Pressionada em diferentes momentos pela classe política, principalmente pelo Centrão para liberação de verbas, a gestão da ministra da Saúde, Nísia Trindade, enfrenta nas últimas semanas uma ofensiva sindical e de setores do PT do Rio por causa de uma portaria sobre os hospitais federais do estado. As unidades, que o partido influencia por meio de indicações para cargos de comando, tiveram funções transferidas para o Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), que passará a centralizar compras, por exemplo.
Desde a publicação do texto, em 23 de fevereiro, a reação se deu em diferentes níveis. Houve nota da setorial de Saúde do PT contra a medida, movimento político em Brasília para manifestar insatisfação à ministra e protesto do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social do Rio (Sindsprev-RJ) na sede do DGH. Com a pressão, Nísia adiou a implementação das mudanças, antes previstas para esta quarta-feira. Elas entrarão em vigor agora em 8 de abril, segundo retificação publicada no Diário Oficial.
O episódio é mais um na lista de embates. Partidos do Centrão, por exemplo, reclamam com frequência do suposto bloqueio de emendas por parte da pasta, que afirma usar critérios técnicos para a liberação do dinheiro. Na reforma ministerial do ano passado, o grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a negociar o comando da pasta, o que foi rechaçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No caso mais recente, líderes de diversos partidos assinaram um requerimento de informações no qual perguntavam, por exemplo, os limites para os desembolsos de emendas parlamentares e para as transferências de recursos, que são feitas pelo próprio ministério.
Aliados de Lira afirmam que ele considerou “insuficientes” as respostas da pasta sobre os critérios para o pagamento de emendas. Ao enviar à Casa informações relacionadas ao Fundo Nacional da Saúde, a pasta afirmou que utiliza critérios técnicos para os repasses. Entretanto, não houve detalhamento de cada uma das portarias utilizadas para a distribuição dos recursos da Saúde, como Lira solicitou.
Uma equipe de técnicos, segundo interlocutores de Lira, começou a analisar cada uma das portarias, e há a possibilidade de que novos questionamentos sejam enviados a Nísia.
No caso dos hospitais federais do Rio, aliados da ministra viram na reação as digitais do deputado federal Dimas Gadelha, pré-candidato do PT à prefeitura de São Gonçalo, e do diretório fluminense de maneira geral. Entre os petistas, Gadelha é o que tem maior influência na rede federal. Atual diretor-geral do DGH, Alexandre Telles foi avalizado pelo parlamentar e pelo partido antes de assumir o cargo, mas hoje é visto por eles como alguém avesso ao diálogo.
Ao GLOBO, o deputado diz que é aliado de Nísia e que critica apenas a forma como as coisas estão sendo feitas pelo DGH:
— Sou da base da Nísia e defendo a portaria se ela for feita com debate, ouvindo a ponta. Sou contra a forma como tem sido implementada, sem diálogo. Precisa ter conversa e dar tempo para a implementação.
Na prática, entre outras alterações, a portaria faz com que a direção de cada unidade hospitalar perca o poder de efetuar todas as compras por conta própria. O DGH passa a realizar as aquisições de forma unificada, no atacado, o que proporciona descontos. Segundo interlocutores de Nísia, o novo modelo está em alinhamento com a nova Lei de Licitações, aprovada em 2021, ao promover uma melhor governança. Historicamente, os hospitais federais do Rio são alvo de denúncias de corrupção.
Pasta fala em gestão mais eficiente
Em nota, o ministério diz que busca “uma gestão mais eficiente dos hospitais federais” e que a portaria faz parte dessa meta. “A medida garante que o DGH, por meio de estruturas jurídicas e regimentais adequadas, possa conduzir a gestão dos hospitais federais, unindo forças com servidores lotados nas unidades e com maior harmonia institucional”, diz trecho do documento.
Ainda de acordo com a pasta, a portaria estabelece a gestão centralizada para aquisição de insumos hospitalares e contratação de obras, “que assegura o aumento do poder de negociação devido ao crescimento de escala das necessidades; além da diminuição do gasto com material e mais agilidade nos processos.”
