Mesmo com o passar dos anos, a representatividade das mulheres continua sendo bem menor do que a dos homens no cinema. Elas ganham menos e protagonizam apenas 15% das produções De tempos em tempos, a disparidade entre homens e mulheres na indústria cinematográfica é um dos temas da moda em Hollywood. Durante o Festival de Cannes, na França, Cate Blanchett, vencedora do Oscar de melhor atriz por Blue Jasmine, trouxe a discussão de volta à pauta ao dizer que, mesmo em 2014, as mulheres ainda recebem menos do que os homens para fazer o mesmo trabalho. “Não entendo isso. Mas é um questionamento que só as mulheres se fazem”, comentou a australiana. Há dois meses, a atriz Lena Dunham, do seriado Girls, também levantou o problema em participação no Austin SXSW Film Festival. Protagonista de uma série televisiva que tenta representar jovens nova-iorquinas sem estereótipos, ela pediu que os estúdios mudem a forma como enxergam as mulheres. “Não há espaço para mim no sistema atual”, lamentou a norte-americana. A diferença salarial, a representação estereotipada e a falta de espaço para as mulheres à frente dos filmes como protagonistas, diretoras e produtoras acabaram virando tese de pesquisa de Martha M. Lauzen, diretora do Centro de Estudo para Mulheres na Televisão e no Cinema da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos. Pesquisando os 100 filmes de maior bilheteria do ano passado, a estudiosa chegou a conclusão que apenas 15% das produções tinham mulheres como protagonistas, 29% contavam com elas entre os personagens principais e somente 30% dos longas tinham falas para as personagens femininas. Lançado neste ano, o estudo intitulado It’s a man’s (celluloid) world: On-screen representations of female characters in the top 100 films of 2013 (É o mundo dos homens: representações na tela de personagens femininos nos 100 filmes de maior bilheteria de 2013, em português) também mostra que isso não mudou ao longo dos anos. Na verdade, em 2002, as mulheres eram 16% das protagonistas e, em 2011, ocupavam 11% dos papéis de destaque dos longas mais vistos pelo mundo. “Os estúdios terão que reconhecer isso como um impasse algum dia. Mas a grande questão é que não é visto assim. Na minha percepção é que eles não necessariamente veem as mulheres não sendo representadas nas telas e a pouca presença delas por trás das cenas como um problema”, revela Martha Lauzen em entrevista a revista Time. A diretora, produtora e professora da Academia Internacional de Cinema, Alessandra Haro, concorda. Para ela, que trabalha na área há 17 anos, não há visibilidade da mulher no cinema. “Nós continuamos dentro de uma sociedade patriarcal, onde a representatividade da mulher é bem menor do que a do homem. Eles, por exemplo, acabam ganhando mais exercendo os mesmos papéis na indústria”, afirma. Alessandra acredita que é necessário que essa luta ultrapasse uma busca simplesmente feminina. “Os homens também têm que lutar pelo fim dessa diferença. Somos todos seres humanos e trabalhamos de forma igualitária”, defende. Forma de representação Dos 100 filmes incluídos na pesquisa de Martha M. Lauzen, é possível listar alguns que tiveram bastante destaque no mercado cinematográfico e que tinham mulheres como protagonistas. Estão no ranking Jogos vorazes, com Jennifer Lawrence, e Gravidade, com Sandra Bullock. Eles mostram personagens fortes e que saem um pouco do estereótipo de sexo frágil. No entanto, esses papéis são raros. A própria pesquisa indica que, normalmente, as tramas têm personagens homens em papéis de liderança e apostam em problemáticas relacionadas a relacionamentos para as mulheres. “Há uma pré-concepção de que o universo feminino é frágil e dependente do masculino. Sei que os conflitos são diferentes, mas acho que a visão ainda é muito preconceituosa. É a mesma coisa de que no Brasil só se vende violência e pobreza nos filmes, como se o país só fosse isso”, exemplifica a professora Alessandra Haro. Para a doutora em cinema e cultura da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Tania Montoro, o cinema distorce a realidade da maioria das mulheres. “A representação do feminino ainda é ancorada em um tripé: jovem de corpo esbelto, linda e daí por diante. Na maioria dos filmes de amor, que tem a maioria da audiência feminina, os fins são felizes, e o modelo da família imaginária continua o mesmo”, explica. O motivo dessa distância da realidade pode ter a ver com o fato de que as mulheres também têm pouca participação na concepção dos roteiros. “No cinema, a função de direção é equivalente a autoria. Quem dirige, portanto, assina uma obra e imprime-lhe um estilo, um olhar”, comenta a coordenadora do curso de cinema e audiovisual da Universidade Estadual de Goiás Jô Levy. A professora também resolveu analisar os 10 filmes de maior bilheteria dos 100 da pesquisa, entre eles, estão Thor: o mundo sombrio, Homem de ferro 3 e Velozes e furiosos 6. “É possível notar que são filmes destinados a um público jovem e masculino. Então não me parece estranha a escolha dos protagonistas homens”, comenta. Por isso, profissionais como Alessandra Haro lutam para que as mulheres tenham mais participação na concepção de filmes e também que a temática tenha mais visibilidade. “Quantos mais longas falarem sobre as mulheres, tiverem protagonistas e profissionais do sexo feminino, isso, de certa forma, vai ajudar a mudar o pensamento da sociedade”, explica a professora da Academia Internacional de Cinema. Distribuição Outro ponto que pode ser levado em consideração quando se pensa na “ausência” das mulheres nas telonas é ligado à distribuição dos filmes. Os estúdios e as distribuidoras não enxergam potencial de mercado na maioria dos longas protagonizados e feitos por mulheres. “Às vezes, a gente tem uma produção bacana, mas com uma visibilidade pequena. Temos filmes de qualidade, maravilhosos… Mas, se não tivermos verba, eles não vão para o circuito de cinemas e ficamos sem essa representação”, lamenta Alessandra Haro. Para Martha M. Lauzen é preciso que as mulheres se unam pela causa. “Elas podem investir seu dinheiro para ver filmes com mulheres sendo protagonistas. Essa é uma forma de apoio. Será ótimo e de bastante ajuda”, entende a estudiosa responsável pela pesquisa. Para assistir Elena (2012): documentário brasileiro dirigido por Petra Costa baseado na vida da atriz Elena Andrade, que sonha em virar atriz de cinema. “Mostra o universo feminino de forma bastante profunda”, analisa Alessandra Haro. Repare bem (2013): longa da portuguesa Maria de Medeiros que trata da força das mulheres durante a ditadura no Brasil. “As mulheres também tiveram resistência e um papel muito importante dentro da sociedade”, completa Alessandra. |
Fonte: Correio Braziliense
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