Em entrevista exclusiva ao Portal Panorama Mercantil, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) fala sobre projeto em tramitação no Congresso Nacional, sobre as recentes manifestações populares, questões que afetam a Bahia e sobre reforma política e eleitoral. Confira a íntegra da entrevista concedida ao repórter Éder Fonseca e publicada no último dia 10 de julho de 2013:
Lídice da Mata de Souza foi eleita a primeira presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFBA, em 1980), primeira prefeita de Salvador (1992) e primeira senadora da Bahia (2010). Filha de Margarida da Mata e Souza e do sindicalista Aurelio Pereira e Souza, um comunista histórico, Lídice teve intensa participação nas lutas populares pela anistia e na campanha das Diretas Já. Ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia em 1976, formando-se em 1980. Elegeu-se vereadora em sua estreia na vida pública, em 1982, junto com outros 25 vereadores do PMDB, na maior vitória da oposição ao regime militar em todo o País, episódio que tornou Salvador conhecida como a Capital das Oposições. Em sua passagem pela Câmara de Salvador, entre 1983 e 1986, Lídice foi líder da bancada do PMDB e do PCdoB, partido ao qual se filiou logo após sua legalização, em 1985. Em 1986, elegeu-se pela primeira vez deputada federal, participando da Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Concorreu ao governo da Bahia, em 1990, contra Antônio Carlos Magalhães e Roberto Santos. Mesmo ficando em terceiro lugar, entrou para a história com uma chapa majoritária feminina e socialista, formada por Lídice, Salete e Beth, que ficou conhecida como As Três Marias. Em 1992, ainda filiada ao PSDB, Lídice da Mata elegeu-se a primeira prefeita de Salvador, derrotando o candidato de ACM, Manoel Castro, no segundo turno. À frente da administração municipal, Lídice criou a Fundação Cidade Mãe, implantou o Programa de Qualidade Total na Prefeitura, o Serviço de Atendimento ao Público – Central 156 e o Orçamento Participativo; ampliou e renovou a frota de ônibus em mais de 1500 veículos, introduzindo a adaptação piloto para utilização por deficientes físicos; profissionalizou o carnaval, organizando e ampliando o Circuito Barra-Ondina; construiu a Ligação Iguatemi-Paralela (Lip), a estação Pirajá, paredes de contenção em 22 áreas de grande risco da cidade, 750 casas populares para receber os desabrigados das chuvas de 1995 e 1996 em Mussurunga; urbanizou a Colina do Bonfim e reurbanizou a Praça do Rio Vermelho, entre outras obras. Sua administração foi marcada ainda pela resistência ao cerco financeiro e de mídia comandado por ACM, que comandava não só o sequestro de verbas da Prefeitura à frente do governo do Estado da Bahia, como ainda detinha as rédeas de uma rede de comunicação formada por rádio, jornal e pela TV de maior audiência na Bahia. Dois anos depois de deixar a Prefeitura de Salvador, Lídice recebeu nas urnas o reconhecimento do seu trabalho e foi candidata a deputada estadual mais votada na capital, reeleita em 2002, com a terceira colocação em todo o Estado. Na Assembleia Legislativa, exerceu por duas vezes o cargo de líder da bancada de oposição, em 2000 e 2005. Em 2004, recebeu o “Troféu Destaque Parlamentar”, nesse mesmo ano se candidatou mais uma vez ao cargo de prefeita pela coligação denominada “Salvador, Cidade Mãe, Educação e Trabalho”, formada pelo PSB, PMDB, PPS e PCB, obtendo 124.856 votos (10,36%). Em 2006, Lídice voltou ao Congresso Nacional, eleita deputada federal pela Bahia, com 188.927 votos, sendo novamente a mais bem votada na capital baiana. Na Câmara dos Deputados, presidiu a Comissão de Turismo e Desporto durante a aprovação da Lei Geral do Turismo (LGT). Em 2010, integrando a chapa majoritária do governador Jaques Wagner, foi eleita a primeira senadora da Bahia, com 3.385.300 votos, juntamente com o petista Walter Pinheiro. Seus suplentes são Nestor Duarte e Juçara Feitosa. Em entrevista exclusiva ao portal Panorama Mercantil, a senadora fala sobre os desafios do seu estado e do país, e deixa expressa a sua vontade de se candidatar a eleição para governadora no ano que vem: “Tenho um nome conhecido, uma vida pública testada pelo povo do meu estado e uma identidade com as vitórias que realizamos na derrota do Carlismo na Bahia”.
