Cresce o número de mulheres que tem suas imagens íntimas disponibilizadas nos meios digitais por atos de vingança e humilhação As mídias digitais (Internet: redes sociais, aplicativos, sites e afins) também podem ser utilizadas como instrumento para disseminar preconceitos que se refletem fora do universo virtual. A falta de regulamentação torna a rede um espaço fértil para crimes de ódio, o que teoricamente começaria a ser combatido a partir da aprovação do Marco Civil da Internet. Porém, no caso da violência contra a mulher no mundo virtual a situação tem elementos mais peculiares. A Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo 5º, o direito à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Contudo, lamentavelmente, cresce o número de mulheres que tem suas imagens íntimas disponibilizadas nos meios digitais por atos de vingança, humilhação ou autopromoção. Desta forma, a divulgação de materiais íntimos pode alcançar centenas de sites e milhares de pessoas em pouquíssimo tempo. É comum que os casos de fotos e vídeos íntimos publicados na rede sejam provocados por parceiros que não aceitem o fim do relacionamento e que procuram atingir a integridade física, moral e psicológica da vítima, seguindo o mesmo padrão de violência contra a mulher, extensamente analisado por estudos sociais. Após a divulgação das imagens íntimas, a interatividade proporciona uma espécie de “histeria coletiva”, provocando um julgamento moral em que milhares de pessoas desconhecidas comentam as imagens, compartilham e promovem um ciclo de violência contínua às vitimas, que não atinge apenas a vida virtual, mas também o seu cotidiano, através de novas ameaças (em geral físicas). O nome dado para tal ação na internet é “pornografia de vingança”, “pornô de vingança” ou “pornografia de revanche” e atinge principalmente jovens mulheres (16 a 26 anos). As vítimas da “pornografia de vingança” são expostas de uma maneira incontrolável. Na gíria popular, elas “caíram na rede”. Não existe um levantamento específico sobre esse tipo de agressão, por isso, não há estatísticas das vítimas. Porém, essa conduta tornou-se comum com a popularização da tecnologia e das mídias digitais, além do não conhecimento da existência de leis e métodos que podem efetivamente punir os infratores, provocando uma sensação de impunidade. O caso do aplicativo de comunicação instantânea e multimídia WhatsApp é emblemático. Permitindo que mensagens sejam trocadas sem pagamento de SMS, o aplicativo tornou-se um fenômeno mundial (em junho de 2013, alcançou a marca dos 250 milhões de usuários ativos e 25 bilhões de mensagens enviadas e recebidas diariamente). Neste caso, bastam dois cliques (literalmente) para repassar qualquer arquivo para dezenas de pessoas (as vezes dezenas de milhares) em questão de segundos. E uma simples pesquisa revela comunidades com milhares de membros destinados a prática de divulgar imagens íntimas. Isso é uma novidade? De maneira alguma. O SMS e o email já eram usados com essa finalidade. Porém, tratava-se de um processo relativamente lento. Passava-se o material para um amigo, que repassava para outro. Agora, há um processo mais intenso e sofisticado. Junto dos vídeos e fotos, são compartilhados o maior número possível de informação pessoal, como links da vítima nas redes sociais e o número de telefone. E, isso tem culminado em trágicos desfechos, como suicídios de adolescentes. Feminicídio 2.0 O termo “feminicídio” é comumente usados como sinônimo para a morte de mulheres em razão de seu sexo. O feminicídio é algo que vai além da misoginia, criando um clima de terror que gera a perseguição e morte das mulheres a partir de agressões físicas e psicológicas dos mais variados tipos, como abuso físico e verbal. Ao adicionarmos o conceito “2.0”, podemos sinteticamente nos referir a um estágio específico das mídias digitais, onde a interação e participação ativa é a base estruturante, temos uma forma de agressão e de violência contra as mulheres sem precedentes na história. A rapidez, o impacto e a amplificação de tudo que transita nas mídias digitais está revelando um lado sórdido, ao ser utilizado para expor, humilhar e prejudicar mulheres e adolescentes. No Brasil, em menos de 7 dias, foram 2 casos de suicídios de jovens brasileiras, decorrentes da exposição de fotos ou vídeos íntimos por ‘ex namorados” nas mídias digitais. Uma jovem de 17 anos do Piaui se suicidou no dia 10 de novembro, após ter seu vídeo íntimo publicado no aplicativo pelo WhatsApp. No dia 20 de novembro, outra jovem, esta com 16 anos, cometeu suicídio na Serra Gaúcha, horas após descobrir que havia fotos íntimas nas redes sociais. Em comum, os casos tem como principal suspeito “ex-namorados”, que roubaram ou detinham tais imagens e que após o fim do namoro a utilizaram como uma forma de humilhar e se vingar de suas ex namoradas. Entre o período das duas mortes, tivemos outro caso de repercussão nacional. Uma jovem de 21 anos, aluna de letras da Universidade de São Paulo (USP), denunciou no dia 18 de novembro o ex-namorado, um búlgaro de 26 anos, também estudante do mesmo curso, por postar fotos íntimas dela no Facebook e de ameaçá-la de morte após o fim do namoro. Outro caso público, aconteceu em outubro de 2013, com uma jovem de 19 anos, moradora de Goiânia. A vítima teve seus vídeos espalhados no WhatsApp pelo ex-namorado, com nome completo, do endereço do trabalho e do número do celular. Pelo menos 2 milhões de pessoas acessaram o vídeo e a jovem perdeu o emprego e abandonou a faculdade. Estes dois últimos têm em comum o fato de as vítimas considerarem fortemente o suicídio como uma alternativa à situação. Legislação Nos Estados Unidos, por exemplo, o “Revenge Porn” ganhou uma lei específica na Califórnia, que fornece as vítimas desta prática possibilidades para processar a pessoa que publicar imagens na internet sem seu consentimento. A legislação atual no Brasil, relacionada à chamada “vingança pornô” é ultrapassada, com penas leves associadas à difamação. Acerca dos crimes digitais, em 3 de dezembro de 2012 fora sancionada a Lei 12.737/2012, também conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que tipifica como crime pontos da segurança digital, como a invasão de dispositivos (smartphones e PC’s) e promoveu alterações no Código Penal Brasileiro. Os delitos previstos na Lei Carolina Dieckmann são: 1) Art. 154A – Invasão de dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. 2) Art. 266 – Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública. Pena – detenção, de um a três anos, e multa. 3) Art. 298 – Falsificação de documento particular/cartão. Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. Já sobre legislação para coibir a disseminação do “pornô de vingança”, há dois projetos em tramitação no Congresso. Um das iniciativas prevê uma tipificação específica, com aplicação de pena de três anos de detenção, mais indenização da vítima pelas despesas com perda de emprego, mudança de residência, tratamento psicológico. O outro projeto prevê que qualquer divulgação de imagens, informações, dados pessoais, vídeos ou áudios obtidos no âmbito de relações domésticas, sem o expresso consentimento da mulher, passe a ser entendido como violação da intimidade. Essa violação de intimidade, pela proposta, passaria a ser considerada violência doméstica. Porém, com a velocidade dos acontecimentos, aguardar o legislativo aprovar uma Lei e a mesma ser sancionada não é capaz de garantir o fim de uma “epidemia de suicídios de jovens brasileiras”. Por Brunna Rosa, publicado no Blogueiras Feministas e reproduzido pela Revista Fórum com autorização da autora |
Fonte: Revista Forum
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