Foto: José Dias/PR
Na última quarta-feira (7), Bolsonaro anunciou publicamente sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) e cumpriu o que vinha prometendo desde 2019: escolheu alguém “terrivelmente evangélico”, para representar no judiciário os interesses de sua base de apoio mais fiel. A indicação do advogado-geral da União — e pastor — André Mendonça ainda deve ser avaliada pelo Senado.
Em visita de comemoração aos 110 anos da igreja Assembleia de Deus no Brasil em Belém, no Pará, o presidente disse para uma atenta plateia com todas as letras: “Fiz um compromisso com os evangélicos do país. Indicaremos um evangélico para que o Senado aceite seu nome e encaminhe para o STF um irmão nosso em Cristo”. Ao seu lado estava Silas Malafaia, um dos mais influentes e midiáticos pastores do país.
Como eu já falei anteriormente aqui na coluna e acho sempre importante lembrar, o apoio das principais igrejas evangélicas (pentecostais, mas também históricas como a batista da ministra Damares Alves) a uma única candidatura, no caso a de Bolsonaro em 2018, foi algo inédito na história do país. E mesmo diante de todas as crises que têm abatido o governo, esse apoio é o que segue mais firme.
Não intocado ou homogêneo – há diversidade de pensamento entre os evangélicos e muitos têm se articulado em frentes progressistas – mas púlpitos importantes seguem à disposição do presidente e líderes de megaigrejas como o próprio Malafaia da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, Estevam Hernandes da igreja Renascer em Cristo, Robson Rodovalho da Sara Nossa Terra e Edir Macedo da Igreja Universal, continuam reafirmando sua aprovação “religiosamente”.
Também é preciso dizer que grande parte deste apoio por parte de líderes religiosos é “alugado” a altos valores. Privilégios fiscais, perdões de dívidas bilionárias, concessões de rádio e televisão, benefícios como o de manter templos abertos durante a pandemia de coronavírus em alguns lugares do país, predileção na distribuição de recursos públicos inclusive com anúncios em mídias evangélicas. A lista de benesses é extensa.
A indicação de André Mendonça, no entanto, mais do que um agrado, faz parte de um projeto de poder – no caso o de tomada dos três poderes, como explicou a pesquisadora Brenda Carranza em entrevista à Pública já em 2020. Na época colocado à frente da AGU, Mendonça representaria uma tentativa por parte de um grupo religioso de “com influência política garantida no Executivo e no Legislativo, controlar o Judiciário”, segundo a professora.
Mendonça também é ligado à ANAJURE (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) que tem entre seus fundadores a ministra Damares Alves. A associação frequentemente participa de audiências públicas do STF, especialmente naquelas que tocam nas chamadas “pautas morais”.
Durante o governo Bolsonaro, o STF tem barrado uma série de medidas do Executivo e diante de um governo ultraconservador, tem sido visto como uma via importante de garantias de direitos das mulheres e LGBTQIA+. A criminalização da LGBTfobia em 2019 por exemplo, a descriminalização do aborto em caso de anencefalia do feto em 2013, o direito de pessoas trans à substituição do prenome e do gênero diretamente nos cartórios de registro civil de pessoas naturais mediante a mera autodeclaração.
Mendonça tem um posicionamento muito claro e alinhado ao do governo Bolsonaro em relação a algumas dessas pautas. À época do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.581 sobre aborto em casos de zika vírus, por exemplo, Mendonça se colocou contra a descriminalização. Em abril deste ano, fez um discurso inflamado e cheio de referências bíblicas defendendo em julgamento no STF, a abertura dos templos religiosos durante a pandemia
“Os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, disse o pastor.
A afirmação do indicado de Bolsonaro, porém, parece um tanto invertida. Quem morre no Brasil hoje é a população LGBTQIA+, as mulheres, vítimas de violência doméstica e de gênero, da misoginia estrutural, da LGBTfobia, morrem em abortos inseguros criminalizados. E quem mata é o ultraconservadorismo, o fundamentalismo religioso e as ideias reacionárias.
Fonte: UOL