Elas chefiam 46,5% dos domicílios, e 1/5 delas ganha menos de um salário mínimo RIO – Guerreira. Esse é o adjetivo mais que perfeito para definir Marli Celia Pereira, de 56 anos, que, com sua máquina de costura e uma pequena birosca improvisada sustenta cinco (dos 16) netos e um filho (de um total de seis), de 31 anos, que está desempregado. Com a costura, ofício ensinado por sua mãe, ela tira uns R$ 150 por mês. Entram mais uns R$ 350 com as vendas na birosca, uma janela de sua casa, onde serve bebidas, salgadinhos e doces ao som de DVDs de forró. Os dois galinheiros garantem mais alguns trocados, além de ovos para a família. A renda aumenta um pouco com a pensão dos pais dos três netos menores que moram com a dona de casa. A vida da chefe de família Marli não tem sido nada fácil. E, assim como a dela, também é difícil a vida de cerca de um quinto das cariocas que são as provedoras em suas casas no Rio. Na segunda reportagem da série Retratos Cariocas, O GLOBO traz algumas das conclusões a que chegaram os técnicos do Instituto Pereira Passos (IPP) sobre demografia e migração na cidade depois de estudar os dados dos Censos de 2000 e 2010. O trabalho, que estará disponível na íntegra no Armazém de Dados, site da instituição, mostra que as mulheres que moram no Rio estão mais à frente do lar do que em outros lugares. Na média brasileira, elas são chefes do domicílio em 38,7% das residências. No Rio de Janeiro, as mulheres são 46,5% dos 2,14 milhões de chefes de família; mais que em São Paulo (44,1%), Vitória (43,9%) ou Belo Horizonte (43,6%). Olhando de outra maneira para o mesmo dado, 29,7% dos 3,3 milhões de mulheres do Rio são chefes do domicílio. E 21,1% dessas declararam no último censo não ter renda ou ganhar até um salário mínimo. — O Rio, mais uma vez, é vanguarda — expõe José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), do IBGE, ao analisar o percentual de mulheres que são chefes de domicílio na cidade. — Comparando com o passado, esse percentual hoje é alto. É um dado novo. Boa parte dessas mulheres é sozinha. No caso das mais pobres, os homens as abandonam, deixando-as com a responsabilidade da casa. “Avó se torna figura central” Análise semelhante à da socióloga Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva da ONG Cepia: — Hoje a mulher tem se tornado chefe de família com mais frequência. O que acontece aqui? A mulher incorpora os filhos de um casamento; os homens, não. Com isso, a figura da avó se torna central na família — diz Jacqueline, que ainda chama a atenção para um problema comum a essas mulheres. — Aqui temos um agravante, a mulher ganha menos. E não há investimentos em serviços públicos de qualidade que possam ampará-la. O exemplo de Marli ilustra o que diz a socióloga. Em outubro do ano passado, sua filha mais velha, Jane Paula Lopes Pereira, morreu de Aids aos 34 anos nos braços da mãe. Um de seus netos contraiu HIV durante a amamentação e requer cuidados especiais. — Ele estava com 2 anos quando vimos que tinha problemas de audição. Foi nessa época que descobrimos que ele e a mãe eram portadores de HIV. Por causa da surdez, ele tem dificuldade para aprender. Uma professora o chamou de burro, e ele disse que não iria mais à escola. Isso foi em 2010. Este ano, consegui uma vaga no Peja (Programa de Educação de Jovens), e ele já sabe escrever o próprio nome. Ainda não sabe ler nem escrever, mas já consegue copiar — conta Marli, com entusiasmo. O secretário chefe da Casa Civil da prefeitura do Rio, Pedro Paulo Carvalho, lembra que o objetivo do IPP ao estudar os números do IBGE é justamente avaliar o que tem sido feito nas diversas áreas da cidade e conceber ações mais eficazes. — Quando você estratifica os dados dos censos, consegue conceber políticas públicas de modo mais efetivo. Como demorou quase dois anos, conseguimos fazer com uma certa defasagem uma fotografia de cada área da cidade em 2010, primeiro ano do governo de Eduardo Paes. Mas (isso) mostra que temos acertado nas políticas da prefeitura e evidencia os outros desafios que precisaremos enfrentar. O estudo mostra, ainda, que a cidade vem passando por um processo veloz de mudanças na sua composição demográfica, com a queda nos nascimentos e o consequente envelhecimento da população. Enquanto, no Brasil, as mulheres superam numericamente os homens numa relação de 51% a 49%, no Rio elas já são 53,2%. Em algumas regiões, como a Zona Sul e a Tijuca, o percentual de mulheres chega a 55,9%. As mulheres são maioria em todas as Regiões de Planejamento (RP) da cidade. Entretanto, sua presença é maior, proporcionalmente, nas RPs de maior renda (onde se dão também as maiores taxas de idosos), tais como as da Zona Sul e da Tijuca. Segundo os técnicos do IPP, alguns fatores podem esclarecer o fenômeno. Sobretudo, a questão etária: as mulheres vivem mais do que os homens, independentemente da faixa de renda a que pertençam. |
Fonte: O Globo
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