Na tarde desta quarta-feira (23), a Câmara Municipal de Maceió (AL) decidiu, por 16 votos a 6, conceder o título de cidadão honorário da cidade ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A repercussão da aprovação, porém, foi ofuscada pelo pedido de censura e ameaças feitas à vereadora Teca Nelma (PSDB-AL), de 22 anos. A mais jovem parlamentar da Casa questionou os argumentos para a aprovação do título e classificou a ação do governo no combate à pandemia como “genocida”.
Por causa da afirmação, Teca se tornou alvo do vereador Delegado Fábio Costa (PSB-AL). Apesar de integrar um partido de oposição declarada ao governo federal, Costa não só saiu em defesa do presidente como pediu a censura da vereadora à Mesa da Câmara pelo termo usado por ela.
“Talvez ela não saiba o significado da palavra genocida como crime (…) Não é o que estamos vendo, o presidente não assassinou absolutamente ninguém, pelo contrário: há pessoas desviando dinheiro. Quero invocar ao presidente da Casa para censurar essa expressão injuriosa da vereadora de Teca Nelma”, disse o vereador e delegado.
Teca retomou a palavra e retrucou os argumentos do delegado, lembrando que a censura foi um instrumento muito usado durante a ditadura e disse que sabia exatamente o significado de genocida. Fábio Costa então disse que iria denunciá-la à Presidência e à AGU (Advocacia-Geral da União) e também ao Conselho de Ética da Câmara de Maceió por quebra de decoro.
“Foi uma surpresa muito grande ter recebido um pedido de censura. Foi uma caça às bruxas”, diz Teca a Universa. “Os homens da Casa não têm noção do que é machismo; dizem, quando cobro, que é ‘mimimi’, que quero chamar a atenção, que sou vitimista, que sou uma criança. Teve um vereador que postou a foto de um bebê para dizer que eu estava reclamando que fui censurada.”
Os ataques a Teca tiveram grande repercussão, e ela recebeu apoio de políticos como os governadores de Alagoas, Renan Filho (MDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Em seu primeiro mandato, a tucana formada em relações internacionais pela UnB (Universidade de Brasília) é filha da deputada federal Tereza Nelma (PSDB-AL). Em entrevista a Universa, ela fala sobre os ataques sofridos, violência de gênero na política e conta que está sempre vestida com uma peça na cor rosa no trabalho como forma de protesto ao machismo, igual a mãe fazia quando era vereadora da capital alagoana.
UNIVERSA: Imaginava que o debate entre os vereadores para a concessão do título de cidadão ilustre de Maceió a Jair Bolsonaro seria tão forte na defesa do presidente?
TECA NELMA: Eu já tinha tido debates calorosos na Casa. Sou a mais jovem eleita em Alagoas — e somos só quatro mulheres vereadoras [só ela votou contra o título a Bolsonaro]. Os casos de machismo já haviam acontecido. Imaginava que, quando tivesse esse debate, seria acalorado, mas não que seria ameaçada de censura, de que iam levar meu discurso para a AGU, para o presidente, para comissão de ética. Foi um verdadeiro caça às bruxas o que aconteceu.
O que mais machucou você neste episódio?
Foi a questão da censura, e outros vereadores concordaram. Quando há debates acalorados lá, já vi vários vereadores bolsonaristas me chamarem de esquerdalha, de petista, dizendo que é mimimi, nem por isso pedi para censurar. Eu prezo pela liberdade de expressão. E no meu caso foi feito um pedido formal ao presidente da Câmara para que eu fosse censurada. Os vereadores falaram que faltou ‘um pouco de maturidade’, que ultrapassei o limite.
Ver meus pares apoiando esse pedido foi um ataque muito grande à democracia. Meu pai é jornalista, ele lutou contra a ditadura, foi até exilado do país. Mas isso foi há 50 anos, ele tem 76 anos, eu tenho 22 anos, e tantos anos depois pedem para eu ser censurada em público. Foi um absurdo.
