No mês passado, multidões reuniram-se em Nova Déli para protestar contra o estupro coletivo e o assassinato de uma estudante de fisioterapia de 23 anos, um caso que chocou a Índia. Esperança foi um sentimento incomum em meio às expressões de revolta e tristeza na Índia. A vítima tinha morrido naquela manhã, quase duas semanas depois de ser agredida com uma barra de metal e violentada por seis homens num ônibus que percorria a capital, segundo a polícia. A violência sexual contra mulheres é endêmica na Índia: acusações de estupro pesam contra políticos que estão no exercício de seus cargos, e o assédio sexual e o estupro dentro das famílias são comuns, embora costumem ser abafados. As dezenas de milhares de pessoas que saíram às ruas de Déli criticaram a inação do governo e da polícia e exigiram segurança para as mulheres. Sonia Gandhi, presidente do governista Partido do Congresso, garantiu que a voz do povo foi ouvida. Alguns acreditam que a Índia não vai mudar. Porém, no momento em que começam os julgamentos dos acusados de estupro, as discussões sobre como combater a violência sexual continuam intensas. As recomendações feitas poderiam encher um livro, mas são necessárias reformas legais, policiais e sociais para que haja progresso real. Este pode ser um momento crucial, antes das eleições gerais marcadas para o próximo ano. A segurança das mulheres não costuma ser uma questão tratada nas eleições, mas por que não deveria, considerando que afeta metade da população? A Índia vai divulgar seu orçamento anual em fevereiro -uma oportunidade para a “voz do povo” exigir verbas para a implementação de reformas. A violência contra mulheres é um problema global insidioso. Nos Estados Unidos, em 2010, houve 27,3 casos relatados de estupro para cada 100 mil pessoas, contra 1,8 na Índia, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Criminalidade. No entanto, acredita-se que o número real na Índia seja muitíssimo mais alto. A Índia tem um acúmulo enorme de casos não processados, devido à burocracia e à escassez de juízes. Das 95 mil denúncias de estupro pendentes em 2011, apenas 15% chegaram a ser julgadas, segundo o Burô Nacional de Registros Criminais. Foi criado um tribunal “fast track” (agilizado) especial para julgar os acusados no caso do estupro em Déli. “Ajudaria ter mais tribunais como esse, mas para isso a Índia precisaria destinar verbas ao Judiciário e nomear mais juízes”, opinou Colin Gonsalves, diretor da Human Rights Law Network, em Déli. Em 2008, a comissão judicial da Índia recomendou que o número de juízes fosse elevado de 14 para 50 para cada milhão de pessoas, mas não houve nenhum aumento importante. Para Kirti Singh, ex-membro da comissão judicial, deveria ser definido um prazo máximo de três meses para os acusados de estupro irem a julgamento em tribunais “fast track”. Na Índia, projetos de lei levam até dez anos para ser implementados, como foi o caso da lei de 2005 sobre a violência doméstica. Essa lei foi um marco, já que a “crueldade por parte do marido ou de parentes” foi o crime contra mulheres mais denunciado em 2011, segundo o governo. As emendas a leis podem ser implementadas em menos tempo como um ano. A polícia em Déli sugeriu que as leis atuais sobre agressão sexual sejam emendadas para tornar a agressão sexual um crime não afiançável que possa ser punido com sete anos de prisão, em vez de três, segundo um relatório da ONU de 2011 sobre mulheres. Sem implementação policial, contudo, as leis não têm valor. Uma avaliação feita no ano passado sobre a implementação da lei de violência doméstica constatou que, apesar do aumento do treinamento para isso, a polícia continua a desencorajar as vítimas de violência doméstica a denunciar os abusos. Há até programas policiais já existentes que não são implementados. Uma queixa comum das mulheres indianas é que a polícia não leva a sério a violência sexual, pressionando as vítimas a desistir de levar os casos adiante ou as humilhando. Um fator preocupante é que quase não existe um sistema eficaz para registrar queixas contra a polícia, com a exceção das comissões estaduais de direitos humanos, que geralmente não possuem recursos para abrir investigações independentes, segundo Meenakshi Ganguly, diretora para o sul da Ásia da organização Human Rights Watch. Para fomentar transparência, KTS Tulsi, o advogado sênior da Suprema Corte indiana, sugeriu que os telefonemas recebidos pela polícia sejam gravados, os depoimentos tomados sejam filmados e as queixas sejam registradas on-line. Mas tudo isso requer verbas e funcionários. Colin Gonsalves propôs uma solução mais drástica: promover um expurgo na polícia. “Milhares de jovens instruídos estariam dispostos a aceitar esses empregos.” Gonsalvez, no entanto, tem pouca confiança nos políticos para fazer uma reforma desse tipo. “A Índia é um país de faladores. Nossos políticos não têm coragem de fazer o que precisa ser feito.” AMY LEE |
Fonte: Folha de São Paulo
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