Para a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), a revolução é baseada na força das populações mais vulneráveis e na necessidade perene de combater as desigualdades. Mulheres são maioria da população e chefiam quase metade das famílias no país, mas a desigualdade econômica continua a afetar mais elas. O que em última instância culmina nos inúmeros casos de feminicídio.
“A revolução é a transformação profunda. É mais que a tomada de poder da insurreição. Ela tem um prazo mais longo para que as transformações reais da sociedade se deem. Portanto, acho que a revolução do século 21 é feminina, negra, indígena.”
Lídice da Mata
Para a socialista, ao citar a obra “A Revolução Brasileira”, de Caio Prado Junior, ela afirma que a revolução é baseada na força das populações maiores vulnerabilizadas do nosso país. “Ela se sustenta na luta dos trabalhadores por condições de vida melhor, como foi no século 20, mas, principalmente, se atualiza na necessidade profunda de combater as desigualdades”, observa.
Lídice participou do nono debate da série “Revolução Brasileira no Século 21”, que discutiu a emergência da questão feminina, nesta quarta-feira (2). A série é promovida pelo Instituto Pensar, o Socialismo Criativo e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Participaram do evento o membro do Diretório Nacional do PSB, Domingos Leonelli; e a integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB), Juliene Silva. A mediação foi feita por James Lewis.
Feminismo x relações de trabalho
A maioria da população é negra e é mulher, e as relações de trabalho não refletem isso, analisa Lídice. A revolução socialista deve trabalhar para mudar essa realidade.
“A nossa luta no Brasil, do ponto de vista do trabalho, é pela equidade de direitos. E para isso, precisamos de mudanças em todas as relações sociais no país. Mudanças nas políticas públicas para que elas possam sair da divisão social do trabalho perversa onde é colocada às mulheres toda a responsabilidade da política de cuidados – das crianças, idosos, doentes.”
Lídice da Mata
Para isso, a socialista defende políticas que promovam para as mulheres condições iguais de acesso ao mundo do trabalho. As creches, por exemplo, são essenciais, pois ampliam as possibilidades de acesso ao estudo e ao mercado de trabalho.
Mais que cotas, mulheres querem equidade
“Nós já superamos a discussão das cotas e da participação de 30% (nas candidaturas). A nossa bandeira agora é a paridade do poder”, enfatiza Lídice. A socialista lembra que o Brasil continua atrasado em relação a outros países, incluindo vizinhos como Chile, que elegeu mulheres para ocupar mais da metade das cadeiras do Parlamento.
Isso só aconteceu, porém, com mudanças na legislação chilena, que duplicou a participação do fundo eleitoral para cada mulher eleita. “O Brasil é extremamente atrasado no mundo e na América Latina. Estamos há 25 anos lutando numa política de cotas e nós só conseguimos até hoje chegar a 15% da participação das mulheres na política brasileira”, observa.
Lídice descarta o argumento recorrente utilizado para justificar a reduzida participação feminina na política, que joga a responsabilidade nos ombros das próprias mulheres. “As mulheres têm pouco voto e, por isso, não querem participar, dizem. Mas os homens também têm poucos votos, mas eles são 70% e isso faz toda a diferença”, pontua.
Ocupar as estruturas de poder
Juliene Silva defende que ao se falar do processo revolucionário, é preciso discutir o rompimento das estruturas de poder, que não foram criadas para serem ocupadas igualitariamente.
“As estruturas de poder foram criadas para pessoas que não somos nós, mulheres, quem dirá mulheres negras. Por conta disso, quando a gente fala de processo revolucionário, ele deve ser feminista, negro e socialista, que de fato rompe com essas estruturas ao colocar ali pessoas que não foram direcionadas a ela.” Juliene Silva
Desserviço da família Bolsonaro e cia
Lídice acredita que apenas uma mudança de cultura será capaz de mudar a realidade do país. Isso não é possível sem o apoio do Estado.
“Por isso, é tão ruim a visão que esse governante genocida (Jair Bolsonaro) do país tem, de estimulo a virilidade tóxica de agressão às mulheres. Quando isso acontece no Parlamento e essas pessoas não são punidas, a mensagem para a sociedade é que essa violência é possível.”
