Brasil é signatário de pacto global que prevê a promoção de igualdade entre gêneros, porém poucas mudanças podem ser notadas no ambiente empresarial há mais de uma década
De cada 100 cadeiras existentes no alto escalão de empresas brasileiras listadas em bolsa de valores, apenas 8 são ocupadas por mulheres. Essa proporção pouco mudou durante 15 anos, de acordo com estudo realizado por um grupo de pesquisadores da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP) – o grupo analisou mais de 70 mil posições em diretorias e conselhos de administração entre 1997 e 2012. A diversidade em cargos dessa natureza é um tema controverso pois, ao mesmo tempo em que se defende maior participação feminina na alta cúpula das organizações, como viabilizar isso é o principal ponto de discussão.
O Brasil é um dos 189 países signatários dos Objetivos do Milênio (ODM) da Organização das Nações Unidas (ONU). O conjunto de oito diretrizes conhecidas como “8 Jeitos de Mudar o Mundo” prevê políticas de promoção da igualdade entre os gêneros na educação, na política e no mercado de trabalho. Os países têm até o final de 2015 para alcançar uma série de metas e promover profundas mudanças sociais.
A implantação de cotas para mulheres em conselhos de administração é prevista por lei em alguns países da Europa e tem se mostrado uma solução para equilibrar os quadros das empresas. Porém, a saída é criticada, de um lado, por quem defende a meritocracia, e de outro, quando não vem acompanhada de ações afirmativas, como paridade salarial ou políticas que ajudem a conciliar carreira e maternidade, por exemplo.
O próprio conceito de diversidade na gestão das companhias é muito mais abrangente e provocaria vários outros desdobramentos nas discussões se fosse levado a cabo. Membro do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Emílio Carazzai defende:”Para uma empresa, o é ideal compor seu conselho com pessoas que entendam sobre áreas estratégicas para o negócio, independente de gênero, cor ou origem dos profissionais.”
Do ponto de vista do investidor, o especialista em avaliação de empresas Ricardo Rochman, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), concorda: “O acionista está preocupado em ser bem representado no conselho da empresa, e não se há homens ou mulheres ocupando assentos.”
Ainda que o número de mulheres que concluem o ensino superior tenha superado o de homens, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a oferta de profissionais para cargos de diretoria continua sendo predominantemente masculina. O diretor da recrutadora Page Executive, Fernando Andraus, defende o estímulo à participação feminina em cargos de patente menor, de maneira a ampliar essa oferta em posições mais altas com o passar do tempo: “Se não formamos bem a base, como poderemos promover mais mulheres para o topo?”, questiona.
Entretanto, há um ponto sensível no debate: “Infelizmente, muitos dos que se posicionam não estudaram muito sobre esse assunto”, critica o pesquisador da FGV-SP Alexandre Di Miceli da Silveira: “Quem não é a favor das cotas alega que elas vão contra a meritocracia, mas a situação atual não é meritocrática”, explica o acadêmico. Ele argumenta que, se houvesse oportunidades iguais para ambos os sexos, o número de mulheres no alto escalão das companhias não estaria estagnado há mais de uma década, conforme mostra o gráfico abaixo.
Estratégia. A presença de mulheres em cargos de gestão é estratégica, principalmente no que tange a processos de tomada de decisão. Neurocientistas da Universidade do Sul da Califórnia e da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, concluíram que, sob estresse, mulheres assumem riscos menores e obtêm melhores resultados a longo prazo.
Cientes disso, companhias têm buscado igualar o número de candidatos e candidatas a conselhos de administração, explica o especialista em seleção de executivos Fernando Carneiro, da consultoria Spencer Stuart: “Ao menos o conjunto de possíveis futuros membros precisa ser composto por homens e mulheres em igual proporção. Mas a decisão final é da empresa.”
Porém, há uma contradição nesses processos seletivos, conforme observa a superintendente geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Heloisa Bedicks: “Para que o profissional chegue ao conselho de uma empresa, normalmente ele já cumpriu etapas anteriores, como exercer altos cargos de diretoria”. Os principais obstáculos para mudar esse quadro são não somente a cultura de uma organização, mas também o próprio contexto social em que as mulheres estão inseridas.
A superintendente geral do IBGC destaca a maternidade como um dos fatores que mais pesam na carreira, pois quando a mulher se torna mãe, tende a reduzir sua carga de trabalho para conciliar vários papéis. “Pelo fato de ser multitarefa, muitas vezes ela não tem tempo para fazer networking, e diretores costumam indicar pessoas que fazem parte de sua rede de relacionamentos para altos cargos de gestão”, explica e aponta uma solução: “Nós temos que mudar também a cabeça dos recrutadores.”
Cotas. Em 2003, a Noruega foi o primeiro país a aprovar uma lei que determinou que pelo menos 40% dos membros do conselho de administração de qualquer companhia devem ser mulheres. Na esteira, França, Espanha, Holanda, Bélgica e Itália também aderiram ao sistema de cotas, exigindo inclusive a paridade salarial, no caso das organizações francesas, para evitar a participação feminina apenas para cumprir a regra.
No Brasil, o PLS 112/2010, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM), também pôs em discussão a implantação de um sistema semelhante ao da Noruega para empresas estatais e de economia mista. Criticada por Bedicks e elogiada por Di Miceli, a proposta foi encaminhada em 2013 à Comissão de Assuntos Sociais do Senado. O senador João Vicente Claudino (PTB-PI), relator do processo, deve submeter o texto à Consultoria Legislativa até o final de 2015.
A superintendente do IBGC aponta que o projeto de lei é falho por não citar o preenchimento de vagas para suplentes nos conselhos de administração e não prever a paridade salarial, o que daria margem a efeitos reversos: “Eu me sentiria muito mal se meus pares em um conselho pensassem que eu estou ali apenas para cumprir cota.”
Alexandre Di Miceli comemora a proposta: “Estudos mostram que, em termos de governança e de tomada de decisões, empresas estatais só têm a ganhar.”
Ativismo. Membro do conselho de administração da Natura desde outubro, Silvia é a única mulher a ter um assento no órgão que rege a companhia. Ex-Unilever, a executiva que foi responsável por estratégias bem-sucedidas, como a campanha pela “real beleza” da marca Dove, defende políticas além das cotas: “No mundo, de uma maneira geral, existem mais pessoas fechadas do que abertas ao desenvolvimento da mulher. Isso tende a mudar, mas não podemos depender só da inércia. As empresas precisam acelerar essa mudança.”
Dona da rede de hotéis Blue Tree, Chieko integra um grupo de 120 empresárias, lideradas por Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza. O grupo “Mulheres do Brasil” é ativo na luta por maior participação feminina na alta cúpula das companhias: “Acredito que o equilíbrio na forma de atuar dos homens e das mulheres vai ajudar muito no mundo dos negócios.”
Malena Oliveira