Panorama Mercantil-Já é certo que a senhora será candidata ao governo do Estado da Bahia no ano que vem? Lídice da Mata – Ainda não é certo. O que tenho dito em todas as entrevistas é que há um posicionamento do meu partido de considerar que nós teríamos condições de representar a base do governo Jaques Wagner numa candidatura ao governo do estado. Eu fui vereadora, deputada federal Constituinte, deputada Estadual por duas vezes, novamente deputada Federal e prefeita da cidade de Salvador. Comecei minha trajetória na militância política. Minha vida política e institucional eu iniciei de baixo, percorrendo e subindo todos os degraus, de vereadora até chegar ao Senado Federal, quando integrei a chapa majoritária ao governo do estado. Nesse sentido, tenho um nome conhecido, uma vida pública testada pelo povo do meu estado e uma identidade com as vitórias que realizamos na derrota do “Carlismo” na Bahia. Assim, por isso mesmo, me coloco como pré-candidata, trabalhando internamente, no meu partido, para construir a unidade em torno deste nome; e trabalhando, também, com as outras forças políticas para atraí-las para um posicionamento de apoio. Panorama Mercantil – Em fevereiro desse ano, a senhora se sentiu chocada com a construção de um quebra-mar de 330 metros na Praia da Preguiça em Salvador. Explique para todos os que vivem em outros estados do País, o porquê de tamanha revolta com esse projeto? Lídice da Mata – Na verdade, não é uma revolta com o projeto como um todo. Há uma marina que, inclusive, foi liberada durante minha administração, e que é muito importante para a cidade, e que mudou a visão da cidade na Avenida do Contorno, seus usos e ocupação. No entanto, agora está sendo feito um quebra mar que se junta à marina e impede a frequência dos moradores da Ladeira da Preguiça àquela praia, que eles frequentam há muitos anos. Em função disso, fiz um protesto estranhando que o projeto tivesse essa posição. Os organizadores do projeto, proprietários que receberam a concessão do governo para explorar aquela área, em sua defesa dizem que essa era a ideia inicial do projeto e que o mesmo foi modificado no período da minha administração e não foi implantado. Eu contesto: o projeto, até onde estava, atendia às necessidades. E uma marina pode ser construída em outro lugar ou de outra maneira. Já comecei a discutir com a população da área e com representantes da marina para que não seja impedida a população de frequentar aquela praia. O que é preciso é que os construtores do quebra mar e usuários da marina percebam que a população local também tem direito ao livre acesso àquela praia e estabeleçam um nível de convivência. Panorama Mercantil – A senhora já passou por legendas completamente diferentes como o PMDB, PCdoB, PSDB e agora está no PSB. Depois de todas essas experiências, como vê a chamada fidelidade partidária tão discutida em debates, principalmente em época de eleições? Lídice da Mata – Eu vim do movimento estudantil, de uma militância sem partido e, nesse movimento, me vinculei, me filiei, ao Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, quando o partido estava na ilegalidade. Por decisão do próprio partido, à época, nos filiamos ao PMDB para ter uma participação ativa na vida política do nosso País e continuar lutando por liberdades democráticas, liberdade de organização de todos os segmentos da população, inclusive liberdade partidária. Por isso fui eleita pelo PMDB em 1982, quando já era membro do PCdoB. Mas essa foi uma decisão nossa de participar de um partido legal, mantendo nossa vinculação partidária ilegal ou clandestina, como era impossível ser feito de outra maneira naquele momento. Fui militante do PCdoB por 15 anos. Na militância do PCdoB, fui eleita vereadora. Ao final de 1985, conquistamos a liberdade partidária e, imediatamente, assumi a legenda do PCdoB e fui eleita, pelo PCdoB, numa coligação com o PMDB, para participar da Constituinte de 1986. Após a Constituinte, num debate profundo com o meu partido, identifiquei os pontos de divergência que tinha e saí do PCdoB, num processo de debate sobre a nova constituição do país, os novos desafios da realidade nacional. Depois, fiquei sem partido durante quase um ano e, no processo de discussão de minha candidatura à Prefeitura de Salvador, me filiei ao PSDB. Fui então candidata pelo PSDB, ganhei as eleições e cumpri todo o meu mandato pelo partido. Depois, fiquei mais um tempo no PSDB, mesmo sem mandato partidário, e aí também, em função da mudança de postura do partido, de descumprir seu próprio programa político partidário, eu pedi a desfiliação do PSDB e me filiei ao PSB, partido onde estou há 16 anos. Em nenhum partido do qual participei, mesmo por qualquer discordância, descumpri o estatuto daquele partido ou seu programa político. E, principalmente, nunca, nos mandatos