O PT, por sua vez, alegou após a publicação que foi surpreendido. “Recebi com imensa surpresa e decepção a carta dos Renomados Diretores dos Hospitais Federais do RJ sobre a publicação de uma portaria modificando a estrutura dos HFs (hospitais federais) e DGH que os desqualifica e desautoriza sobre suas gestões”, diz trecho de um texto distribuído em grupos de WhatsApp pela coordenadora estadual da setorial de Saúde, Fernanda Spitz.
Questionada pelo GLOBO, Spitz afirma que escreveu a nota após receber reclamações de cinco dos seis diretores das unidades federais do estado. E, assim como Dimas Gadelha, pontua que a oposição é aos métodos da gestão, não à ministra.
— Apoiamos muito o governo e a companheira Nísia. Porém, a portaria desorganiza os hospitais sem nenhum estudo de risco, sem nada. A própria Nísia não sabia que tinha tudo sido feito dessa forma.
Cobranças
Ligado aos petistas, o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social do Rio (Sindsprev-RJ) se reuniu na semana passada com o ministro das Relações Institucionais da Presidência, Alexandre Padilha, para pressionar contra a portaria. Na legenda de uma foto ao lado do ministro, uma dirigente sindical disse que pediu a intervenção dele. “Repudiamos a Portaria que promove o esvaziamento da Gestão Hospitalar e o seu método de implementação pela Gestão de Alexandre Telles”, escreveu.
Em janeiro, o deputado federal e vice-presidente nacional do PT Washington Quaquá chegou a classificar Nísia como “inoperante e frágil” e disse que ela não tem “o tamanho que o governo Lula precisa”.
Desde o início do governo, Nísia tem sido alvo de cobranças, sobretudo do Centrão, por causa do pagamento de emendas. Ainda em meados do ano passado, Arthur Lira se reuniu com a ministra, no momento em que tentava obter o controle da pasta, para conversar sobre as reclamações dos deputados. Entre elas, a dificuldade na liberação de emendas e a suposta falta de interlocução do ministério com o Legislativo.
Outro momento em que Nísia foi cobrada, mas de forma indireta, envolveu Padilha, a quem cabe a articulação política do governo. Em visita à Câmara, o ministro foi cercado por deputados federais do PSD do Rio que pediam nomeações na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a liberação de recursos para o estado que já estavam autorizados, mas não tinham sido desembolsados.
Na última semana de fevereiro deste ano, o ministério também virou notícia ao publicar uma nota técnica —suspensa horas depois—, mudando o prazo fixado pelo governo Bolsonaro para a realização de aborto nos casos previstos em lei. Com a medida, a gestão Lula entrou no alvo de setores conservadores, que passaram a espalhar de forma deturpada o teor do texto.
Os desgastes da ministra desde o início do governo:
- Compras unificadas: A partir de abril as unidades hospitalares não terão mais o poder de efetuar compras, que serão centralizadas em um departamento. A medida desagradou o PT-RJ e provocou protesto do Sindsprev-RJ.
- Hospitais federais: A gestão dos hospitais federais já havia sido fonte de atrito no mês passado. Petistas do Rio reclamam de lentidão para a reabertura de leitos, enquanto entidades sindicais apontam sucateamento.
- Nota sobre aborto: A publicação no início do mês, e a suspensão horas depois, de uma nota técnica do Ministério da Saúde que mudava o prazo para a realização de abortos já previstos em lei foi explorada pela oposição, que a classificou como “agenda da morte”.
- Liberação de recursos: O ritmo de liberação de emendas parlamentares da Saúde, considerado lento pelo Congresso, é foco de reclamação no Legislativo. O ministério alega que as propostas apresentadas por estados e municípios passam por análise técnica.
- Travas em nova portaria: O ministério entrou na mira novamente ao editar em dezembro uma portaria que, na visão de parlamentares, dificultou o repasse de verbas apadrinhadas por eles.
- Pressão pelo cargo: Em meados de 2023, o Centrão pressionou para ampliar seu espaço na Esplanada e tentou derrubar Nísia Trindade. Na época, a ministra recebeu apoio público do presidente Lula.
Fonte: O Globo