A representação de mulheres na Câmara dos Deputados cresceu 50% na última eleição, mas, mesmo assim, o Brasil ainda está longe de um equilíbrio entre gêneros nos Poderes. Estudo feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pela ONU Mulheres mostra o que o País registra os mais baixos índices de representatividade feminina e de paridade política entre os sexos na comparação com os seus vizinhos da América Latina.
O levantamento analisou 40 indicadores, divididos em oito temas, como direito ao voto, participação das mulheres em partidos, Poderes e em cargos públicos, além das condições para elas exercerem suas funções, e atribuiu uma nota de 0 a 100 para cada nação. Foram avaliados 11 países latino-americanos. O Brasil ficou na 9.ª posição, com 39,5 pontos. O México foi o mais bem avaliado com 66,2 pontos e, por último, o Panamá, com 37 pontos.
Chamado de Atenea, o projeto foi criado para alcançar a paridade de gênero e acelerar a participação política das mulheres em países da região. O estudo foi feito desde 2014 e, no Brasil, foi realizado entre janeiro e maio de 2019.
A conclusão é que, embora compromissos de aumentar a participação feminina na política tenham sido formalizados por diferentes instâncias de poder no Brasil, as medidas até agora são periféricas e insuficientes.
Um desses exemplos é a cota de 30% de mulheres que partidos precisam cumprir na hora de lançar candidaturas para deputados ou vereadores. Essa regra é considerada no estudo frágil e passível de fraude com a prática do registro de nomes que não estão de fato concorrendo às eleições. Ativistas vêm questionando o uso da expressão “candidatas laranja” para se referir a fraudes envolvendo o registro de mulheres em disputas eleitorais. “A expressão joga uma carga de responsabilidade para a mulher, como se elas fossem responsáveis por se submeter a essa situação”, afirmou ao Estadão a advogada eleitoral Paula Bernardelli, da Associação Visibilidade Feminina, em julho.
Desde as eleições de 2018, os partidos também são obrigados a destinar 30% do valor que recebem do fundo eleitoral – dinheiro público usado para bancar as campanhas – às candidatas.
O PSL, partido que hoje ocupa a segunda maior bancada da Câmara, por exemplo, é investigado em Minas Gerais e em Pernambuco sobre a suspeita de ter usado “laranjas” para cumprir a regra na última eleição.
“Tem tido iniciativas no sentido de se buscar uma maior representação formal feminina, principalmente, a questão do financiamento de campanha, mas o passo largo que ainda não foi dado é que isso precisa partir dos partidos. Não existe uma iniciativa em conjunto das legendas”, disse a doutora em ciência política pela USP e professora da FGV, Graziella Testa.
A Câmara tem hoje proporcionalmente a bancada mais feminina da história, com 77 deputadas, representando um aumento de 50% em relação ao mandato anterior (51). Assim, elas passaram a representar 15% do total de parlamentares. Entre as eleitas, 43 ocupam o cargo pela primeira vez.
O estudo aponta que, mesmo com a maior participação, há, ainda, uma consistente divisão sexual do trabalho político que exclui as deputadas e senadoras dos âmbitos decisórios de coordenação. “A Câmara tem muitas regras informais e resulta disso que o tempo de casa importa muito para capacidade de atuação. Tem muitas mulheres novatas e o que tem acontecido é que elas têm menos posições de lideranças”, disse Testa.
A deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), coordenadora da bancada feminina da Câmara, quer mais relatorias de projetos relevantes para as deputadas. “Não adianta vaga, é preciso espaço para poder ter poder”, disse. Ela foi a relatora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tornou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) permanente, uma das propostas mais importantes aprovadas pelo Congresso neste ano, o que já é considerado um avanço.
“No meu primeiro mandato, deixavam a bancada liderar o plenário no 8 de Março (Dia da Mulher) e se escolhia projetos às vezes muito simples, como datas comemorativas, mas era quase como ofensivo, na minha opinião, porque não era uma reunião padrão com todos os líderes presentes, eles meio que deixavam a gente brincar de casinha naquele dia”, afirmou a deputada.
Em relação às estruturas partidárias, o projeto avaliou a composição de 30 legendas com representação no Congresso. “Ainda que quase todos os partidos tenham setoriais de mulheres e que quase metade apresente compromissos com princípios de igualdade de gênero nos seus estatutos, vê-se que sua adesão é muito mais retórica do que efetiva”, diz o estudo.
“Temos barreiras gigantescas a serem ultrapassadas nos partidos políticos que são majoritariamente comandados por homens que estão lá já há muitas décadas”, afirmou a deputada Tabata Amaral (PDT-SP). “São esses mesmos homens que em salas fechadas vão decidir que serão os candidatos, quanto cada um deles vai receber e, seguindo uma lógica de se manter no poder, esses homens tem muitas vezes medo de mulheres independentes que já são líderes em suas comunidades e acabam sempre por preencher essas vagas ou com candidaturas laranjas ou de pouquíssima expressão”, disse.
Nesse sentido, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a primeira mulher a presidir a Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado na história, apresentou no mês passado um projeto para garantir que as legendas reservem, no mínimo, 30% dos cargos dos órgãos partidários para elas. A proposta também prevê que nos órgãos de juventude das siglas a reserva seja de 50%. Pelo texto, as legendas têm até 2028 para chegar a esse patamar.
“A apresentação desse projeto surgiu após a homologação inédita de um acordo do meu partido MDB, formulado pelo presidente Baleia Rossi como Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de estabelecer nos próximos anos, progressivamente a participação de mais mulheres na direção partidária”, disse Tebet. “Se a mulher não puder participar da decisão partidária, ela nunca vai ter a oportunidade de competir em pé de igualdade.”
A representante do PNUD no Brasil, Katyna Argueta, foi a responsável pela implementação do estudo no México, em 2017. “A iniciativa contribuiu fortemente para as discussões naquele país. Cerca de um ano e meio depois, o México aprovou uma grande reforma para garantir que 50% dos cargos públicos fossem ocupados por mulheres”, disse Argueta na divulgação do estudo. Os mexicanos hoje estão no topo do ranking.
Fonte: Estadão