que exerci, deixei de cumprir as decisões partidárias, interrompi ou mudei de partido no meio de um mandato. Expressei e debati minhas divergências e terminei os mandatos políticos, conquistados em cada legenda, de forma coerente, porque acredito que o mandato é do partido em que você se elegeu e se há divergências elas devem ser discutidas e definidas. Não acho que a fidelidade partidária possa ser exercida de forma eterna. É como num casamento: se a vida com a pessoa que você escolheu para formar sua família não dá certo, você pode desfazer seu casamento. E isso também é possível na vida partidária. O que não pode ser é um processo de mudança partidária dentro do mandato político que conquistou naquele partido, ou em função de interesses menores. Panorama Mercantil – Acredita que o Parlamento ainda será arrogante com a opinião pública, depois das várias manifestações ocorridas em todo o País? Lídice da Mata – Não é apenas o Parlamento que é arrogante. Temos toda uma sociedade brasileira que foi forjada em ditaduras e processos autoritários. Essa constituição do autoritarismo é quase que inerente à formação política brasileira, além de ser também inerente às classes dominantes em nosso País. Avançar nisso é uma questão de superação do próprio cotidiano. O Parlamento é apenas o representante da sociedade brasileira. Se ele se posta de forma arrogante, é porque também expressa esse viés autoritário da sociedade brasileira. Além disso, o poder leva as pessoas a se afastarem da base. Muitas assim o fazem e perdem a noção da efemeridade do poder. E esquecem que ali estão representando o outro e não a si mesmos. Por isso, é preciso que o povo lhe diga claramente que não aceita este tipo de arrogância. Creio que o próprio Parlamento, neste momento, está revendo sua posição e se voltando para tentar ouvir e interpretar melhor aquele que é o desejo das ruas. Panorama Mercantil – A senhora faz parte da base do Governo Dilma, mas sempre critica o PT em várias de suas entrevistas. O que mais lhe incomoda na legenda? Lídice da Mata – Ser da base do Governo não quer dizer que você tenha que dizer amém a tudo que o governo faz. Num partido político, você ser do partido também não quer dizer que você não tenha divergências em algumas posições partidárias. A sociedade e os desafios da vida política fazem com que você debata e forme opinião o tempo inteiro. E, eventualmente, podemos ter divergências dentro do próprio partido e ter opinião minoritária. Algumas vezes tive opiniões contrárias dentro do partido e fui derrotada. E cumpri a decisão da maioria. O fato de ser da base do Governo Dilma não faz com que eu tenha que aprovar tudo que o governo diz ou faz. Muito menos num partido que não é o meu. O fato de ser o partido da presidente da República não quer dizer que eu tenha que acompanhá-lo em tudo, já que sequer é o meu partido. Tenho discordâncias com o PT em muitas coisas. Tenho uma opinião crítica e exerço a minha condição, como parlamentar de outro partido, ou seja, o direito de expressar essa posição. Voto contra a opinião do PT em alguns momentos, nas comissões do Senado e na vida pública. Uma das coisas que eu mais contesto no PT é um sentimento, uma ideia de exclusivismo que, em muitos momentos, é expressa numa filosofia de partido único, que eu discordo. Tenho, ao mesmo tempo, uma grande ligação e identidade com o governador Jaques Wagner, que é um governador do PT e que, na minha modesta opinião, apresenta uma postura e uma prática política que o diferencia da prática política exclusivista e, creio, antidemocrática, de muitos do PT, o que também não quer dizer que todos no PT ajam ou pensem da mesma forma. Panorama Mercantil – Na sua visão, o presidente do seu partido e atual governador de Pernambuco Eduardo Campos, tem condições hoje no cenário atual da política nacional tão dividida entre PT e PSDB, de ser o novo presidente da República? Lídice da Mata – Eu não acredito nessa história de apenas dois partidos na sociedade. Se fosse para ter apenas dois partidos, a ditadura atenderia, porque permitia somente os partidos do governo e da oposição. Não foi esse o desejo do povo brasileiro, nem pode ser este o desejo de uma sociedade tão diversificada quanto a sociedade brasileira. Portanto, o partido que esteve ontem no poder e era maioria, hoje é minoria. E o PT que era um pequeno partido, de minoria, passou a ser um partido de maiorias, e está no governo. Defendo o direito do meu partido e de qualquer outro de ter uma candidatura à Presidência da República. O fato de haver uma polarização entre dois partidos não quer dizer que a sociedade possa permitir somente duas ideias. Panorama Mercantil – Aproveitando que a senhora é economista, acredita que a inflação tem alguma coisa a ver, no que diz respeito à queda da popularidade da Presidente na mais