Lídice da Mata
A parlamentar relembrou episódios recentes ocorridos no Congresso que dão a dimensão do retrocesso a que o país foi submetido sob o comando de Bolsonaro.
Em abril, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou um vídeo em que o deputado Éder Mauro (PSD-PA) discutia com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), dizendo que ela precisava de “um médico”, pois “não para de falar”.
Senadora socialista também foi alvo da misoginia
Em maio, foi a vez da senadora Leila Barros (PSB-DF). Em um ato desrespeitoso, o senador Marcos Rogério (DEM-PR) tentou cercear o direito de fala da senadora durante a reunião da CPI da Pandemia. Logo após ser interrompida pela primeira vez a senadora tentou reaver o direito à palavra, mas foi novamente atropelada pelo democrata de quem ouviu, em tom de irônico, a frase “calma, não precisa ficar nervosa”.
Feminismo pressupõe obrigações iguais
A deputada lembrou que em diversos países, especialmente, os nórdicos, há a opção de os homens dividirem o período de licença-maternidade com as mulheres, que algumas vezes ultrapassa um ano. Porém, sem a obrigatoriedade do homem se ausentar do mercado em prol da divisão de tarefas na criação dos filhos, a obrigação acaba recaindo mais sobre as mulheres.
“A sociedade e humanidade para se manter precisa da mulher e da sua permanente reprodução e não pode ser só a mulher a responsável por todos os ônus que são indispensáveis a que os filhos dos humanos alcancem autonomia”, sentencia.
Igualdade é condição estrutural do socialismo
O socialismo, afirma Domingos Leonelli, sempre reconheceu a necessidade de igualdade, inclusive entre homens e mulheres.
“O próprio Karl Marx reconheceu que o primeiro nível de opressão foi do homem contra a mulher. Esse elemento feminino sempre esteve presente na luta socialista e sempre estará. Tenho a impressão que hoje essa igualdade não será apenas uma reivindicação socialista, como terá a participação efetiva da paridade de condições entre homens e mulheres.”
Domingos Leonelli
“A luta feminista não pode ser apenas das mulheres, assim como a luta antirracista não pode ser apenas dos negros, mas de todos nós, com o sentido principal que é a igualdade”, defende Leonelli, referindo-se ao socialismo criativo defendido pelo PSB em sua Autorreforma.
Ataques da rede de ódio
Durante a transmissão do debate, a rede de ódio bolsonarista apareceu e tentou atrapalhar as discussões – sem sucesso. Para James Lewis, mediador da live, não foi coincidência.
“Não é à toa que a gente sofre ataques como o que estamos sofrendo nesse momento dos bolsominions e das redes de ódio. Não me parece que seja aleatório, no nono programa, quando se discute justamente a questão feminina, que a rede de ódio tenta interferir no nosso debate”, observa.
Emergência feminina na Autorreforma
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirma que a questão feminina é fundamental dentro da proposta de socialismo criativo, defendida pelo partido. Ele gravou uma mensagem enviada aos participantes da live
“É fundamental e está na nossa Autorreforma, que pretende ampliar a participação feminina em todas as instâncias – municipal, estadual e nacional. E reforçar os segmentos que defendem o fim do preconceito de qualquer natureza, não só contra a mulher, mas contra negros, homossexuais e qualquer tipo de preconceito que precisa ser varrido não só do país, mas do planeta.”
Carlos Siqueira
Ciclo de debates sobre a Revolução Brasileira
Já participaram do ciclo de debates o governador do Maranhão, Flavio Dino, o ex-presidente da Fundação Palmares e mestre em cultura e sociedade, Zulu Araújo, o deputado constituinte Hermes Zaneti, os economistas Marco Antonio Cavalieri e Luiz Gonzaga Belluzo, o geógrafo Elias Jabbour, o professor José Luiz Borges Horta, o socialista e ex-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), Jonas Donizette.
Fonte: Socialismo Criativo