por Luciana Brafman
Se você é mulher, veste blusa decotada, saia curta e está num trem com mais quatro pessoas, saiba que uma delas acha que você é culpada caso seja vítima de violência sexual. A informação é fruto de pesquisa do Ipea — divulgada no fim de março e corrigida na sexta-feira — que revelou o seguinte: 26% dos entrevistados concordam que “mulheres com roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O dado não causa tanto espanto quanto os 65% divulgados erroneamente na primeira versão. Mas deveria.
Se há males que vêm para o bem, o erro do Ipea foi um deles. A estatística fria jogou luz sobre um tema de extrema importância. Repercutiu alto o silêncio das mulheres encoxadas nos trens, das estupradas nas ruas, das violentadas nas próprias casas. Mostrou que brincadeiras machistas devem ser evitadas e leis severas precisam ser cumpridas. Fez aflorar um sentimento de revolta nas redes, com protestos espontâneos — seguidos de ameaças. A sociedade reagiu. A presidente Dilma se manifestou. Não sei se as manchetes dos jornais seriam tão enfáticas com os 26% como foram com os 65%. Mas sei que a pesquisa não deve ser ofuscada pelo erro; as conclusões apontam na direção de que o Brasil deve perseguir o 0%. (Aqui, um aparte: os 65% continuam chocando, pois se referem à parcela que concorda com outra afirmativa da mesma pesquisa, “mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar.)
O episódio levantou ainda duas discussões saudáveis num ambiente democrático. A primeira diz respeito à missão e à credibilidade do Ipea. Ex-diretores atribuíram o erro à perda de foco da instituição, voltada à área social, em detrimento da macroeconômica. Na segunda-feira, o presidente do instituto, Marcelo Neri, disse em entrevista a Flávia Oliveira, no GLOBO, que o Ipea “entrou na área social há 25 anos e é reconhecido mundialmente como instituição de ponta nisso”. Em se tratando de órgão público, é bom mesmo que se discuta o papel do Ipea, que a sociedade conheça sua função, saiba para que existe, descubra o quanto gasta e se deve aprimorar seus procedimentos de checagem. O órgão, por vezes palco de vaidades e disputas políticas, presta um importante serviço ao país, com técnicos qualificados e estudos relevantes, marcados pela seriedade.
No país dos escândalos sobrepostos, em tempos de Comissão da Verdade, CPIs, doleiros e personagens da Sucupira de Dias Gomes, outra lição é a transparência. A identificação do erro e sua divulgação deveriam servir de exemplo às instituições públicas e privadas do país. Quantos e quantos erros ainda aguardam debaixo do tapete Brasil afora? Embora não concorde com o pedido de exoneração do pesquisador Rafael Osório, sua atitude poderia inspirar, quem sabe, ex-dirigentes de estatal que continuam recebendo vencimentos da União após erro de milhões de dólares na compra de uma refinaria.