O Ministério Público do DF cobra ações para reduzir espera na fila por consultas nos hospitais. Secretaria de Saúde informa que atualmente há 446 ginecologistas atendendo na rede pública. O GDF vai investir R$ 2 bilhões até 2026
Mais de 6 mil mulheres estão na fila de espera por uma consulta ginecológica na rede pública do Distrito Federal. O tempo médio na fila para atendimento de ginecologia geral aumentou 37% de 2023 para 2024, passando de 56 para 78 dias. A demora para conseguir uma consulta varia de acordo com critérios como grau de risco e local da solicitação.
Quando falamos da realização dos exames preventivos periódicos da saúde da mulher, 2.989 aguardam por mamografias — em uma espera que pode demorar até 900 dias — e 815 pela colposcopia, exame ginecológico popularmente conhecido como “preventivo”. Já o “Papa Nicolau”, ou citologia, tem uma fila de 125 mulheres. Os dados são de abril e fazem parte do Mapa Social de Acompanhamento do SUS do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Ao Correio, a Secretaria de Saúde (SES) informou que em 2023, foram realizados 27,3 mil exames de mamografias na rede pública do DF, onde 11 mamógrafos estão disponíveis. Os dados de exames de mamografia realizados em 2024 ainda não foram divulgados. Também esclareceu que cerca de 4 mil atendimentos ginecológicos especializados foram realizados no Centro Especializado em Saúde da Mulher (CESMU), no ano de 2023. Além disso, a pasta informou que atualmente há 446 ginecologistas atendendo na rede e que a demora na fila de espera pode ser notificada pela Ouvidoria do GDF, no site, ou por intermédio do telefone 162.
Em cerimônia para as obras do Hospital Clínico Ortopédico do Guará, no último dia 26, o governador Ibaneis Rocha anunciou investimento de R$ 2 bilhões para construir sete novas Unidades Básicas de Saúde (UPAs) já no segundo semestre. Esses recursos serão aplicados “para que se possa diminuir as filas dos atendimentos”, ressaltou o governador na ocasião. Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES), serão construídos, até o fim de 2026, cinco hospitais e 17 Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Os exames de prevenção são essenciais para detectar precocemente as doenças que afetam a saúde da mulher, como o câncer de mama e do colo do útero, e as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), causadas por vírus ou bactérias durante relações sexuais desprotegidas. O exame citopatológico é a forma mais eficaz de prevenir o câncer de colo do útero. As mulheres, a partir dos 25 anos, precisam realizar a coleta. Os dois primeiros exames devem ser realizados com intervalo de um ano e, caso o resultado seja negativo, deverá ser realizado a cada três anos, até os 64 anos — tudo isso de acordo com as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, do Ministério da Saúde.
Com os hospitais públicos lotados, funcionando durante boa parte dos últimos meses em bandeira vermelha, e as Unidades Básicas de Saúdes (UBS) priorizando atendimento de pacientes com dengue e outras doenças sazonais, as consultas de rotina das mulheres ficaram prejudicadas. Em abril o MPDFT recomendou ao Governo do Distrito Federal (GDF) um diagnóstico do impacto da epidemia de dengue na carteira de serviços da atenção básica do SUS, na qual está inserido o atendimento à mulher, identificando os prejuízos e criando um plano de ação para resgatar e restabelecer os atendimentos e recuperar os prejuízos.
Deficits
Para a promotora Hiza Maria Carpina, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), o primeiro passo a ser dado rumo à eficiência no trato da saúde da mulher precisa ser a expansão do número de equipes de saúde da família na atenção primária. “Nós temos dois deficits aqui no DF: faltam unidades físicas para abrigar as equipes e não há cobertura suficiente. Há vazios assistenciais na porta de entrada do SUS na capital”, afirmou.
Isso significa, conforme ressaltou a especialista, que os profissionais de saúde estão atendendo mais pessoas do que a recomendação do Ministério da Saúde, impactando a capacidade de busca ativa dessas mulheres para realização de atividades de prevenção e promoção à saúde. “Quando o governo não expande as equipes, diminui a capacidade de fazer as prevenções e evitar o adoecimento”.
Ainda segundo Hiza, as epidemias e pandemias agravam as dificuldades de gestão da saúde. Ao GDF, a promotoria recomendou ainda equacionar os serviços, atualizar os dados e qualificar a fila para deixar que as esperas não continuem com um tempo desproporcional à necessidade, “o atendimento não fica garantido só com a consulta, é preciso levar em conta o retorno e a realização dos exames”.
Acesso
A empregada doméstica Marlene das Neves Barros, 54 anos, espera há mais de um ano por uma consulta ginecológica na unidade de saúde da família onde está cadastrada, em Ceilândia Norte. “A médica da família me passou cinco exames de prevenção na última consulta em que estive, mas só consegui fazer três aqui no posto. Tentei voltar para uma consulta com a ginecologista, mas está demorando tanto, que eu desisti”, contou.
Em outubro do ano passado, ela finalmente conseguiu fazer a colposcopia, exame ginecológico de rotina. Segundo ela, apesar do exame ter sido fácil de marcar, ainda não conseguiu atendimento. “Essas questões da saúde da mulher acabam ficando precárias, porque nós não conseguimos ter acesso a tudo o que é necessário para se prevenir”, reclamou.
