O Brasil possui a quarta maior população carcerária feminina do mundo, com cerca de 42 mil mulheres presas, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Na Bahia, atualmente são 376 internas, que embora estejam sob a responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), acabam lidando com falhas do sistema penitenciário, entre elas a falta ou o baixo número de itens básicos de higiene, incluindo os absorventes.
Incomodadas com a situação e impulsionadas por um projeto semelhante criado no Rio de Janeiro, a terapeuta Jana Leão e a gestora de projetos Andressa Nunes decidiram criar uma campanha voltada a arrecadar verbas para a compra de absorventes biodegradáveis, destinadas às internas do Conjunto Penal Feminino de Salvador. Intitulado ‘Absorvendo Ciclos‘, o projeto tem o objetivo de levantar recursos para a compra de absorventes suficientes para oito meses.
Das 110 custodiadas do Conjunto Penal Feminino de Salvador, 106 menstruam, diz Jana Leão. “Eu venho de um histórico com uma menstruação muito conflituosa, com muita cólica, dores no corpo, então eu sempre me compadeci com essa questão. No ano passado, algumas mulheres do Rio de Janeiro fizeram uma campanha para carcerárias, e foi aí que eu fiquei sabendo dessa situação lamentável que as internas no Brasil passam. Essa campanha é uma forma de conscientizar as pessoas, já que muita gente passa batido mesmo sendo algo natural da saúde da mulher”, conta ela.
Apesar da importância da iniciativa, Jana diz que enfrentou alguns obstáculos pelo caminho. O principal foi a própria realidade do sistema prisional, que dificulta o acesso das internas aos tipos de absorventes mais duráveis, fazendo com que haja sempre a necessidade de se repor os estoques.
“A ideia era doar absorventes de pano que podem ser reutilizados e ter uma vida de dois anos. No entanto, a administração do presídio disse que era inviável por falta de espaço para lavar ou secar o pano. Coletor (menstrual) também não tinha como, porque precisa ferver para manter e não é toda mulher que se adapta. Então a gente vai investir em um tipo de absorvente que é descartável, mas biodegradável. Ele sai mais barato e também diminui a poluição gerada pelos convencionais”, explica. O absorvente em questão é vendido pela Startup baiana Ecociclo, que criou o primeiro absorvente biodegradável nacional.
Outro ponto problemático, segundo Jana, tem sido a baixa adesão à campanha. Segundo ela, muita gente tem preconceito em ajudar mulheres em situação carcerária ou não se interessa pelo assunto. A meta de arrecadação para comprar os absorventes é de R$ 12 mil mas, até agora, menos da metade do valor foi obtido.
“Tem muita gente, incluindo mulheres, que dizem que não querem ajudar ‘marginais’. Recebi respostas afirmando que fornecer os absorventes é obrigação do governo. Realmente é. Mas se a gente, civil, não entra no lugar de consciência, como vamos melhorar a sociedade? A gente não quer discutir o crime que elas cometeram, o motivo delas estarem lá e, sim, garantir um mínimo de dignidade. Eu, como mulher, me sinto compadecida e – por que não – todas as classes e gêneros também? Claro que existem diversas outras causas, mas uma coisa não invalida a outra. A gente pede aí que quem não puder ajudar, divulgue”, pede.
Ao Portal A TARDE, a diretora do Conjunto Penal Feminino de Salvador, Karina Moitinho, afirmou que o Estado, por meio da Seap, entrega periodicamente kits de higiene na unidade. Ela diz que familiares e amigos também podem levar alguns itens, mas que a visita e a entrega por parte destes grupos estão suspensas devido a pandemia. Quanto aos procedimentos de higiene, estes são feitos nas próprias celas, que possuem pia, chuveiro e vaso sanitário.
No entanto, Karina destaca que as doações de absorventes e outros itens de higiene por parte de ONG’s, igrejas e pessoas da sociedade civil são sempre bem-vindas.
“É de conhecimento que muitas mulheres em situação de vulnerabilidade social não têm acesso a esse item tão importante. A doação de absorventes não só ajuda na preservação da saúde, mas também na proteção da dignidade e no respeito do ser mulher”, ressalta.
Pelo direito de menstruar
Tratado como tabu, o tema da menstruação em presídios foi abordado no livro da jornalista Nana Queiroz, “Presos que menstruam: A brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras”. Dentre as situações de precariedade que ela denuncia, estão casos de detentas que utilizavam miolo de pão, pedaços de papel higiênico e de lençóis, por exemplo, para tentar conter o fluxo menstrual.
O acesso ao absorvente para mulheres carentes em ambientes educacionais, de saúde e prisionais é alvo do Projeto de Lei nº 24.107/2021, da deputada estadual Olívia Santana, em parceria com o Roda Baiana Girl Up. O objetivo é combater a pobreza menstrual, conceito que, segundo Jana, vai além da dificuldade em se obter absorventes, passando ainda por problemas como a falta de conhecimento e saneamento básico. É possível assinar uma petição para “pressionar” a assinatura da PL clicando neste link.
Para Jana, é importante pressionar a aprovação da PL para garantir que as internas continuem tendo acesso aos absorventes mesmo após a ocorrência do “Absorvendo Ciclos” e de outras iniciativas semelhantes.
“A ideia de movimentar a PL é ir na fonte do problema. A gente quer que os políticos olhem para essa questão, e que as pessoas também tenham essa consciência”, ressalta.
Como ajudar
O link para doação da Campanha “Absorvendo Ciclos” está no site Catarse. Os valores sugeridos variam de R$ 10 a R$ 100 e é possível parcelar em até seis vezes. O projeto está aberto por tempo indeterminado, até chegar à quantia de R$ 10.536, que será somada ao valor obtido na primeira edição da doação, até que seja batida a meta final de R$ 12 mil.
Todo o valor arrecadado será revertido para a compra de absorventes descartáveis biodegradáveis para as 106 internas do Conjunto Penal Feminino de Salvador. Mais informações, como a prestação de contas dos valores arrecadados, podem ser encontradas no perfil do instagram “Sou Lab do Ser”, de Jana Leão e Andressa Nunes.
Fonte: Portal A TARDE