Grupos reclamam de falta de apoio do movimento revolucionário e pedem às vítimas “fazerem barulho” participação política de mulheres na primavera egípcia está sendo ameaçada por uma onda crescente de abuso sexual durante os protestos na Praça Tahrir: dezenas de ativistas são cercadas por centenas de homens e ferozmente violentadas a cada manifestação. Diante da falta de resposta do governo e do consentimento silencioso da sociedade, mulheres e homens se uniram em diferentes iniciativas para combater – por vezes, com o seu próprio corpo – o problema. De linhas de emergência a cursos de autodefesa e aplicativos eletrônicos, esses militantes organizaram grupos de resgate e apoio às mulheres violentadas no principal símbolo da Primavera Árabe no Egito. Além de enfrentar os agressores, as campanhas têm de lidar com a falta de apoio entre o próprio movimento revolucionário. Os grupos vêm na esteira do feminismo, que floresceu com o início da Primavera Árabe, e das campanhas já existentes no país contra o assédio sexual, mas atuam em um espaço distinto: o principal palco dos protestos egípcios, a Praça Tahrir. Existem indícios de que as violações sexuais contra as manifestantes são uma tática organizada de repressão para afastar as mulheres da política pelo medo e que tal objetivo encontra respaldo até mesmo entre pessoas contrárias aos abusos. Na grande maioria dos casos, a sociedade aponta a vítima como culpada pelo assédio – afinal, dizem, “a Praça Tahrir não é um lugar para mulheres”. Esses novos coletivos trazem em seu cerne, no entanto, a máxima de que a revolução egípcia é a revolução das mulheres, destacando a importância das ativistas nos protestos populares contra a ditadura de Hosni Mubarak. “Em qualquer manifestação, você olha em volta e vê muitas e muitas mulheres; mulheres mais lindas e fortes do que qualquer outro homem que eu já vi”, descreve Salma Eltarzi, ativista e porta-voz do OpAntiSh (Operation Anti-Sexual Harassment). Interferência física e resgate dos abusos Pacotes de primeiros socorros, roupas em mochilas, telefones nas mãos e panfletos em sacolas. Dezenas de pessoas se agrupam em uma sala e muitas delas se preparam para deixar o edifício em direção ao protesto de aniversário da revolução egípcia. O telefone toca: uma mulher está sendo sexualmente violentada em frente ao Mogamma (edifício governamental). Com mochilas nas costas, três jovens se apressam para chegar ao local. Foi assim que começou a jornada da OpAntiSh em sua intervenção no dia 25 de janeiro. O grupo de voluntários, formado em novembro de 2012, tenta resgatar mulheres de situações de abuso sexual nas manifestações que ocorrem na Praça Tahrir, colocando sua própria segurança em risco. Neste mesmo dia, 15 das 19 mulheres violentadas foram atendidas e três ativistas foram abusados durante a operação. Os voluntários, que provêm de diferentes organizações feministas, são organizados em equipes com diferentes funções: uns distribuem panfletos com o número da chamada de emergência da operação e pedem para as pessoas avisarem se presenciaram algum caso de assédio; outros entram na multidão e tentam proteger as mulheres atacadas; alguns providenciam segurança e ajuda básica para a manifestante violentada; e os remanescentes atendem as ligações de emergência e repassam as informações para a equipe. Interferir fisicamente contra os estupros, colocando a sua própria segurança em risco, também foi a solução encontrada pelos ativistas da Tahrir Bodyguard. Soraya Bahgat decidiu formar a organização depois de assistir a vídeos de uma mulher sendo violentada durante um protesto em novembro de 2012. “Foi revoltante: eles estavam arrastando-a pelas ruas. Eu não poderia imaginar algo tão horrível que, essencialmente, afastaria as mulheres de exercer seu direito de protestar assim como qualquer outro. Ninguém deve ser impedido de se manifestar”, explica Bahgat. Assim como os membros da OpAntiSh, os ativistas da Tahrir Bodyguard entram no meio da multidão em protesto e percorrem a praça em busca de casos de abusos para intervir. Quando encontram uma mulher sendo violentada, tentam retirá-la e, em seguida, fornecer atendimento médico e psicológico. Com coletes fluorescentes, eles também distribuem papeis com o número de uma linha de denúncia emergencial. Aplicativos de luta O HarassMap surgiu antes mesmo do início dos protestos da primavera egípcia e foi elaborado por militantes feministas que queriam dar assistência a mulheres violentadas, além de ajudar a formulação de políticas públicas de prevenção do abuso sexual. Por meio do envio de SMS, o aplicativo contabiliza o local dos casos de assédio e os distribui em um mapa online. “Quanto mais conhecimento sobre a violência sexual, mais segurança para as mulheres”, explica o texto introdutório do coletivo. “As mulheres sofrem, por vezes, de vergonha, isolamento, frustração e autodesprezo por não terem respondido o suficientemente rápido. Reportar o assédio confirma a mulher como vítima de um crime cometido contra elas e o seu direito a segurança”, acrescenta. Empoderar as mulheres Não silenciar as vítimas de violência sexual é um dos pontos principais do movimento feminista egípcio. “Uma das primeiras coisas que devemos fazer é muito barulho para destruir o estigma e o tabu que incriminam a mulher, mas também envergonhar a sociedade que permite e cala esse crime”, afirma Eltarzi. Por esta razão, os grupos incentivam que as mulheres vítimas de abusos compartilhem suas histórias publicamente por meio de entrevistas e textos. O Instituto Nazra de Estudos Feministas publicou, em janeiro deste ano e junho de 2012, quatrorelatos anônimos de mulheres violadas na Praça Tahrir e as jornalistas internacionais Natasha Smith e Lara Logan (da CBS) também contaram suas histórias em meios de comunicação. As ativistas também distribuem panfletos e escritos com conteúdo feminista ao redor do Egito, além de publicarem nas mídias e redes sociais. “Usamos todas as possibilidades criativas para promover o conhecimento sobre assédio e o papel dos indivíduos em impedir isso. Nosso objetivo é transformar o abuso em inaceitável”, diz o texto do HarrassMap. Diversas manifestações foram convocadas em nome do direito da mulher e contra a violação sexual no país. No dia 6 de fevereiro, centenas de ativistas participaram de um protesto na Praça Tahrir contra os casos de assédio no local. Uma revolução incerta O movimento revolucionário da Praça Tahrir não deu a resposta esperada pelas feministas aos crescentes casos de violência sexual durante os protestos. Alguns afirmam que a questão será tratada depois de outros problemas serem resolvidos e muitos pedem para as vítimas permanecerem caladas para não prejudicar a imagem da primavera egípcia. “Ignorar o assunto e desencorajar as vítimas a falarem disso não é melhor do que agredi-las; eles estão aumentando o problema”, alerta Eltarzi que ainda acrescenta: “se os revolucionários, as pessoas que pedem por mudanças, não colocam os direitos da mulher na agenda, nada mais irá adiantar”. |
Fonte: Opera Mundi
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