Justiça e polícia debatendo procedimentos, rotinas e fluxos sobre assassinatos de mulheres. Profissionais dessas duas áreas se reuniram em Brasília, nos dias 9 e 10 de dezembro, para discutir a adaptação do Modelo de Protocolo Latinoamericano para Investigação das Mortes Violentas por Razões de Gênero, proposto pela ONU Mulheres e pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU no marco da campanha do Secretário-Geral da ONU “UNA-SE pelo fim da violência contra as mulheres”. O encontro foi organizado pela ONU Mulheres, Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) e Ministério da Justiça.
“Os crimes de feminicídio têm devastado o Brasil. São praticados com requintes de crueldade e terror pela carga de ódio, na sua grande maioria, quando as mulheres decidem dar um basta numa relação. Elas são interpeladas do direito de decidir sobre as suas vidas, com quem vão se relacionar e a maneira como a relação afetiva vai terminar’, diz a representante da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman. No país, entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres. Segundo o Mapa da Violência de 2012, divulgado pelo Instituto Sangari, o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%. A média atual é de 5 mil mulheres assassinadas por ano. Em ranking internacional de 84 países sobre assassinatos de mulheres, o Brasil ocupa a 7ª posição. Visão da perícia – Participante pela primeira vez do debate técnico sobre feminicídio, o perito criminal paraibano Hebert Boson alerta para as características dos assassinatos de mulheres. “A cena de crime envolvendo mulheres segue um padrão. Geralmente, são usadas armas brancas, facas e outros instrumentos domésticos. A gente nota que os golpes desferidos contra as vítimas são muitos. Tem notado uma violência muito grande, sinais de agressões prévias à morte da vítima. São ferimentos na face, mutilação de seios, agressão nas partes íntimas da vítima”, descreve. De acordo com Boson, a Paraíba tem média de 4,5 assassinatos por dia. “Um perito criminal pode chegar a atender até 120 ocorrerências/ano”, avisa. Com atuação na área há quatro anos, o perito considera que ao protocolo de investigação de mortes violentas de mulheres por razão de gênero “vem a facilitar e também a expor as fragilidades enquanto perícia, o que leva a buscar um socorro em nível nacional. Resolvida essa questão da nossa precariedade, o protocolo de investigação é altamente positivo no sentido que dá diretrizes para identificar quando um crime tem a motivação de gênero. Nós, enquanto perícia criminal, tentar materializar esse fato para que gere um inquérito policial mais robusto e a penas mais justas”, afirma Boson. Provas para a justiça – Há sete anos como juíza de tribunal de júri em Belo Horizonte, Marixa Rodrigues conduziu o julgamento do caso Eliza Samúdio, morta a mando do ex-goleiro Bruno Fernandes num crime que chocou o país pela crueldade do assassinato. A juíza destaca a proposta da adaptação do protocolo de investigação sobre feminicídio, como consequência de um trabalho articulado entre segurança pública e justiça. “A realização desse protocolo vai ser de grande relevância para o final dos trabalhos, porque o processo judicial depende principalmente da base e de toda a investigação com que foi feito o inquérito policial, quando a autoridade policial estava com os seus olhos de forma diferenciada sobre o caso. Considerando que o feminicídio é um crime de ódio, a preservação do local, deve ser feita de forma assertiva. Todo o material probatório deve ser preservado de modo a dar condições para se concluir uma investigação eficiente e que vá trazer provas necessárias ao processo, levando a pessoa ao júri e para se ter efetivamente uma condenação”, explica a juíza Marixa. Feminicídio no Código Penal – A tipificação do feminicídio como qualificadora do assassinato de mulheres no Código Penal está proposta por meio de projeto de lei em tramitação no Senado, uma das 68 recomendações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil. Em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e a Embaixada da Áustria, a ONU Mulheres vem discutindo a adaptação do protocolo no Brasil para investigação do feminicídio com profissionais de justiça e da segurança pública.
|
|||
Fonte: ONU Mulheres
|