Em 2014, a Convenção de Belém do Pará – como ficou conhecida a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher – completa 20 anos de vigência. Adotada pela Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) em 9 de junho de 1994, na cidade brasileira de Belém, a Convenção é considerada um marco no enfrentamento à violência contra as mulheres, já que ela exige dos Estados um compromisso efetivo na erradicação da violência de gênero a partir da criação de legislação específica.
A importância da Convenção “A Convenção define a violência contra as mulheres como qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que é uma categoria essencial para apontar desigualdades entre homens e mulheres e buscar políticas que busquem equacionar essas desigualdades. Também coloca um princípio extremamente importante, que é: toda mulher tem direito a uma vida sem violência. Exige ainda que o Estado garanta essa vida sem violência. Demanda políticas públicas para isso e aponta diretrizes para essas políticas, visando promover mudanças socioculturais de mulheres e homens”, resume a ativista Maria Amélia de Almeida Teles. A partir do reconhecimento da responsabilidade dos Estados, ao longo dos últimos 20 anos diversos países formularam suas próprias leis para coibir a violência contra as mulheres, campo em que o Brasil tornou-se referência com a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), em 2006. A conjugação das normas internacionais com leis nacionais foi essencial para tirar a violação dos direitos humanos das mulheres da invisibilidade, aponta a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), Eleonora Menicucci. “A violência doméstica e sexual contra as mulheres foi tirada de debaixo do tapete e não podemos escamoteá-la jamais. É fundamental que o Executivo assuma cada vez mais a sua responsabilidade em formular e implementar políticas e melhorá-las sempre”, frisa. Fórum Hemisférico vai promover balanço dos 20 anos da Convenção Descortinar o problema, porém, é apenas o primeiro passo de um longo processo de transformação que inclui a criação de serviços específicos para atendimento àquelas que tiveram seus direitos violados, o fomento à capacitação de pessoal e a modificação de padrões socioculturais. Nesse contexto, o governo brasileiro, a pedido da OEA e da Conferência Interamericana da Mulher, vai sediar o Fórum Hemisférico “20 Anos de Combate à Violência contra a Mulher: Uma avaliação da Convenção de Belém do Pará”, previsto para acontecer em Brasília, de 15 a 17* de abril de 2015. A expectativa é que o Fórum conte com mais de 350 participantes dos 32 países que aderiram à Convenção de Belém do Pará e com representantes internacionais, além de ministras de Assuntos das Mulheres de diferentes países e representantes de governos e da sociedade civil engajados em analisar avanços e desafios para efetivamente erradicar a violência. Desempenho do Brasil Para garantir a adoção de suas regras e recomendações nas diferentes realidades regionais dos países da OEA ao longo dos anos, a Convenção possui dois tipos de mecanismos de acompanhamento. Um deles é o Mecanismo de Proteção, que permite a apresentação de petições individuais ou coletivas referentes a violações para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, posteriormente, à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Este dispositivo foi usado no próprio caso de Maria da Penha, lembra a advogada Maria Amélia de Almeida Teles, que inspirou o nome popular da Lei nº 11.340/2006. “Com esse mecanismo, a Convenção trouxe um instrumento internacional que abriu caminhos para os operadores do Direito, profissionais dos direitos humanos e ativistas de movimentos sociais. O Estado brasileiro, por exemplo, foi condenado em 2001 no caso da Maria da Penha, o que reforçou a demanda paralela que havia na sociedade por uma lei de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil”, explica. E é justamente no campo legislativo que o Brasil registrou os maiores avanços nestes 20 anos de vigência da Convenção, segundo Leila Linhares Barsted, a representante brasileira no outro Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção, o MESECVI, um sistema independente criado em 2004, baseado em consenso, para examinar os progressos alcançados na implementação dos objetivos da Convenção nos países. Para Leila Linhares, muitos avanços importantes aconteceram também com a criação dos serviços especializados encarregados de efetivar a Lei, como os Juizados, Centros de Referência, casas abrigo e delegacias de atendimento às mulheres. Apesar dos progressos, existem ainda muitas lacunas entre as regras ratificadas pelo País com a adoção da Convenção e a realidade vivida pelas brasileiras. “Os próprios serviços precisam ser expandidos, pois sabemos que, considerando o tamanho do Brasil, o número de municípios com estes serviços ainda é limitado”, pondera a advogada, que é diretora-executiva da Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação. Para contribuir com a superação dos desafios que persistem, o MESECVI elaborou e lançou em setembro deste ano um Guia para a aplicação da Convenção de Belém do Pará (disponível em inglês e espanhol). A prevenção à violência também é apontada pela integrante do MESECVI como um desafio que permanece, não só no Brasil, mas na maior parte dos países. “Em um primeiro momento da Convenção, foi dado enfoque prioritário para as questões da Segurança e da Justiça. Mas não podemos atuar só depois que a violência já aconteceu; é preciso agir para que ela não aconteça e, para isso, as mentalidades precisam mudar”, define Leila Linhares. Diante desse diagnóstico, nas últimas recomendações elaboradas pelo mecanismo aos países, reunidas em um documento que ficou conhecido como Declaração de Pachuca, há um enfoque grande na prevenção, com foco inclusive no papel da educação e da mídia nessa frente. De acordo com a especialista, o Fórum Hemisférico será o momento para se fazer esse balanço dos 20 anos. “Devemos abordar os dois olhares: o da prevenção e da atenção à mulher em situação de violência e também o da punição, porque não se pode banalizar esse crime, que é uma grave violação de direitos humanos”, indica. |
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Fonte: Portal Compromisso e Atitude
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