Uma mulher de 23 anos conseguiu na Justiça, em agosto do ano passado, uma medida protetiva contra um antigo colega de escola que a perseguiu por sete meses em Bastos (SP). Para ter direito à proteção, a jovem precisou comprovar que era vítima de dois novos crimes: o “stalking” e a violência psicológica contra a mulher.
Ambas as condutas, que não previam punição criminal, foram incluídas no Código Penal por meio de leis aprovadas pelo Congresso, em março e julho de 2021. A legislação mais recente, a de violência psicológica, completa seis meses em vigor nesta hoje (28) sob elogios de especialistas ouvidas pelo UOL.
Fruto de uma iniciativa de magistradas, com apoio de deputadas e senadoras, a criminalização da violência psicológica contra a mulher faz parte de um conjunto de mudanças aprovadas nos últimos meses para fortalecer a Lei Maria da Penha, que chegou à marca de 15 anos em funcionamento em agosto do ano passado.
Além do crime de perseguição reiterada, o chamado “stalking”, foi criado também o tipo penal de violência política contra a mulher. Enquanto a violência psicológica e o stalking preveem pena de 6 meses a 2 anos de prisão, a punição para a violência política pode chegar a até 6 anos.
“Até a criação destas leis, nós costumávamos enquadrar essas condutas como perturbação à tranquilidade, que era uma contravenção. A gente não tinha como classificar aquilo que a mulher narrava para a gente em nenhum fato típico, nenhum crime”, conta Fernanda Moretzsohn, chefe da Delegacia da Mulher em Toledo (PR).
A violência psicológica foi definida no Código Penal como o ato de “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”.
Este dano emocional, segundo a lei, pode ocorrer “mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.
O stalking, por sua vez, pode ter como vítimas homens ou mulheres. Trata-se de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.
Medida preventiva
O ano de 2021 viu ainda a criação de outras medidas na área: entraram em vigor a lei Mari Ferrer, que proíbe ataques à dignidade de mulheres em audiências judiciais, e o programa Sinal Vermelho, que permite às vítimas de violência doméstica pedirem socorro em estabelecimentos como padarias e farmácias.
Para a juíza Renata Gil, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), havia lacunas relevantes na legislação de combate à violência contra a mulher. “O machismo e o patriarcado são questões culturais e não vão desaparecer de um dia para outro. Mas é preciso criar caminhos para dar mais proteção às mulheres”, avalia.
Além de capitanear a elaboração das leis do stalking e da violência psicológica, a entidade ajudou a impulsionar outras mudanças, como o aumento de pena para lesão corporal contra mulheres e a transformação do feminicídio em crime autônomo, e não mais uma forma qualificada de homicídio.
A magistrada avalia que estas mudanças podem evitar a escalada da violência contra mulheres em relacionamentos abusivos, por exemplo. “Todas essas violências fazem parte de um caminho percorrido pelo homem que acaba matando a vítima, o feminicida. A criação destas leis serve para interromper esse ciclo”, afirma.
A mesma opinião foi expressada por Pamella Holanda, agredida com chutes e socos por Iverson Araújo, o DJ Ivis. Ela comemorou no Instagram a aprovação da lei contra a violência psicológica. “Um avanço, uma conquista de todas nós! Até porque a violência psicológica precede a física!”, escreveu.
“O feminicídio dá sinais. Não é um crime que acontece de rompante, ele vai dando avisos”, avalia a delegada Fernanda Moretzsohn. “Começa com a violência psicológica, com a perseguição, aí passa para ameaça e para as vias de fato, até que se chega ao feminicídio. É raro vermos um feminicídio que não tenha sido precedido destes crimes anteriores”, explica.
Descrito como o assassinato motivado pela condição de mulher da vítima, o feminicídio tem crescido desde 2016, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Naquele ano foram registrados 929 feminicídios no país, contra 1.350 em 2020, ano mais recente da medição. O salto foi de 45%.
Como buscar ajuda
Conforme explica o canal Universa, do UOL, mulheres em qualquer situação de violência doméstica, não apenas a psicológica, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher, que funciona 24 horas por dia no Brasil e no exterior.
Por meio da ligação, que é gratuita, a central recebe denúncias, dá orientações e encaminha a vítima para serviços de proteção e auxílio psicológico. Além do número 180, o contato pode ser feito via WhatsApp, por meio do número (61) 99656-5008.
Outras opções de ajuda estão nos CRAs (Centro de Referência de Assistência Social) e nos CREAs (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) de cada cidade, além da Casa da Mulher Brasileira, presente em oito capitais. Estes espaços contam com equipes especializadas para ouvir e atender as vítimas conforme sua necessidade.
Com a criação das novas leis, porém, episódios de stalking e violência psicológica podem ser relatados diretamente à polícia, de preferência em uma delegacia da mulher.
Segundo a delegada Fernanda Moretzsohn, estes crimes podem ser comprovados por meio de testemunhas e indícios como mensagens de aplicativos, além do relato da própria vítima.
É também possível anexar laudos médicos que demonstrem o dano psicológico causado pelo agressor, embora o documento não seja necessário. “A violência psicológica pode não deixar vestígios físicos, mas nós temos outros meios para comprovar o crime”, explica a delegada.
Fonte: UOL