Psicanalista prevê ‘confusão emocional’ para casais e até aumento de divórcios. Para antropóloga, nova geração terá ganhos A valorização das empregadas domésticas, coroada pela emenda constitucional recém-aprovada que dá mais direitos a essas profissionais, pode impulsionar a tão aguardada redistribuição das atividades inevitáveis do dia a dia. As famílias terão de se reorganizar para viver em uma rotina que vai tornar obrigatória a participação de homens, mulheres e crianças nas tarefas domésticas. O psicanalista Ary Band prevê tempos de “confusão emocional” e acredita até num aumento do número de divórcios. — Sem que as pessoas entendam diretamente as consequências, (a falta de empregada) pode minar as relações que já estão mais ou menos — afirma. — Tudo que é problema gera tensão e as pessoas procuram um bode expiatório — acrescenta. — O mais importante é a mudança de postura. Vão mudar as relações dentro das famílias, a imagem da mulher e a cabeça das crianças, que vão ter que passar a arrumar a cama e esquentar a comida, sem a imagem da escrava. Mulher pode ficar sobrecarregada O administrador Pedro da Fonseca admite que teve dificuldades para se adaptar a certas responsabilidades quando se casou. Seu pai não é muito afeito às tarefas domésticas, responsabilidade da mãe e da empregada doméstica. Hoje, com 30 anos e uma filha de sete meses, conta que divide tudo com sua mulher. O grupo do qual ele faz parte ainda não é relevante nas estatísticas do IBGE, mas, entre as novas gerações, já conquista muitos membros. Depois da aprovação da proposta, conhecida como PEC das Domésticas, Pedro e a mulher fizeram suas contas e decidiram demitir a empregada mensalista para contratar uma diarista. — Agora, o trabalho vai aumentar. Mas vamos dividir. Hoje em dia, quem sai da casa dos pais não tem mais empregada doméstica, e a divisão de tarefas é natural — diz. Crianças terão que ajudar mais — Se a mulher não souber exigir uma divisão da responsabilidade, vai ficar sobrecarregada — alerta Mirian. — O Brasil era uma sociedade escravocrata ainda e não obrigava marido e crianças a assumirem suas responsabilidades. Não é questão de ajuda, mas de responsabilidade. De tanto delegar as tarefas domésticas a suas duas empregadas, que tinham até cartão de crédito para fazer compras no supermercado, Pedro Neiva, de 31 anos, e sua mulher se sentiam turistas dentro da própria casa. Para participar mais da rotina dos dois filhos, decidiram mudar radicalmente. Saíram do Rio para Vitória, no Espírito Santo, onde a mulher encontrou um emprego melhor e Pedro passou a ser dono de casa. Hoje, ele leva as crianças para a escola, sabe o que comem e como anda o dever de casa: — (O aspecto financeiro) Foi considerado. A gente tinha despesa muito grande com domésticas. Mas o mais importante foi ganhar qualidade de vida, assumir mais a criação dos filhos. Divisão de tarefas une o casal Na casa da produtora cultural Juliana Cassidy, em Ipanema, não só o marido, o italiano Matteo Facheris, desempenha tarefas domésticas, mas também as crianças. Enquanto ele cozinha e ela cuida das roupas, as crianças deixam as merendeiras preparadas e põem a mesa. Juliana não deixa de notar a diferença entre seu marido e seu pai, que não colaborava dentro de casa. Para ela, a divisão de tarefas une o casal. — Desenvolvemos muito bem a comunicação entre nós dois — diz Juliana. — Hoje dividimos tudo, do cardápio, as compras e acompanhamos a educação dos nossos filhos. — Na Europa, a gente se acostuma a se virar. Na Itália, com as mesmas condições econômicas, seria impossível manter uma empregada — afirma. Para Jacqueline Resch, especialista em recursos humanos, o pedido de um funcionário homem para sair mais cedo ou se ausentar para cuidar do filho pode causar estranheza das empresas: — Alguns pais já exercem esse papel, mas não são a maioria. Essas tarefas não são mais exclusivas das mulheres, então vai ter abertura. Isso vai depender da cultura da empresa— afirma. |
Fonte: O Globo
|