitas informações falsas eram também plantadas nos inquéritos. Juridicamente dizendo, o depoimento policial deveria servir apenas como peça instrutória da investigação. Não foi, entretanto isso o que ocorreu. Utilizando as torturas e manipulando documentos, a repressão fez o que quis com esses militantes. Não havia habeas corpus – extinto pelo AI-5 – e a prisão preventiva excedia qualquer prazo legal. Quando existia, pois na maioria dos casos, as pessoas eram presas e nada era comunicado. Em 80 processos da ALN na Justiça Militar, apenas dois juízes consideraram a necessidade de realização de exame de corpo de delito, após denúncias de torturas. As acareações entre presos políticos, ou prisões para averiguação eram realizadas claro, ilegalmente, e de maneira enviesada. Vou citar um exemplo: após o assassinato de Vladimir Herzog, sua viúva foi integrada ao processo e chamada para depor. Seu depoimento foi colhido para saber por que Herzog tinha se suicidado. Atitudes assim tentavam encobrir todos os excessos cometidos, e no caso de Herzog, o seu suicídio forjado pela polícia. Entre discursos arrependidos, ou vitimizadores, como se viu no Brasil, no início dos anos 80 quando mencionar a existência da luta armada no Brasil era algo incômodo? Raros foram aqueles protagonistas, que narraram a luta e o combate de maneira franca, como Carlos Eugênio. O dirigente assumiu responsabilidades e elucidou a interferência de Cuba na luta armada brasileira. Seus livros foram alvo de crítica. Da esquerda, sobretudo. Tentaram censurá-lo, por “falar demais”. Foi visto como figura menor no processo revolucionário brasileiro, e sabemos o porquê: foi o primeiro a defender a luta armada como um das formas de luta legítima no Brasil. Assumir isso, naquele contexto, não se acomodava aos ” novos ventos democráticos”. No doutorado, realizado na USP, me interessei pela participação feminina na ALN, pois chama atenção a quantidade de mulheres que a organização incorporou. Sua estrutura horizontal e a forma de estimular a iniciativa de seus militantes, veio de encontro aos interesses dessas mulheres, que já atuavam politicamente na esfera pública e engrossavam as cadeiras das universidades e do mercado de trabalho. Além do termo “libertação nacional” ser bastante mobilizador, contou muito, para estas mulheres, a figura de Marighella. O dirigente, desde o início de sua militância, defendia a participação política da mulher. Dentro do partido, era comum vê-lo conversando com seus quadros, no intuito de convencê-los de que deviam incorporar suas mulheres ao processo. Um elemento inovador, acho eu, que traz a tese, esta em mostrar como a militância política foi diversificada para estas mulheres. Quando vemos mais de perto esta experiência, observamos que não havia uma distinção muito clara entre vanguarda e retaguarda no movimento armado, e que muitas vezes não faz sentido em se falar só da atuação feminina no Grupo Tático Armado (GTA), quando na realidade, a ALN estimulou e utilizou, de acordo com as necessidades do momento, as competências e talentos individuais de cada uma delas para a execução de variadas tarefas. Claro, que não podemos desprezar a participação destas mulheres no GTAs e nas Equipes de Fogo, lembrando dos nomes de Aurora Maria Nascimento Furtado; Ísis Dias de Oliveira; Ana Maria Nacinovic; Gastone Lucia Beltrão; Eliana Potiguara; Lídia Guerlenda; Maria Amparo Araújo; Maria Aparecida da Costa; Tânia Fayal; Maria Augusta Thomaz; Guiomar Silva Lopes; Ana Burstyn; Linda Tayah; Maria Aparecida Santos; Moema São Thiago. Considera-se muito frenquentemente as mulheres, como vítimas de conflitos políticos, mas raramente como atores que administram o combate e a morte. E isto também deve ser lembrado. A formação de um guerrilheiro/a completo sempre foi também encorajada (cerca de trinta mulheres, por exemplo, foram enviadas a Cuba para realizar treinamento de guerrilhas) e quase todas as mulheres sabiam atirar, ou tiveram um contato mínimo com armas, nem que fosse para defesa pessoal. Muitas dessas mulheres que atuaram na retaguarda são desconhecidas pela Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), e jamais chegaram a ter registro na polícia. Este é um aspecto interessante sobre a sobrevivência destas redes, e sobre as outras formas, que talvez a classe média brasileira da época pode ter encontrado no combate ao regime. As mulheres abrigaram em suas casas cursos de explosivos, rodavam material político para distribuição nas universidades e nas fábricas, realizavam levantamentos, atuavam como pombos-correio no interior das prisões e como portadoras de mensagens aos quadros da organização que estavam atuando no exterior. O panfleto atirado no justiçamento de Boilesen, por exemplo, foi escrito por