recente pesquisa do Ibope. Ou isso se dá por outros fatores? Lídice da Mata – Acredito, sim, que a inflação tem algo a ver com insatisfações demonstradas pela população e pelas pesquisas. O povo brasileiro tem convivido, nos últimos dez anos, com uma economia razoavelmente estabilizada, com índices de inflação baixa. A inflação é o principal inimigo do povo pobre e trabalhador do país. Quando a inflação dispara, os primeiros a sofrer são aqueles que ganham pouco, cujo salário começa a não dar para realizar as despesas indispensáveis de comer, de se locomover, de vestir, de manter a vida de sua família, de sobreviver, enfim. O Governo precisa ter o compromisso de combater a inflação, assim como nós, que participamos do Governo, devemos auxiliar a presidente a ter uma política econômica que realmente enfrente esse desafio. Panorama Mercantil – Muita gente diz que o deputado Marco Feliciano, como presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, é um desastre. Qual a visão que a senhora tem sobre esse assunto? Lídice da Mata – O problema não é o deputado Feliciano em si, mas o que ele representa. Primeiro, em minha opinião, os segmentos democráticos e populares da Câmara deveriam ter responsabilidade na definição das comissões. Uma comissão como a de Direitos Humanos, que nasceu da luta da esquerda, e que é uma proposta dos segmentos populares e democráticos de esquerda do País, certamente tem que estar protegida ou vinculada a um posicionamento que esteja de acordo com aquilo que ela prega. E a posição do deputado Feliciano é o oposto disso. Ele defende justamente ideias que se contrapõem às ideias que são caras aos que lutam e militam pelos direitos humanos em nosso País, destacadamente a defesa das minorias, dentre estas a minoria homossexual. O deputado Feliciano buscou representar a posição de um segmento religioso. E, seja qual for a religião – católica, protestante, umbandista ou outra -, estando na posição que ele se encontra na Comissão de Direitos Humanos, tem que se basear no que é o preceito, o posicionamento universal dos direitos humanos, e não no seu posicionamento em particular. E isso é que é condenado na posição do deputado Feliciano. Panorama Mercantil – Acredita que a prática clientelista da política como o famoso toma lá, da cá, seria banida se o financiamento público de campanhas estivesse em vigor? Lídice da Mata – Em geral se condena muito a prática de clientelismo na política. E nós sempre a combatemos. Chegamos ao Governo denunciando coronéis no interior do Brasil que trocavam um prato de comida pelo voto; que exploravam a miséria do povo brasileiro, que trocavam dentadura, trocavam serviços prestados à população brasileira por um voto. O governo da presidente Dilma, o Governo do presidente Lula e até, em certa medida, o Governo do presidente Fernando Henrique, estabeleceu mecanismos de políticas sociais que pudessem chegar ao povo sem a troca do voto. A política do programa Bolsa Família, da Bolsa Escola, toda essa política social que se dá cadastrando as pessoas com base no seu rendimento, ela não escolhe o eleitor, não escolhe o cidadão em troca da sua inclusão no programa em função do voto. Ela é uma política universal, que se baseia na definição da renda e inclui aqueles que estão naquela faixa de renda. Portanto, esta política é muita positiva, elogiada e reconhecida em todo o mundo e que, por si só, representa a antítese do clientelismo. Eu não posso concordar com o clientelismo. Isso é uma coisa. Outra coisa é o que você pergunta sobre financiamento durante as campanhas. Os gastos de campanha hoje, no Brasil, não estão tão vinculados a esse tipo de “compra” de voto. Estão mais vinculados ao financiamento feito por grandes empresas na defesa de seus interesses. Eu acho que a sociedade brasileira está chamada a tomar uma posição: ou define o financiamento público de campanha, que eu defendo – e que esse financiamento ocorra e seja rigoroso com todo aquele que infringir a norma, que for pego na infração à norma, com a cassação do mandato -, ou fazemos igual aos Estados Unidos da América onde há é um financiamento livre, empresarial, estimulado nas redes sociais e na imprensa, abertamente, prestando contas desse financiamento para que o povo saiba quem recebeu, quanto recebeu e de que forma utilizou. É isso que é necessário: transparência. É preciso, no Brasil, discutir, acima de tudo, um novo modelo de campanha que não seja tão caro. Quando se abriu a televisão no Brasil para a participação política, é preciso esclarecer que mesmo o horário político eleitoral sendo gratuito, a produção não é gratuita e é caríssima. Cada candidato disputa equipamentos de última geração para dar maior nitidez às imagens e, assim, as campanhas viraram milionárias. Falo à vontade porque tive a sorte de começar na política com