Vice-presidente do Tribunal Constitucional da Espanha, a magistrada, do País Basco, esteve no Rio para participar de um seminário sobre violência de gênero
“Nasci em Bilbao há 67 anos e construí carreira, na área acadêmica, na Universidade do País Basco. Desde 2011, atuo como juíza. Tornei-me especialista em Direito Penal e sempre tive grande interesse na violência de gênero. Creio que a lei não é só um instrumento de castigo” Conte algo que não sei. No Brasil do século XVIII houve diversos processos contra padres denunciados por mulheres. Elas diziam que, quando iam se confessar, eram abordadas sexualmente. O dado surgiu em uma investigação sobre a atuação da Inquisição numa perspectiva de gênero. O curioso é que a primeira coisa que se fazia nesses casos era avaliar a credibilidade da mulher que fazia a denúncia. Isso não mudou muito… e qual era o resultado? De 400 casos, muitos prosperaram. Houve sacerdotes perseguidos pela Inquisição porque aproveitavam a confissão para obter favores sexuais de indígenas no Brasil e no México. No Brasil, o feminicídio (homicídio por ser mulher) é considerado crime hediondo. O que se fez aqui foi dar um nome específico ao que claramente é um assassinato. Só isso não resolve. As leis não solucionam. O que a lei pode fazer é passar a mensagem que dá uma perspectiva concreta do que é matar mulheres que não se submetem, resistem. Mas não é um avanço? Tem um efeito comunicativo, simbólico. Quando não denominamos, o crime fica oculto. Mas a raiz está na cultura machista, que vem de séculos. Porém, mesmo tendo a consciência, a solução virá muito lentamente. Como é a lei na Espanha? É semelhante à conhecida aqui no Brasil como Lei Maria da Penha, cuja inspiração veio, em boa parte, da Espanha. A grande inovação foi que se determinou o maltrato pequeno, a coação, a vontade de impor. É uma luta por dignidade, um tema que nós, mulheres, temos que aprender para transmitir às nossas filhas. Por que provar a violência de gênero é tão difícil? Muitas vezes, por falha do próprio médico, que, ao ver uma ferida típica de agressão não a reconhece como tal. Há também o clássico caso da própria mulher que retira a denúncia porque não quer ver o companheiro no cárcere. E ela fica malvista? Sim. Mas, quando retira a queixa também: é tratada como histérica, desequilibrada. É preciso ter sensibilidade nessa análise. Por isso, é vital respeitar sempre a vontade da mulher. O simples Direito Penal é torpe para tratar desse tema. Nos casos de maus tratos habituais, há que ser mais flexível. Como assim, mais flexível? Dar oportunidade para que a mulher denuncie sem que, necessariamente, isso signifique colocar o agressor na prisão. O importante é a mulher saber que pode confiar na Justiça. A vítima não quer, necessariamente, uma justiça justiceira, de 4 anos, 20 anos de prisão. Quer que cesse o problema, que alguém diga ao marido que não ele pode tratá-la assim. Com firmeza e sensibilidade. Você tem uma formação ampla. Por que se interessou pela violência de gênero? Tenho mais de três décadas como professora, e me dei conta de que estávamos interpretando a lei de uma forma insuficiente. Para prevenir é preciso dar informações, e nós mesmas temos que nos informar. Interesso-me pelo Direito como instrumento que traz um diagnóstico de como está a sociedade, não como um mecanismo cego. E, como mulher, tenho mais chance de entender as coisas, estou mais comprometida. Ao mergulhar nas raízes, descobre-se uma realidade oculta, apaixonante como qualquer outra. Ruben Berta |
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Fonte: O Globo
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