Flávia Biroli.
Foto: Gabriela Biló
A reserva de 15% das vagas no Legislativo para mulheres – proposta na reforma eleitoral em debate na Câmara dos Deputados – provocou um embate entre entidades da sociedade civil e lideranças feministas no Congresso. Movimentos que atuam para fortalecer a participação política das mulheres apontam o risco de retrocesso na representação feminina caso o texto seja aprovado. A reivindicação é pela ampliação dessa cota para pelo menos 30%.
O mínimo de 15% das cadeiras nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados para mulheres está previsto no parecer da relatora da reforma eleitoral na Câmara, deputada Renata Abreu (Podemos-SP).
A ideia da relatora é ampliar progressivamente esse piso de 15%, que seria válido já nas eleições de 2022, para 17%, em 2024, e 20% em 2026. “Apresento o texto nas próximas semanas, antes do recesso parlamentar (em julho)”, afirmou Renata, que também é presidente do Podemos.
A Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres, formada por 135 entidades políticas, associações, ONGS, grupos de pesquisa e movimentos sociais, lançou um manifesto definindo a reserva mínima de 15% “como retrocesso por já ser a média atual”. “Uma legislação de cota de assento só é aceitável se partir de 30%”, disse Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da UnB, reiterando os argumentos da Frente.
Nas eleições do ano passado, 900 municípios — do total de 5.570 — não elegeram nenhuma vereadora, embora as mulheres sejam 52% do eleitorado. Apesar do número elevado de cidades sem representação feminina, as mulheres ocupam atualmente 16% das cadeiras nas Câmaras Municipais; 15,2% nas Assembleias e 15% na Câmara dos Deputados.
A reserva de vagas para mulheres é comum em outros países. A experiência mundial, porém, adota cotas entre 30% e 40% para garantir uma “minoria crítica”, ou seja, capaz de interferir de fato no rumo das decisões.
De acordo com as normas hoje em vigor no Brasil, os partidos são obrigados a destinar 5% do Fundo Partidário (espécie de “mesada” de verba pública para custear as despesas gerais das legendas) para incentivar a atuação das mulheres, além de 30% dos recursos do Fundo Eleitoral (previsto somente em ano de eleições) para candidatas mulheres. No ano passado, por exemplo, foram destinados R$ 2 bilhões aos partidos.
Nas eleições de 2018, as primeiras a valer já com a regra dos 30% do Fundo Eleitoral, foram 9.204 candidatas na disputa por cargos, mas apenas 290 foram eleitas no Executivo e Legislativo. Apesar de o Brasil estar entre os países mais desiguais no ranking internacional (mais informações nesta página), o resultado das eleições de 2018 representa um avanço de 52,6% em relação a 2014.
Essa evolução foi resultado direto da reserva de 30% para as campanhas femininas, avalia a cientista política Michelle Ferrati. Segundo ela, que também é diretora do Instituto Alziras, organização sem fins lucrativos voltada a ampliar e fortalecer a presença de mulheres na política e na gestão pública, à medida que se sugere criar um porcentual de reserva de cadeiras inferior a 30%, abre-se caminho para o questionamento em relação aos recursos para campanhas políticas.
“Os pequenos avanços conquistados mais recentemente em termos de ampliação da participação das mulheres em sua diversidade na política brasileira se devem ao acesso a mais recursos para as campanhas, tornando-as mais competitivas. Então, qualquer perspectiva de retrocesso a essa conquista tão recente, de 2018, é absolutamente preocupante”, disse Michelle.
Na avaliação de Flávia, o debate em torno da reserva de cadeiras é uma reação dos partidos à cota de 30% de financiamento para as candidaturas femininas. “Estamos vendo uma situação de reação ao pouco que se avançou no incremento da nossa legislação de cotas.”
Pragmatismo. “É claro que eu e a bancada feminina queremos o mínimo de 30%, mas é muito difícil aprovar essa proposta numa casa com 470 homens”, afirmou a relatora Renata Abreu. “Ou vamos avançando progressivamente ou não vamos aprovar nada.” De acordo com Renata, é impossível falar em retrocesso se, hoje, não existe, efetivamente, nenhuma cadeira reservada. “O que os homens mais querem aqui (na Câmara) é falar em mínimo de 30%. Isso só vai levar à rejeição de qualquer proposta de reserva”, insistiu a relatora, destacando que a cota seria aplicada por Estado, permitindo avanços regionais também. Hoje, por exemplo, o Nordeste não alcança os 15%.
Independentemente do porcentual, a reserva de vagas em si não é consenso absoluto na bancada feminina. Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que faz parte da comissão especial que debate a reforma eleitoral, a reserva de assentos é uma afronta à soberania do voto. “A questão não é reservar cadeira, mas, sim, como a gente incentiva de forma prática as mulheres a participarem da política”, afirmou Adriana.
O Brasil está nas últimas posições na América Latina na paridade de gênero na política, ficando à frente somente do Paraguai – no Haiti, não havia um Parlamento funcionando em 1º de janeiro. Na comparação mundial, o País fica ao lado de nações como Arábia Saudita e Azerbaijão. Em junho, o Brasil passou a ocupar a 140.ª posição do ranking da União Interparlamentar que avalia a participação política de mulheres em 192 países.
“Do ponto de vista da importância das mulheres na sociedade brasileira, esses indicadores são vexatórios para o peso que o Brasil ocupa na geopolítica mundial”, comentou a cientista política Flávia Biroli.
A busca pela paridade interna ainda é um desafio para os partidos políticos. Dados divulgados nesta semana pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que até maio, apesar de representarem 51,8% da população brasileira e mais de 52,8% do eleitorado total do País, as mulheres compõem uma fatia de 45,7% do total de filiados a partidos no Brasil. Em relação às candidaturas, segundo Flávia, os partidos políticos, com algumas exceções, “não apresentam uma prática de compromisso com a igualdade de gênero, com a participação política das mulheres e das pessoas negras”.
Em termos proporcionais, as siglas com a maior representação feminina são o Partido da Mulher Brasileira (PMB), com 55,3% de filiadas, seguido pelo Republicanos, com 52,2%. Desses, apenas o segundo integra a lista dos dez maiores partidos em relação ao número de filiados no País.
Fonte: Estado de São Paulo