militância; nunca tive campanhas milionárias e mesmo eleita para um cargo majoritário posso afirmar, sem medo de errar, que a campanha ao Senado é uma das mais baratas. Mais barata talvez até do que a de alguns candidatos a deputado federal, porque é uma campanha vinculada à campanha ao governo do Estado, apenas com a característica singular que tem a campanha ao Senado. Em geral, não se tenha a ilusão, um deputado federal, hoje, se elege, pelo menos no meu estado, com um custo de cerca de 3 a 4 milhões de reais. Isso não é possível. Temos que repensar esse processo, inclusive com o maior desenvolvimento da comunicação. Mas o eleitor também é contraditório: ele questiona os custos, mas quer seu candidato na sua cidade, quer conhecê-lo. Isso também leva a um custo maior. A Bahia, por exemplo, é um estado com mais de 400 municípios. Para um candidato chegar a algumas cidades, de carro, chega a levar cerca de 10 a 11 horas de viagem. Isso implica em custos com combustível, manutenção e às vezes até de aluguel de veículos. Esses custos de campanha têm que ficar abertos, para a população saber. E o Tribunal Regional Eleitoral ter condição de analisar, o que, efetivamente, não acontece, e aí fica todo esse escândalo em torno das campanhas eleitorais. A reforma política, no nosso pensamento, deveria aprofundar a democracia no Brasil. Isso quer dizer que o Parlamento precisa representar mais o povo. Numa eleição que para se eleger um deputado federal precisa gastar 3 milhões de reais, será muito difícil um trabalhador se eleger, porque ele não tem fontes financiadoras e é difícil consegui-las. Por isso defendemos o financiamento público de campanha. E, por isso, também, defendemos cotas de mulheres no Parlamento. As mulheres hoje estão na economia, mas no lado que ganha menos, que tem renda menor e, assim dificilmente chegará a ter possibilidade de disputar uma eleição, só em circunstâncias muito especiais. Por isso mesmo defendo o financiamento público de campanha e que cada partido tenha uma cota para utilizar na campanha, além de haver um rigoroso controle dos gastos de campanha. Em relação ao discurso da presidente Dilma Rousseff, claro que a presidente falando passa para a população um sentimento de segurança, de que o país está seguro e de que as coisas estão sob controle. A presidente, ao se dirigir à população, fez o seu dever. Além do seu pronunciamento, há todo um esforço do Parlamento e da própria presidente de abrir um amplo debate com a sociedade brasileira e isso impacta nas mobilizações. O que o povo brasileiro está dizendo nas ruas é que precisamos dar continuidade às reformas que o Brasil tanto luta e tanto espera, mas não somente a reforma política. Precisamos da reforma na saúde pública, a reforma na educação, a reforma urbana, a reforma agrária e a tributária, refazendo o pacto federativo em nosso país para fazer com que estados e municípios tenham um bolo maior de recursos, já que 60% está nas mãos da União e isso precisa ser modificado. Precisamos também de uma reforma tributária que desonere o cidadão comum do pagamento de impostos, já que o pagamento de impostos no Brasil é muito alto e incide sobre a produção brasileira em mais de 30%, um dos índices mais altos do mundo. São reformas que precisamos discutir com a sociedade e realizar. Panorama Mercantil – A senhora faz parte da Comissão Especial do Senado que trabalha na reforma do Código Penal. Quando a senhora acha que teremos um código que traga o que o povo quer de fato, ou seja, andar com tranquilidade nas ruas e ver os presos realmente serem punidos rigorosamente pelos seus crimes? Lídice da Mata – Eu participo da Comissão Especial do Senado que analisa a reforma do Código Penal e acho que esta é uma reforma necessária. No entanto, não acho que a reforma do Código Penal vai acabar com a criminalidade no Brasil. O Código Penal apenas tipifica o crime e define regras claras para que a Justiça possa se posicionar. Quem trabalha na área penal defende que a prisão é a última etapa de um processo desses. Eu defendo que possamos ter um Código Penal consolidando as medidas alternativas de cumprimento de penas alternativas no Brasil, esvaziando as cadeias, mantendo a maioridade penal, tipificando o crime de tráfico de pessoas, incorporando também o combate ao trabalho escravo. O Código Penal não vai garantir que as pessoas andem na rua com tranquilidade. O Código Penal define a punição. E não acredito que apenas definir uma punição resolva o problema da criminalidade brasileira. É preciso mais do que isso: é preciso um sistema prisional mais justo e mais organizado, uma Justiça mais ágil e condições sociais melhores para que os crimes diminuam no Brasil.
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Fonte: Portal Panorama Mercantil
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