Acesse no site de origem: Mídia Ninja
“É preciso mudar a estética na política”. Conforme a deputada estadual Cida Ramos, as políticas de acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência devem partir do pressuposto de que “o limite de cada ser humano é determinado pelas oportunidades e possibilidades que lhe são disponibilizadas”. Com esta visão se compreende como cada vez mais pessoas com deficiência têm saído da invisibilidade e ganhando algum destaque nos espaços sociais.
Desde que conquistou o cargo na Assembleia Legislativa da Paraíba, o mandato de Cida tem se ligado diretamente a esta causa, conectando ela a pautas sociais dos mais diversos setores, incluindo o combate à atual proposta de Reforma da Previdência em trâmite no Congresso Nacional até o uso cada vez mais irrestrito de agrotóxicos em nossa alimentação. Filiada ao PSB, ela é hoje a deputada estadual mais votada da história da Paraíba, eleita nas estaduais de 2018 com 56.048 votos. Já havia conquistado 125.148 votos em João Pessoa quando disputou a vaga na prefeitura, ficando em segundo lugar. É portanto, uma das mulheres mais influentes na política paraibana dos últimos tempos.
Esta conquista poderia se comparar ao de tantas mulheres que vem galgando espaços na política institucional ainda contaminada pelo autoritarismo de maioria branca e masculina, se não fosse por uma dificuldade a mais. Moradora de Sapé, no interior paraibano, Cida teve paralisia infantil aos três anos de idade. Com a deficiência, muda-se para João Pessoa para estudar. Conquista a presidência do DCE enquanto estudante e do sindicato de docentes (Adufpb) enquanto professora.
À Mídia NINJA, Cida conversa um pouco sobre os preconceitos que têm sofrido em nova fase política, dessa vez na Assembleia Legislativa da Paraíba. Ela fala ainda sobre políticas de acessibilidade, inclusão e mercado de trabalho. Confira:
Você é uma deputada que tem levado ao parlamento estadual o enfrentamento contra a pauta antipovo que vemos no governo federal. Por conta disso, imaginamos que haja uma forte oposição a seu mandato e chegam alguns relatos à Mídia NINJA de que essa oposição se agarra à sua deficiência para te atacar. Como isso tem acontecido? É um ataque explícito ou velado?
O ataque é explícito! Infelizmente o parlamento no Brasil é um espaço restrito às mulheres, negros, pessoas com deficiência ou qualquer representatividade das minorias. Sou mulher, professora e pessoa com deficiência, fui eleita com mensagens muito claras de defesa e ampliação dos direitos sociais e das políticas públicas. Venho das lutas sociais e com tristeza e perplexidade presencio este momento difícil da vida política do país, onde as relações sociais estão repletas de preconceito, intransigência e desrespeito às diferenças. Nosso mandato tem um posicionamento firme e claro, não se intimidando com quem defende a barbárie como alternativa para o país.
Sou uma mulher com deficiência que desde muito cedo aprendeu a arrombar portas para conquistar meu espaço na vida social. Mesmo sendo duramente atacada, principalmente por meio das redes sociais, através de atos discriminatórios e preconceituosos, não fujo da luta e da minha responsabilidade em defender direitos arduamente conquistados. O mandato tem uma mensagem muito própria: possui uma grande interlocução com a sociedade e centraliza-se na luta pela ampliação dos direitos.
Ultimamente nós temos conhecido muitas pessoas com deficiência saindo da invisibilidade e começando a conquistar outros espaços de atuação política ou que antes eram bastante restritos. Você também tem essa visão ou o seu caso é muito particular? Se sim, que fatores poderiam justificar esse avanço?
As pessoas com deficiência avançaram muito em suas lutas nas últimas décadas, através da criação de normas, decretos e portarias que foram sancionados no país com o objetivo de melhorar a vida de milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência. Embora, hoje estejamos vivenciando retrocessos. Avançamos porque decidimos tomar em nossas mãos nossos destinos, pois compreendemos que a deficiência é problema social e não individual, e que, acima de tudo, somos cidadãos como outro qualquer, sendo obrigação do poder público nos proporcionar as condições para vivermos plenamente a vida na cidade ou no campo.
O limite de cada ser humano é determinado pelas oportunidades e possibilidades que lhe são disponibilizadas. Nós temos total capacidade para realizarmos coisas maravilhosas, de sermos produtivos, felizes, de amar e de sermos amados também. A sociedade como um todo precisa se comprometer a assegurar e promover condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdades, visando à inclusão social e cidadã da pessoa com deficiência. Essa é a minha luta diária.
A cobertura do ato do projeto Acesso Cidadão, que defendeu o acesso de pessoas com deficiência à praia do Cabo Branco, foi uma das mais belas que chegaram à Mídia NINJA (veja aqui). Naquela ocasião você afirmou que acionaria a Justiça contra os moradores locais que pretendiam restringir o acesso de PCDs à praia. Como está o andamento disso?
O ato foi muito importante, pois houve um recuo grande por parte dos que pregavam a limpeza estética das praias da nossa cidade, que são o que possuímos de mais belo, nossa riqueza e patrimônio. Então, reagimos à altura, mobilizando centenas de pessoas, deficientes ou não, mas que não toleram condutas tão discriminatórias. Em uma só voz, nós dissemos que o nosso lugar é onde quisermos estar!
Após a manifestação, continuamos com outras ações e demos entrada, na Assembleia Legislativa da Paraíba, a um Projeto de Lei, indicando ao governador a criação do programa Praia sem Barreiras, destinado às pessoas com deficiência e idosas, com o objetivo de facilitar o acesso desse segmento às praias urbanas do nosso estado.
A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um tema que ainda aponta um dado muito alarmante em termos de acessibilidade e direitos humanos. Como você acredita que poderíamos avançar nessa inclusão com ações políticas?
Temos grandes desafios para inclusão produtiva das pessoas com deficiência. O primeiro deles é o reconhecimento da nossa capacidade para contribuir, por meio de diferentes ramos produtivos, com o avanço do país. Atualmente, vivenciamos uma taxa de 14 milhões de desempregados no Brasil, e nós precisamos enfrentar essa escassez no acesso ao trabalho adotando posturas mais inclusivas também. Afinal de contas, com o aumento do desemprego, as primeiras pessoas a perderem seus postos de trabalho são as com deficiência.
O setor produtivo, portanto, precisa ressignificar a sua visão. Aliado a isto, temos a discussão do acesso à educação, tendo em vista que as pessoas com deficiência ainda não acessam plenamente o sistema educacional brasileiro, sem falarmos na questão da acessibilidade urbana, da garantia do direito de ir e vir, do próprio direito ao transporte público seguro, adaptado e com qualidade. São questões inerentes a vida em sociedade.
Precisamos mudar a estética e os valores não apenas na política, mas em todo o seio social. A luta por acessibilidade, inclusão produtiva e acesso a educação não pode ser só uma questão simbólica, mas deve, primordialmente, ser uma questão que provoque mudanças efetivas e reais.