Por que votou contra a concessão do título de cidadão honorário de Maceió a Bolsonaro?
Não retiro nenhuma palavra! Para mim, é um governo genocida, que é responsável pelas 500 mil mortes na pandemia. Hoje a gente tem a CPI da Covid instalada em âmbito nacional vendo tudo que foi feito contra a compra de vacinas. Hoje ele tem responsabilidade, sim. Nunca votei nesse governo, nem compactuei com suas ideologias. Para mim, ele faz ataque às minorias — e eu as defendo aqui no meu município. Ele é contra as mulheres, as pessoas de baixa renda, os LGBT. É um governo neoliberal que ataca todas as liberdades que existem.
Em seu apoio, o governador de Alagoas chegou a citar o termo “infantilização” para criticar o fato de sua idade gerar preconceito. Isso ocorre também?
Sem dúvida. Quando ele falou infantilizar, lembre-se de que, além da minha juventude, eu sou uma garota. Há um vereador de 24 anos, mas ele não é questionado sobre os conhecimentos que tem. Como sou mulher e jovem, sou questionada diariamente. Senti isso quando eu era candidata, tinha de explicar por que o era, dizer que tinha capacidade de debater qualquer tipo de assunto.
Não é a primeira vez que fui questionada sobre o meu conhecimento. Todas as vezes que tenho um discurso que não coaduna com o que os outros vereadores pensam, a primeira coisa que questionam é: ‘a senhora sabe o que está falando?’. E não foi só um vereador que fez essa pergunta em plenário. Já passei quatro vezes por essa situação. Tenho sempre que explicar que sei o que eu estou falando.
Na Câmara, então, o machismo seria constante?
Entendo que sofro machismo diariamente em todas as pequenas coisas. Lá na Câmara já tive de levantar a voz muitas vezes para ser escutada; tive de bater na mesa, de me levantar. Sinto como se um trator passasse por cima das mulheres. A nossa fala é sempre cerceada.
Os homens da Casa não têm noção do que é machismo; dizem, quando cobro, que é ‘mimimi’, que quero chamar a atenção, que sou vitimista, que sou uma criança. Teve um vereador que postou a foto de um bebê para dizer que eu estava reclamando que fui censurada.
Tenho que provar dupla ou triplamente minha capacidade só pelo gênero. Eu tive de mostrar o meu diploma da UnB para comprovar que sou formada, porque até disso estavam duvidando.
Você esperava tamanha repercussão?
A repercussão demonstra muito bem o que é a luta da mulher para entrar na política e exercer o poder. Mostra o que a gente sofre diariamente. Independente do espaço de poder, a mulher sofre violências que perpassam todas as esferas; e quando a gente fala que até uma vereadora eleita democraticamente recebe ameaça de censura, imagina na periferia o que acontece com ela?
O que ficou de lição desse episódio?
Me dá muita força para continuar. Eu me achava um voz só, mas a gente está no lado certo da história.
Rosa é uma cor que marca o seu mandato. Por quê?
Minha mãe, Tereza Nelma, que é deputada federal, entrou na política quando eu tinha um ano de idade. E quando ela foi eleita vereadora pela primeira vez, era um ambiente mais machista que agora. Não era esperado que a mulher chegasse ao poder, quanto mais que fosse feminina. O rosa é um símbolo de resistência. Dentro da minha casa, a gente adotou o rosa como um marco. A porta do meu gabinete é rosa pink. Vários vereadores fizeram requerimentos contrários. A cor ainda incomoda.
Se considera uma ativista feminista?
Sim, sou uma feminista e sou vegetariana. Sou uma mulher que luta pelas minorias e pelos animais também. Meu propósito de vida é lutar contra a desigualdade.
Por que você optou pelo PSDB?
Quando decidi ser candidata, fui procurada por alguns partidos, e o PSDB me ofereceu a liberdade de expressão. A minha escolha se deu porque o partido tem em seu estatuto a luta pela social-democracia. Eles me garantiram que todas as pautas e lutas que eu tinha seriam respeitadas.
Fonte: UOL