Mudança é vista como avanço, já que mais de 900 cidades não têm vereadoras, mas a bancada feminina queria cota maior. Texto oferece maior perdão da história às siglas, segundo especialistas.
Relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos políticos por irregularidades nas prestações de contas feitas no passado, o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) apresentou nesta terça-feira (9) um novo relatório.
Nele, Rodrigues prevê uma reserva de 20% das cadeiras para mulheres na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores do país a partir de 2026.
Em nível federal, a reserva representaria um aumento tímido em relação ao cenário de hoje, já que a Câmara tem 17,7% de representação feminina.
A proposta também prevê uma transição escalonada: em 2024, a obrigatoriedade seria de pelo menos 15% das cadeiras nas câmaras municipais. O ponto é considerado um avanço na bancada feminina, já que, em 2020, mais de 900 cidades não elegeram nenhuma vereadora e em outras mais de 1,8 mil cidades apenas uma mulher foi eleita.
Bancada feminina resiste
Inicialmente, a bancada feminina corria para conseguir assinaturas para uma PEC que sugeria um percentual maior e escalonado por mais tempo – passando de 15% em 2024 e chegando a 30% em 2036. A proposta de Rodrigues, contudo, estaciona o percentual em 20%.
Além disso, o texto apresentado acaba com a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das cotas de candidatas mulheres. Pela regra proposta, o partido deve reservar as vagas “sem a obrigatoriedade do efetivo preenchimento das vagas reservadas”.
A bancada feminina considerou essa parte um retrocesso.
Por exemplo, em Alagoas, um partido tem o direito de indicar 10 candidatos a deputado federal. Neste caso, a sigla teria que reservar três vagas (30%) a mulheres, sem necessariamente preenchê-las. As outras sete vagas poderiam ser preenchidas por homens.
Em tese, o partido poderia não lançar nenhuma candidata mulher, mas o número máximo seria de sete candidatos. As outras três vagas a que o partido tem direito só poderiam ser preenchidas por candidatas mulheres.
Pela regra apresentada, o preenchimento das cadeiras femininas ocorreria primeiro nas chamadas “sobras” – que é o saldo de vagas remanescente após o preenchimento do quociente eleitoral. Se um partido não tiver uma candidata mulher que tenha recebido mais de 10% do quociente eleitoral em votos, a vaga passaria automaticamente a outra sigla. Isso dificultaria a obtenção de cadeiras por partidos sem candidatas fortes.
Crítica à PEC, a deputado Fernanda Melchionna (PSOL-RS) avalia que o dispositivo é um “retrocesso” à regra atual, que exige os 30% em cima das vagas efetivamente preenchidas.
Apesar de defender a reserva de vagas a mulheres nos Legislativos, Melchionna afirma também que a inclusão foi uma tentativa de “suavizar as críticas” à proposta, que segundo especialistas se trata da maior anistia da história aos partidos.
“Teria outras PECs para tramitar o tema em separado”, afirma a deputada. A parlamentar também critica o fato de não haver um escalonamento da reserva até 30%, como previa a proposta defendida pela bancada feminina.
Outros pontos da proposta
O relator manteve pontos polêmicos da proposta, que devem perdoar mais de R$ 23 bilhões de dívidas das siglas à Justiça Eleitoral. São eles:
- livra os partidos de qualquer punição – como multa, devolução ou suspensão dos recursos – por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC. Na prática, segundo especialistas, isso impede o trabalho da Justiça Eleitoral.
- anistia os partidos pela falta de repasses mínimos para candidatos negros e mulheres nas eleições de 2022. Em abril do ano passado, o Congresso já tinha promulgado outra emenda que perdoou este tipo de irregularidade em eleições até 2020;
- limita a punição por irregularidade aplicada aos partidos pela Justiça Eleitoral a partir de então a 10% do valor recebido do fundo partidário mensalmente por cada legenda;
- reduz os recursos para candidatos negros nas campanhas eleitorais para 20% dos fundos eleitoral e partidário. Atualmente, o repasse segue entendimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiram que a verba para negros deve seguir proporcionalmente o número de candidatos. Por exemplo, no ano passado, pouco mais de 50% dos candidatos se autodeclararam negros – portanto, este é o percentual que deveria ter sido repassado pelas siglas.
O deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), relator da PEC que perdoa irregularidades de partidos — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Cassação por fraude na cota de gênero
Rodrigues também manteve um dispositivo que livra de punições por perda de mandato os partidos que tenham descumprido a cota mínima de gênero nas eleições passadas.
Na prática, a medida poderia reverter decisão da Justiça Eleitoral que condenou o PL por fraude à cota de gênero nas eleições de 2022 e determinou que quatro deputados estaduais eleitos para o Ceará perdessem seus mandatos.