uma mulher. O setor de inteligência da organização estava entregue também a duas mulheres. Conhecida é a atuação de Zilda Xavier Pereira, responsável por coordenar o trânsito de militantes entre Brasil e Cuba. Sua filha, Yara Xavier Pereira, era locutora da Rádio Libertadora. Ana Maria Nacinovic, por exemplo, além de carregar metralhadora, desenhava para os periódicos da ALN. Tânia Mendes recolhia informações sobre a contribuição de dinheiro das empresas para a Oban. Darci Miyaki fez treinamento militar na Coréia e em Cuba. Antonieta Campos da Paz escondia os malotes de dinheiro retirados das expropriações de banco e abrigava gente perseguida em sua casa no Horto no Rio de Janeiro. Na casa de Nair Breyton realizavam-se os encontros de Marighella com os militantes de São Paulo. A lista dos 15 banidos que saíram em troca do sequestro do embaixador americano foi confeccionada ali. Presa, a casa entrou para os jornais como a “Casa do Terror”. DM – Quantas mulheres teriam resistido com armas nas mãos à escalada autoritária no País? Maria Cláudia – Impossível saber, a se considerar equipes de fogo, apoios, simpatizantes e área próxima. Pelo que pude apurar nos processos da Justiça Militar, encontrei um número de 172 mulheres julgadas e mais 89 suspeitas, com ou sem prisão preventiva decretada. Sem contar as mulheres que cuidavam, junto de seus maridos, das propriedades compradas no campo pela ALN, com escritura legal de terra. Desconhecemos seus nomes. Aliás, nos documentos da repressão, encontram-se muitos contratos de compra de terra anexados aos processos em locais como Vitória de Santo Antão (PE) e São Félix do Araguaia (MT). As tarefas na ALN nunca foram distribuídas em função de sexo, mas em função das capacidades de seus militantes e claro, de sua disposição. Chego a concluir que a ALN foi uma organização que tratou de maneira igualitária homens e mulheres. DM – Elas participavam de ousadas ações armadas? Maria Cláudia – Claro que sim, de dezenas de ações, como participantes e como comandantes. Exemplos, Ana Maria Nacinovic e Guiomar Silva Lopes. A ousadia deveria ser muito grande para enfrentar uma força militar superior num contexto desfavorável politicamente, quando as massas foram ganhas pelo Milagre Econômico Brasileiro. A ditadura instituiu a Pena de Morte no Brasil e fotografava os militantes na rua. Para a minha surpresa, encontrei algumas destas fotos no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Deparei-me também com relatórios de informantes bem no estilo da STASI alemã, monitorando o movimento de pessoas na rua. As mulheres não costumavam assumir as ações armadas que praticavam, nem para o encarregado do inquérito, como é obvio, e mantinham sigilo até de seus próprios advogados. Quando não havia flagrante, a ideia era assumir as ações de menor implicação, como roubo de perucas, e pequenas expropriações em supermercados, do que ser autora de um sequestro de avião, da captura de um embaixador estrangeiro, de um ministro ou de um funcionário de governo. Mas nem por isso, estas mulheres deixaram de defender sua posição revolucionária. DM – Qual a organização política que mais integrou mulheres aos seus quadros? Maria Cláudia – Pela projeção nacional que teve a ALN e devido sua presença em muitos Estados brasileiros, sobretudo no meio estudantil-universitário, acredito que ela foi a organização que mais incorporou mulheres, atraídas, principalmente pela sua proposta de “libertação nacional”. A ALN não defendia, por exemplo, a ditadura do proletariado. DM – O que a senhora sabe, por exemplo, do Molipo, dissidência da ALN? Maria Cláudia – Sei que divergências quanto aos encaminhamentos da ALN explodiram em Cuba, quando o Grupo Primavera, ainda realizava treinamento guerrilheiro na ilha. Militantes paulistas, em sua maioria, saídos da Dissidência Estudantil, estavam em desacordo com a “linha militarista” que a ALN vinha tomando no Brasil, e resolveram criar um outro grupo. Acredito que houve uma interferência cubana nefasta para ALN, para além de seu problemas internos. As discordâncias ja eram sentidas quando Toledo, Joaquim Câmara Ferreira, esteve em Cuba, na ocasião do assassinato de Carlos Marighella, para preparar a volta do Segundo Exército ao Brasil. A volta de 28 militantes ao Brasil, apoiados nos esquemas de segurança cubanos, selaram uma grande tragédia para a organização. Dos 28 militantes, 18 foram assassinados. E a proposta de recuo da luta armada, defendida pelo Molipo, também não foi colocada em prática. No Brasil, os militantes continuaram a realizar ações armadas, e não conseguiram ter maior penetração nas massas e sair do círculo vicioso, que criticavam em Cuba. Publicavam o periódico Imprensa Popular, e tentaram ganhar apoios junto aos movimentos