Na última década, a quantidade de mulheres nas prisões brasileiras aumentou 240%, chegando a 35 mil detentas. Em contrapartida, atendimento específico para presas não acompanhou o crescimento A menina que nasceu no presídio e, depois de adulta, retorna como detenta significa mais do que a repetição de uma tragédia familiar. Paloma Alves Silva, cuja história o Correio revela na página anterior, não está sozinha. É personagem de um fenômeno demográfico no Brasil: a feminização das cadeias. Na última década, a taxa de crescimento de mulheres encarceradas no país explodiu, chegando a 240%, de 2002 a 2012, o dobro do aumento da presença dos homens no mesmo período, de 124% (veja quadro). Duas em cada cinco presas foram condenadas por tráfico de drogas, repetindo um roteiro traçado por Paloma, que inclui a vivência no mundo paralelo da rua. A maioria tem de 20 a 35 anos, escolaridade precária e média de dois filhos menores de 18 anos. O salto expressivo da presença delas nas prisões — eram 10 mil mulheres em 2002, hoje são 35 mil — não veio acompanhado de condições dignas para as necessidades específicas da presa. Todo o sistema conta com apenas 15 médicos ginecologistas, o equivalente a um profissional para cada 2.335 mulheres, de acordo com dados apresentados recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça. Ainda segundo o órgão, 30% dos quase 80 estabelecimentos femininos não têm creches ou berçário, ao contrário do que determina a Lei 11.492/2009. Módulos de saúde para gestantes e parturientes são ainda mais raros. Só existem em metade das unidades para mulheres. O último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, de dezembro passado, registrou 166 crianças vivendo dentro das prisões. “Se os presídios femininos funcionassem conforme manda a legislação, não seriam violadores de direitos dessas mães, desses filhos, dos profissionais que lá trabalham. Ser filho de um preso, com a ausência de um sistema de garantias, de abrigos adequados, conselhos tutelares e assistência social efetiva, traz uma vulnerabilidade incontestável a esse sujeito”, diz o psicólogo Pedro Paulo Bicalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador nacional de direitos humanos do Conselho Federal de Psicologia. Ao observar o elevado índice de mulheres presas por tráfico (42%, contra 25% entre os homens), o especialista critica a política de entorpecentes do país. “O encarceramento feminino é um dos efeitos da chamada guerra contra as drogas, que foca na repressão e investe pouco na prevenção e no cuidado.” Resultado ou não da política atual, nunca foi tão elevada a proporção de presos no Brasil, que hoje já se aproxima da terceira colocação no ranking mundial, perdendo para os Estados Unidos, Rússia e China. São 287 encarcerados para cada 100 mil habitantes. No ritmo atual, logo o país tomará o título do Chile de primeiro lugar na América Latina. Além das taxas escandalosas, o carimbo da prisão brasileira atinge a parcela mais vulnerável da população: analfabetos ou semialfabetizados, negros e com baixa qualificação profissional. “Não é que os menos favorecidos tendem a cometer mais crimes. Mas eles se expõem mais nos crimes que cometem, que é o roubo, o sequestro. Além de não terem defesa adequada, dinheiro, informação”, destaca Sandra Greenhalgh, psiquiatra forense e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Bicalho completa o raciocínio com uma comparação. “O tráfico de drogas também é cometido pelos brancos de alta escolaridade, mas dificilmente eles vão para a cadeia, como acontece com os pobres. Sem contar outros crimes envolvendo sobretudo dinheiro público. Não dá para negar que o sistema é seletivo.” |
Fonte: Correio Braziliense
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