No mesmo posto de saúde em Ceilândia, a técnica administrativa Suliana Maria da Silva, 46, passou diversas madrugadas tentando uma ficha de atendimento com médica ginecologista na unidade de atenção primária. Ela contou que só estão disponíveis entre 10 e 15 fichas por dia e, por isso, nunca conseguiu atendimento.
“Eu tentei fazer o preventivo e uma ultrassom aqui também, demorou mais de seis meses para o resultado ficar pronto. Eu estava com problemas de saúde e então precisei ir até uma clínica particular para realizar os testes, que custaram mais de R$ 90 cada um”, disse.
Jaiana Alves de Lima, 36, estava do lado de fora da ala ginecológica do Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Grávida, ela foi buscar atendimento de emergência após uma queda que bateu com a cabeça e barriga no chão. “Eu vim porque queria saber se a minha bebê está bem. Estou passando mal e com muita dor do lado que senti o impacto”, relatou. Ela estava esperando por volta de três horas em busca de atendimento.
Detecção precoce
A Secretaria de Saúde informou que o atendimento do HRC para ginecologia e obstetrícia é Atenção Terciária. O Pronto Socorro está funcionando normalmente. Atenção Terciária diz respeito ao atendimento de pacientes com quadro de saúde instável, risco de vida ou que necessitam de intervenção especializada, incluindo aqueles que apresentam pioras ou precisam de exames e cirurgias mais invasivas.
Segundo a ginecologista Tatiana Ribeiro, da clínica Rehgio, há um problema nas emergências públicas e privadas de Brasília, cheias devido ao aumento de casos, não só de dengue, mas também da covid-19 e da H1N1. Para ela, é importante as mulheres se atentarem aos exames e consultas de prevenção a fim de detectar precocemente possíveis problemas de saúde. “Assim, aumentam as chances de tratamento eficaz e cura. Muitas doenças, como o câncer de colo de útero e de mama, podem ser detectadas em estágios iniciais por meio desses exames, permitindo intervenção rápida”, afirmou.
Depois do câncer de mama, o câncer de colo do útero é o segundo que mais mata mulheres entre 20 e 49 anos. Cerca de 99% dos casos são causados pelo HPV, segundo a ginecologista. A falta de acesso aos exames preventivos pode causar diagnóstico tardio de doenças, tornando o tratamento mais difícil e com menores chances de cura. “Isso impacta diretamente a qualidade de vida dessas mulheres e até o aumento dos gastos públicos com tratamentos caros que poderiam ser evitados com exames de prevenção”, concluiu.
Duas perguntas para…
Marcelle Domingues Thimoti, ginecologista e obstetra
Existem diferentes cuidados, de acordo com critérios como faixa etária e classe social, quando falamos sobre cuidados e prevenção da saúde ginecológica das mulheres?
Sim, os cuidados e prevenção da saúde ginecológica podem variar de acordo com vários critérios, incluindo faixa etária e classe social. Mulheres mais jovens (adolescentes e jovens adultas) podem precisar de orientação sobre a saúde sexual e reprodutiva, incluindo contracepção, prevenção de ISTs e educação sobre saúde menstrual. Mulheres na faixa dos 20 e 30 anos podem estar focadas na prevenção de gravidez indesejada, exames de rotina como o Papanicolau e educação sobre saúde reprodutiva. Mulheres na faixa dos 40 e 50 anos podem estar mais preocupadas com a perimenopausa, menopausa e riscos de câncer ginecológico, além de questões relacionadas à saúde óssea e cardiovascular. Referente à classe social, mulheres de classes sociais mais baixas têm menos acesso a serviços de saúde, ou seja, menos oportunidades para exames de rotina, rastreamento de doenças e acesso a tratamentos preventivos. Mulheres de classes sociais mais altas podem ter mais recursos para cuidados preventivos, como exames de imagem avançados e opções de tratamento mais caros. Cuidados estéticos também são o foco dessa classe. Além disso, diferenças culturais e sociais também podem influenciar as atitudes em relação à saúde ginecológica, incluindo práticas de higiene, tabus culturais sobre sexualidade e estigma relacionado a certas condições de saúde, como saúde mental e distúrbios menstruais.
Há tabus que afetam negativamente a saúde e a prevenção de doenças ginecológicas?
São diversos os tabus em torno da sexualidade das mulheres. A própria noção e aceitação de mulheres terem sua sexualidade e liberdade para exercerem conforme suas vontades é o primeiro grande tabu da população feminina. Questões como orientação sexual, preconceitos enfrentados por essas mulheres, acesso restrito ao sistema de saúde, preconceitos enfrentados dentro do próprio atendimento médico-hospitalar no que tange a todas às questões referentes à sexualidade, desinformação, dificuldade em discutir problemas ginecológicos, falta de informação e acesso aos métodos contraceptivos e de prevenção de ISTs.
Onde buscar atendimento de emergência em ginecologia no DF
Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), Hospital de Base, Hospital da Região Leste (HRL), Centro Especializado em Saúde da Mulher (Cesmu) e nos hospitais regionais da Asa Norte (Hran), de Santa Maria (HRSM), de Samambaia (HRSam), do Gama (HRG), de Ceilândia (HRC) e de Taguatinga (HRT).
Fonte: Correio Braziliense