Fórum no CNJ recebe sugestões para política que visa superar desigualdade histórica na área
Iniciativas na Justiça brasileira têm trabalhado para superar dificuldades que impedem a inclusão e promoção de profissionais negros no direito e impactam especialmente as mulheres. Nas cortes superiores, a presença de ministros negros é rara e, de mulheres negras, inexistente.
Nesta terça-feira, 25 de julho, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data criada há 31 anos para dar visibilidade ao enfrentamento ao racismo e sexismo.
Segundo Karen Luise de Souza, juíza auxiliar da presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e supervisora do programa de Equidade Racial, estuda-se a adoção de cotas para promoção no Judiciário. O intuito seria garantir que mulheres e negros atinjam a cúpula na mesma proporção que homens brancos.
Para ela, uma das barreiras para que isso aconteça é o imaginário de que apenas o homem branco seria um julgador imparcial.
“A gente tem que romper com a lógica de que Justiça significa homem branco. Nas primeiras comarcas onde trabalhei eu causava imenso estranhamento porque ninguém conseguia conceber que eu, uma mulher negra, era a Justiça encarnada.”
“Há 135 anos, uma pessoa como eu fazia parte do inventário, era um ativo para as pessoas brancas daquela sociedade. Como é que essa coisa se converte em alguém que é a representação da Justiça? Ainda é muito difícil para as pessoas verem isso”, diz.
Um estudo feito pelo CNJ sugere o aumento no percentual de magistrados negros. Antes de 2013, eram 12%. Entre 2016 e 2018, subiu para 20%. Já nos anos de 2019 e 2020, passou a 21%. Porém, como as metodologias das pesquisas são diferentes, a comparação não é perfeita.
Karen diz que um novo censo foi realizado neste ano e os dados estão em análise.
O CNJ também trabalha na atualização dos bancos de dados do Judiciário. Uma campanha de recadastramento foi encerrada em maio e a expectativa é divulgar registros atualizados em setembro, durante um seminário sobre questões raciais.
“A partir dos dados atualizados a gente pode construir políticas judiciária de inclusão e fazer projeções estatísticas. Em 2020, a previsão era que levaríamos 30 anos para conseguirmos atingir 20% de juízes negros e negras”, afirma.
Outra iniciativa é a construção da Política de Equidade Racial em construção pelo Fonaer (Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial).
Criado em março pelo CNJ, atendendo uma demanda do Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros) e do movimento negro, o grupo reúne 18 instituições, ministérios e organizações para implementar ações de enfrentamento ao racismo.
O fórum recebe até o final deste mês sugestões para uma minuta de resolução que busca melhorar o ingresso, a permanência e a inclusão de magistrados negros, além de criar procedimentos na esfera criminal e cível e na atenção a mulheres negras, crianças e adolescentes.
Representante da OAB nacional no fórum, a presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Cristiane Damasceno, que se autodeclara negra, afirma que as conselheiras da Ordem estudam um formato mais efetivo para garantir diversidade nas vagas nos tribunais destinadas a integrantes da advocacia, o chamado quinto constitucional.
“O que nós estamos buscando é a efetividade de uma mulher preta sentada no tribunal. O que a instituição está discutindo é a melhor forma de fazer isso, porque não basta ter uma política de cotas”.
Ela afirma que a OAB trabalha ainda em regras para a adoção de bancas de heteroidentificação nas eleições das seccionais no próximo ano.
Em 2020, na gestão anterior, a Ordem adotou pela primeira vez cotas para mulheres e pessoas negras. Porém, houve denúncias de desrespeito às regras, com pessoas não negras se candidatando.
O modelo de bancas também é discutido pelo Fonaer, assim como medidas aumentar a participação de profissionais negros em concursos.
“Não existe falta de capacidade dessas pessoas para estarem nesses lugares. Nós precisamos remover obstáculos e normas que são aparentemente neutras, mas que acabam privilegiando um grupo em detrimento do outro”, diz Souza, citando como exemplo as notas de corte e cláusulas de barreira, eliminadas no último ano pelo CNJ.
Para Ana Míria Carinhanha, diretora de ações governamentais do Ministério da Igualdade Racial e representante da pasta no Fonaer, o aumento da representatividade não é uma ação isolada. O ministério defende a construção de um protocolo para julgamento a partir de uma perspectiva racial, como existe para questões de gênero.
Nesse atendimento, ela afirma que é preciso pensar nas mulheres negras por serem elas as mais prejudicadas pelo acúmulo de violências sociais.
“Qualquer política de inclusão voltada para mulher negra, não faz bem exclusivamente a essa mulher e à população negra, mas à sociedade brasileira como um todo. É a forma mais rápida e eficaz de tornar a sociedade mais inclusiva”, diz.
Na composição atual do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Kassio Nunes Marques se autodeclara pardo. O Supremo teve outros três ministros negros na história da corte, o último Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014.
Em abril, o presidente Lula (PT) indicou seu advogado, Cristiano Zanin, ao Supremo. Outra vaga será aberta até outubro, com a aposentadoria da presidente do STF, ministra Rosa Weber. A cadeira era antes de Ellen Gracie, que em 2000 se tornou a primeira mulher a ingressar na corte.
Lula tem evitado se comprometer com um perfil de indicação, e entre os cotados está o atual advogado-geral da União, Jorge Messias. A escolha de uma mulher negra seria inédita.
No STJ (Superior Tribunal de Justiça), o ministro Benedito Gonçalves é o único magistrado negro. A corte não tem a autodeclaração de seus 33 membros, mas informa que trabalha para aperfeiçoar o cadastro. Gonçalves é também corregedor-geral eleitoral no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), onde é o único ministro negro titular.
Em junho, após indicar como titulares André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques Neto, apadrinhados pelo ministro Alexandre de Moraes, Lula escolheu a advogada Edilene Lôbo como ministra substituta do TSE. Após tomar posse, em agosto, ela será a primeira mulher negra a exercer o cargo.
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) informou que o ministro Lélio Bentes Corrêa é o único que se autodeclara pardo. No STM (Superior Tribunal Militar) não há registro de ministros autodeclarados pretos e pardos.