Órgão adia para próxima semana decisão sobre critérios de promoção de juízes para aumentar participação feminina na segunda instância do Judiciário
Nenhum Tribunal de Justiça estadual do país tem sequer paridade de gênero: em todos, os homens são maioria. É o que revela o relatório “Justiça em Números 2023”, elaborado pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ), colegiado que começou a analisar nesta terça-feira uma proposta para alterar os critérios de promoção de juízes, para aumentar a participação feminina na segunda instância do Judiciário. A votação estava em três a zero em favor da aprovação da medida quando foi suspensa por um pedido de vista de Richard Kim, juiz do TJ de São Paulo, onde as magistradas são 36%.
O voto da relatora, Salise Sanchotene, foi acompanhado pelos conselheiros Mário Maia (indicado ao CNJ pela Câmara dos Deputados) e Luiz Philippe Vieira de Mello Filho (ministro do Tribunal Superior do Trabalho), que pediram para antecipar suas decisões. A análise do tema deve ser retomada na próxima terça-feira no CNJ, composto por 15 conselheiros.
— A ação afirmativa deve ser temporária e perdurar até o atingimento da paridade nos tribunais, cujo patamar, num exercício de razoabilidade, deve transitar entre 40% a 60% para cada gênero — propôs Sanchotene.
O ato normativo em discussão no CNJ propõe que a promoção de magistrados aconteça a partir da escolha alternada de um nome listado em duas relações: uma apenas com mulheres e outra mista, também com homens. Desse modo, as promoções continuariam a levar em conta os critérios constitucionais de antiguidade e merecimento, mas passariam a contemplar, ao mesmo tempo, o aspecto de gênero.
Os dados do relatório do CNJ apontam que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) é o que tem maior presença feminina, com 48%, entre juízas do primeiro grau e desembargadoras. No Poder Judiciário, em geral, o percentual é de 38%, cerca de 6.853, entre os 18.035 magistrados.
— Apesar dos avanços das últimas décadas, o estado existente das coisas revela uma persistência da acentuada e injusta disparidade entre homens e mulheres nas mais diversas esferas públicas. A estrutura das práticas e crenças que perpetuam as desigualdades de gênero estão profundamente enraizadas na nossa sociedade e atravessam naturalmente as tradições sociais. Exemplo sintomático dessa realidade é a sub-representação feminina nas mais altas esferas do poder público — disse a conselheira Salise Sanchotene ao votar pela aprovação do ato normativo.
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Também desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4), Sanchotene ainda usou uma anedota ao afirmar que, se a trajetória na Justiça fosse uma corrida, homens correriam em pista rasa. Mulheres, por sua vez, competiriam em meio a obstáculos, que, segundo ela, mascarariam “a Justiça e a couraça dos resultados finais”.
Impactos nas decisões
Professora da Escola de Ciências jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Ana Paula Sciammarella acredita que a presença feminina nas decisões pode causar maior aproximação do Judiciário com as pautas apresentadas no plenário:
— Não sabemos muito bem do impacto de um maior número de mulheres. Acho que não dá para fazer uma avaliação agora, mas essa maior representação feminina por si só é um impacto positivo porque esperamos que essa diversidade possa refletir em uma maior empatia nas questões que requerem um olhar mais próximo dessas demandas.
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Ana Elisa Bechara, vice-diretora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, também destaca que a importância da diversidade é medida na “avaliação das demandas postas diante dos tribunal”. Ela considera que, se não houver representação de mulheres, “qualquer questão relacionada ao gênero feminino não será vista da forma adequada”.
Mulheres em instâncias superiores
A discussão no CNJ acontece às vésperas da aposentadoria da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o relatório, a participação de mulheres em graus mais altos do Poder Judiciário é ainda menor em comparação com o juízo da primeira instância, cujo percentual é 40%. Nos tribunais superiores, esse número cai mais da metade: as ministras ocupam 18% das cadeiras.
A síntese desse dado pode ser vista hoje na composição do próprio STF. De 11 magistrados, somente duas posições do plenário são ocupadas por mulheres: Weber e Cármen Lúcia. O número pode ser reduzido a apenas uma caso o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) não faça uma indicação feminina para o lugar da hoje presidente da Corte.
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“O comparativo entre percentuais de Juízes no primeiro grau e a porcentagem de ministras e desembargadoras no Poder Judiciário, indica que, em todos os segmentos da Justiça, há menor participação feminina nos mais elevados níveis de carreira e também na composição dos tribunais superiores”, afirma o documento do CNJ.
De acordo com o órgão, o ramo com maior participação feminina é a Justiça do Trabalho, cujo percentual é de 49% de juízas. Esse número foi, inclusive, comemorado por Rosa Weber, que fez carreira como juíza do trabalho, com passagens pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), até ser indicada para o STF, em 2011, pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
Já os tribunais com menor número de mulheres são da Justiça Militar (21%), além dos superiores —Supremo Tribunal Militar (STM), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o relatório.
Entre os tribunais de primeira instância, o que tem maior presença feminina no quadro de magistrados é o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), cujo percentual chega a 75% de mulheres. Entre as desembargadoras deste tribunal, porém, o percentual cai para 8%. A corte com maior número de desembargadoras, por sua vez, é o Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE-SE), com 67%.
No meio do caminho — da passagem da primeira para a segunda instância—, entretanto, Ana Paula Sciammarella e Ana Elisa Bechara afirmam que há obstáculos, descritos como um “teto de vidro”. Entre os problemas, estão a mobilidade territorial necessária quando a juíza é promovida. A dificuldade, nesse sentido, é cuidar, além da própria locomoção, da mudança dos filhos e do restante da família, por exemplo.
— As mulheres estão conseguindo ingressar na magistratura. Mas, conforme há uma progressão na carreira, as mulheres vão desaparecendo, porque o território do Direito não é dela, é um território muito masculino, onde as mulheres sempre são invisibilizadas — afirma Bechara, acrescentando que o ideal é um equilíbrio de 50% para cada gênero.
A especialista defende ainda que a melhor forma de promover a equidade de gênero nos tribunais é através de ações afirmativas com o objetivo de “mudar toda a cultura atual”. Além disso, diz ser necessário atenção especial à formação jurídica com sensibilidade à questão de gênero.
Os percentuais de mulheres em todos os tribunais estaduais
- TJPI = 25%
- TJRR = 27%
- TJAM = 27%
- TJTO = 28%
- TJAL = 28%
- TJMS = 28%
- TJAC = 28%
- TJRO = 31%
- TJES = 33%
- TJMG = 33%
- TJSC = 34%
- TJPE = 34%
- TJGO = 35%
- TJMT = 36%
- TJPA = 36%
- TJMA = 36%
- TJCE = 36%
- TJSP = 36%
- TJAP = 37%
- TJPB = 38%
- TJDFT = 40%
- TJPR = 42%
- TJSE = 42%
- TJRN = 43%
- TJBA = 44%
- TJRS = 47%
- TJRJ = 48%