estudantil e universitário em São Paulo e Goiás, por exemplo. Sobre as questões mais delicadas, como a relação entre os cubanos e a ALN, não sou a pessoa mais indicada para dizer alguma coisa. Soube que José Dirceu está escrevendo um livro, onde reconstitui a história do grupo de São Paulo. A ALN não foi a primeira organização também a sofrer cisões ou dissidências na luta armada. Essas divisões foram o resultado do início de uma autocrítica quanto aos rumos da luta armada no Brasil, que também originaram a Tendência Leninista (TL) no Chile e tantos outros grupos no exterior, em momentos posteriores no exílio. O Grupo Debate, conduzido pelo professor João Quartim de Moraes, surgiu com essa marca. Marighella dizia que a revolução cubana deveria servir como mola inspiradora para a revolução na América Latina, mas insistia que cada povo deveria fazer a sua. DM – O que a senhora sabe sobre a militância, morte e desaparecimento do corpo de Maria Augusta Thomaz? Maria Cláudia – Sobre sua militância, soube a partir de depoimentos de quem conviveu com ela, como Guiomar Silva Lopes, e Renato Martinelli. Sobre seu assassinato, sei o que saiu na imprensa da época, nas reportagens de Antônio Carlos Fon. Infelizmente ,não encontrei o seu processo em Campinas, no Arquivo Edgard Leuenroth. Não sei se ele existe, se está em Brasília ou se foi subtraído por algum militar na tentativa de esconder provas e indícios de sua morte. DM – Elas participavam dos quadros das direções de sua organizações políticas e militares? Maria Cláudia – Sim. DM – Quem, por exemplo? Maria Cláudia – Temos o exemplo de Zilda Xavier Pereira que foi da Direção Nacional da ALN, de Antonieta Campos da Paz, sua Dirigente Regional, de Maria de Lourdes Rego Mello, da Direção do Trabalho Estratégico no campo, de Maria Cerqueira, da Direção Regional do Rio de Janeiro, de Ana Maria Nacinovic, da Direçao Regional de São Paulo. DM – Qual o papel de Dilma Rousseff no Colina e depois na VAR-Palmares? Maria Cláudia – Dilma Rousseff fazia parte do Núcleo de Lutas Populares da VAR-Palmares e tinha inserção no movimento operário da época em Minas Gerais. Salvo engano, ela era responsável junto a outros colegas de militância na Polop, pela distribuição do jornal O Piquete. O que sei dela são histórias que escutei de militantes da ALN, que conviveram com ela na prisão. Pelo menos seis de minhas entrevistadas tiveram contato com a presidenta. Nem todas de forma permanente, mas havia muito compartilhamento e solidariedade. Imagino também, que pelo fato dos pais de Dilma serem provenientes de outro Estado, estreitar os laços e fazer amizades mais sólidas fazia tão bem à saúde psíquica, como às carências afetivas e aos momentos de melancolia e desânimo (a grande maioria dessas mulheres havia passado por torturas). Ana Maria Ramos Estevão dividiu cela com Dilma, assim como outras mulheres como Guiomar Silva Lopes, Robêni Baptista da Costa, Diva Burnier, Nair Benedicto e Rose Nogueira mantiveram contato com ela. Suas colegas de cela, sempre destacaram seu lado bem-humorado e solidário no interior do Presídio Tiradentes, ao contrário da imagem muito sisuda que as câmeras da oposição querem sempre lhe atribuir. Embora não tenha me dedicado a pesquisar a VAR-Palmares, organização da Dilma Rousseff , ela era uma das dirigentes. Minha tese sobre as mulheres da luta armada na ALN foi elaborada durante sua campanha e defendida já no seu governo. Não só realizei pesquisa sobre essas mulheres, mas ajudei também, com meu voto, a eleger Dilma Rousseff. Dilma simboliza e sintetiza a história de todas essas mulheres guerreiras. DM – Mulheres foram objetos de tortura? Maria Cláudia – Raros eram os casos de pessoas presas que não foram torturadas. Era uma política de Estado colocada em prática na obtenção de informação. A tortura foi usada para “quebrar” o militante. Muitas vezes a polícia já possuía a informação antes do interrogatório. Fazia parte da política de desmoralização da resistência. DM – Quais tipos de tortura eram mais comuns? Maria Cláudia – A tortura não poupou mulheres, claro. Muitas sofreram estupros, tiveram os seios destruídos, cabelos arrancados, dentes quebrados, e sofreram contínuas ameaças sobre a sorte de seus filhos. Conhecemos casos de crianças presas e torturadas, que jamais se recuperaram desta violência infame. Já é conhecida a frase de um torturador a uma mulher: “Agora, sua puta, você vai parir eletricidade!” E de outro que, dizia a uma militante de Brasília: “Vou colocar seu bebê numa bacia com gelo e vou deixá-lo até virar sorvete. Depois, vou quebrar um por um os seus ossinhos. Esse vai ser seu castigo, para que nunca se esqueça do que fez em seu passado.” |
Fonte: Rede Democrática
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