Os candidatos que disputarão o segundo turno da eleição presidencial argentina em 19 de novembro, o peronista Sergio Massa e o ultradireitista Javier Milei, têm em comum a alta rejeição. De acordo com pesquisa da Universidade de San Andrés pouco antes do primeiro turno, de 68% e 53%, respectivamente. Para Milei, o desafio é ampliar de forma expressiva seu apoio entre as mulheres. Elas resistem ao estilo intempestivo do candidato, a símbolos de sua campanha, como a serra elétrica, e a propostas como a defesa do porte de armas. Já o ministro da Economia tem dificuldade de cativar as novas gerações de eleitores que, sobretudo no interior, apontam analistas, construíram conexão emocional com Milei.
São 8,3 milhões de eleitores entre 18 e 29 anos, pouco mais de 24% do eleitorado. E 18,2 milhões de mulheres aptas a votar, mais do que os 17,6 milhões de homens — 1.075 eleitores se identificam como não-binários. O voto feminino, como nas eleições brasileiras de 2022 e nas espanholas deste ano, é decisivo na Argentina. E, como brasileiras e espanholas, as argentinas parecem resistir à direta radical.
O peronismo sabe disso e no último debate Massa foi direto ao ponto:
— Chega, Javier, deixe de desrespeitar as mulheres. Elas podem pensar diferente, mas têm esse direito.
Pesquisas realizadas antes das primárias de agosto e do primeiro turno mostram que o voto feminino é um problema para o candidato do partido A Liberdade Avança, que ficou em segundo lugar domingo passado, com 29,98%, contra 36,68% de Massa. De acordo com a empresa de consultoria Opina Argentina, Milei tem 35% de apoio entre homens e 20% entre mulheres. Outra pesquisa, da Hugo Haime e Associados, mostra que entre os homens o candidato da direita radical tem 45% de imagem positiva e 52% de negativa; já entre as mulheres, o admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump tem 33% de positiva e 64% de negativa.
— A falta de apoio das mulheres explica a dificuldade de Milei em crescer. Entre as primárias e o primeiro turno ele conseguiu apenas 700 mil novos votos. Massa, mais de 3 milhões — aponta Haime. Para o analista político , “a violência que Milei transmite causa repulsa em muitas mulheres”.
A equipe de campanha do candidato peronista tem focado na rejeição feminina a Milei, sobretudo nas redes sociais. Foram produzidos mais de 200 vídeos que circulam em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube, a partir de propostas polêmicas do candidato da direita radical, entre elas a defesa do porte de armas sem amarras. Um deles mostra uma criança entrando numa escola e tirando uma arma de dentro da mochila na sala de aula. A legenda final é direta: “Pense antes de votar. Milei não”.
Fontes do comando da campanha de Massa confirmaram ao GLOBO que o alvo desses vídeos, sustentados em propostas que Milei fez num passado não muito distante e suavizou nos últimos meses de campanha, é o eleitorado feminino.
Uma dessas fontes defendeu que a estratégia foi, essencialmente, a de ilustrar como seria a Argentina governada por Milei, “sem ridicularizar o candidato ou exagerar suas posições”. Os estrategistas de Massa passaram semanas revendo tudo o que Milei disse em programas de TV, de rádio e nas redes sociais nos últimos anos, e, em muitos casos, identificaram mulheres como vítimas de suas propostas ou ataques.
— Vimos Milei maltratando jornalistas mulheres, sendo agressivo. E as mulheres se opõem a posições do candidato, entre elas seu questionamento à legalização do aborto — destaca Mariel Fornoni, diretora da Management & Fit.
Redução do Estado
Militantes pela legalização do aborto, que lideraram a chamada maré verde (em referência à cor do lenço que usavam em seus pulsos), fazem campanha incansável contra Milei nas redes sociais. A escritora e roteirista Claudia Piñeiro foi uma das mais ativas.
No dia da eleição do primeiro turno, a coautora do roteiro da série “Vosso Reino”, disponível na Netflix, pediu na rede X (ex-Twitter) que “sejamos amáveis, sensatos, pacíficos, entusiastas, construtivos, respeitosos, exigentes, democráticos, luminosos, sinceros e positivos”. Horas mais tarde, retuitou mensagem da escritora espanhola Rosa Montero, na mesma rede, que dizia: “Parabéns aos argentinos por terem evitado a loucura de Milei”.
A resistência feminina a Milei também está relacionada à sua proposta de redução drástica do Estado. Dados oficiais de 2022 confirmam que 26,1% das mães solteiras argentinas estão abaixo da linha da pobreza, e 4,6% indigentes. Essas mulheres recebem, em sua grande maioria, ajuda do poder público.
Seguindo o manual básico do peronismo, que nasceu com a bandeira da defesa dos mais humildes, Massa se dirigiu diretamente a essas mulheres em muitos atos de campanha. Argumentou que, votando pelo peronismo, elas garantirão a manutenção de direitos conquistados, entre eles o de bolsas estudantis, subsídios e vários programas sociais.
Mas o peronismo também enfrenta dificuldades para ampliar seu teto no segundo turno. A preferência dos jovens, sobretudo homens, por Milei, é clara, apontam os analistas consultados pelo GLOBO. No ato de encerramento de campanha do candidato da direita radical, a presença majoritária de homens jovens era notória, e pesquisas que mediram o apoio a ambos candidatos por idade e gênero confirmam o favoritismo de Milei nesse segmento. De acordo com estudo da Hugo Haime, a imagem positiva do candidato de A Liberdade Avança entre os jovens (menores de 25 anos) é de 56%, contra 29% de Massa.
— Não é que os jovens tenham sentimentos fortes contra Massa, é que os sentimentos a favor de Milei são contundentes. É uma conexão emocional — frisa Haime.
Segundo ele, uma conexão difícil de ser quebrada:
— São anos de trabalho nas redes sociais, construindo um vínculo muito sólido com jovens que se conectaram com o discurso antipolítica de Milei.
Peronistas contam que, após a surra levada nas primárias, nas quais Milei foi o mais votado, Sergio Massa focou em melhorar sua presença nas redes sociais, onde o candidato da direita radical surfava sozinho. Estrategistas brasileiros, jovens do movimento kirchnerista La Cámpora e assessores espanhóis e americanos de Massa construíram uma estratégia digital nova, visando, principalmente, o eleitorado jovem.
De acordo com trabalho em campo da Opina Argentina feito antes das primárias, cerca de 40% dos eleitores com menos de 29 anos estavam inclinados a votar no candidato da direita radical. A ex-candidata da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança, Patricia Bullrich, por sua vez, era forte entre as mulheres com mais de 50 anos. Para os analistas, parece difícil pensar que a maioria dessas mulheres, agora que Bullrich está fora da corrida, migrará para Javier Milei.
— A violência não é compatível com a população feminina, independentemente da idade — conclui Mariel Fornoni.