O dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e Caribe, 28/09, foi instituído em 1990, durante o 5º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, para dar maior visibilidade ao debate sobre a necessidade de enfrentar o problema da clandestinidade do aborto. Em muitos países da região, o abortamento ainda é considerado crime, o que gera elevadas taxas de mortalidade materna. Não por acaso, essa é a parte do mundo em que há menor reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Em 2018, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, foram registrados 127.585 casos de estupros e estupro de vulnerável. Desses, 63,8% eram de crianças/adolescentes com idade abaixo de 14 anos. Em 81,8% dos casos, as vítimas eram pessoas negras, e mais de 75% delas possuíam vínculo com os autores da violência, sendo familiares, companheiros e amigos.
Uma das possíveis consequências da violência sexual para meninas e mulheres é a gravidez indesejada. Embora desde 1940 a legislação brasileira possibilite a interrupção da gravidez em casos de violência sexual, sua regulamentação ocorre somente 59 anos depois, em 1999. A norma técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes estimula e normatiza a estrutura dos serviços.
Tal demora indica as barreiras existentes na sociedade brasileira para a efetivação dos direitos e dignidade da vida das meninas e mulheres, como ficou explícito no caso da menina de 10 anos, do Espírito Santo, vítima de violência sexual por um tio. Ao recorrer ao serviço do aborto legal, foi impedida de fazê-lo, só conseguindo sua realização em outro estado.
Em “Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna” (2010), fica demonstrado que existe um alto índice de internações pós-abortamento, resultantes de procedimentos em condições precárias. O que faz do aborto um problema de saúde pública em nosso país.
A interrupção da gestação também é legal se há risco à vida da mulher ou anencefalia. Trata-se de um direito que deve ser garantido através dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). As graves consequências psíquicas e físicas de uma violência sexual devem ser acolhidas pelos profissionais dos serviços de saúde, com acompanhamento próximo, acolhedor e atento às necessidades apresentadas.
A ampliação do acesso e da qualificação do atendimento às mulheres que sofreram violência sexual e demandam o aborto legal, passa, necessariamente, pela sensibilização e pela capacitação dos profissionais de saúde, bem como pelo fortalecimento da rede de serviços que atuam no enfrentamento às violências.
No município do Rio de Janeiro, foi desenvolvida uma metodologia para profissionais de saúde e gestores das maternidades municipais sobre o atendimento a vítimas de violência sexual e aos casos de aborto legal. Atualmente, todas as maternidades da cidade estão organizadas para realizar o procedimento respeitando o direito de escolha da mulher.
O trabalho de monitoramento dos serviços de saúde que ofertam esse atendimento deve ser contínuo, avançando na garantia do direito previsto em lei e implementando na prática os princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade.
A prevenção das violências e o atendimento adequado devem ser pautas prioritárias na construção das políticas voltadas à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. É necessário e urgente oferecer atenção diferenciada às mulheres, sobretudo negras, promovendo ações que diminuam de fato as violências sofridas por elas e suas famílias.
Fonte: UOL