Programação do principal palco das letras no Brasil se rende a Ana Cristina César, Svetlana Aleksiévitch e outras 15 vozes femininas de peso A escritora mexicana Valéria Luiselli, uma das convidadas a Paraty. Divulgação Veio num crescendo. De uns anos para cá, a Festa Literária de Paraty começou a abrir mais campo para as vozes femininas, obtendo bons resultados não só com debates mas também com vendas de livros, e, agora, podemos dizer sem medo de errar que, na programação de 2016 (29 de junho a 3 de julho), quem manda são as mulheres. Da homenagem, que este ano é à carioca Anaa Cristina César, expoente da poesia marginal brasileira dos anos 70, ao encontro com a jornalista bielorussa Svetlana Aleksiévitcgh, ganhadora do Nobel de literatura em 2015, a festa literária que se estabeleceu como o principal palco brasileiro das letras quer equilibrar o yin e o yang. E o faz dando maior espaço principalmente a autoras nacionais, como a poetisa Annita Costa Malufe, a ensaísta Heloisa Buarque de Hollanda e a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, e também a escritoras de outros trópicos, como a cronista peruana Gabriela Wiener, a romancista Valeria Luiselli e a historiadora britânica Helen Macdonald. Todas com muito a dizer, são 17 mulheres num total de 39 convidados (quase 44%). Na edição de 2015, a proporção era de 23% e, na anterior a essa, 15%. O aumento, segundo o editor e jornalista Paulo Werneck, pelo terceiro ano consecutivo o curador da programação, se deve “ao compromisso que a Flip assumiu de melhorar esse índice de participação feminina”. “Não é de hoje que prestamos atenção a esse debate. Queremos entender essa realidade, que vem desde o mercado, e contribuir para modificá-la”, diz. Mas garante que, em termos de curadoria, a lógica não foi a de cotas: “Seguimos esse nosso compromisso à nossa maneira, sem demagogias, pensando em qualidade e dependendo, inclusive, da agenda dos autores”. Homens, em todo caso, brilham também. Nomes de peso como o do escocês Irvine Welsh, autor de Trainspotting, e o norueguês Karl Ove Knausgård, da celebrada série memorialística Minha Luta (Companhia das Letras), devem contribuir com as longas filas das mesas organizadas sob a tenda principal. Welsh, conhecido por ter língua ferina e pai dos junkies que o filme de Danny Boyle consagrou a partir de seu romance, no filme homônimo de 1996, nunca esteve no Brasil, assim como Knausgård – que viria para a Flip há três anos, mas cancelou sua participação por motivos pessoais. O primeiro, cujos livros saem no Brasil pela Rocco, participará na quinta-feira do debate que relaciona literatura com o lugar de origem dos autores (Na pior em Nova York e Edimburgo); o segundo, autor da Companhia das Letras, comanda solo um encontro com o público na sexta. Outro aspecto que ressalta da seleção de Werneck, no esforço de suavizar fronteiras culturais, é a participação crescente de jovens talentos da literatura hispano-americana na festa literária de Paraty. Temos quatro: além das já citadas Gabriela Wiener, cuja obra pautada por crônicas e relatos autobiográficos despontou a partir de suas colaborações com a mítica revista latino-americana de jornalismo narrativo Etiqueta Negra, e Valeria Luiselli, colaboradora do EL PAÍS em espanhol (assim como Wiener) cujo primeiro romance, Rostos na multidão, foi publicado no Brasil pela Alfaguara, está a antropóloga argentina Paula Sibilia e o romancista mexicano Álvaro Enrigue. Paula, que escreveu Redes ou Paredes – A Escola em Tempos de Dispersão e O show do eu e está radicada em Niterói (RJ), é conhecida por analisar temas culturais sob a ótica do corpo, das tecnologias e da mídia. Já Enrigue, considerado um dos mais importantes narradores contemporâneos do México e, por sinal, casado com Luiselli, fez sucesso com Morte súbita, já disponível no Brasil. Poesia numa hora dessas?Mas os destaques são muitos, e quem se debruçar na programação completa, vai perceber que a poesia dá o tom. E não é só porque a homenageada do ano é uma poetisa, mas porque o gênero costuma ter boa acolhida no evento – tanto do ponto de vista das conversas do autores, como das vendas de livros. No ano passado, a jovem escritora portuguesa Matilde Campilho protagonizou ao lado do poeta carioca Mariano Marovatto uma das mesas mais celebradas (cheias, aplaudidas e comentadas nos bastidores) de todas. Seu Jóquei (editora 34), uma compilação de poemas escritos durante sua vivência no Rio de Janeiro, esteve entre os títulos mais vendidos da livraria oficial da Flip. “A poesia não salva o mundo, mas salva um minuto”, disse ela na ocasião. Nesse sentido, ler e debater poemas em Paraty pode vir a calhar, considerando, especialmente, a crise institucional do país. Paulo Werneck, que defende que a Flip seja “uma caixa de ressonância do Brasil” e não uma discussão do noticiário, acha que o tema vai estar naturalmente presente. “O assunto está no ar, interessa a todos, e os autores são politizados”. O curador garante que o vice-presidente Michel Temer, que é autor de um livro de poesias, brilhará, no entanto, por sua ausência. “Poderíamos tê-lo convidado, mas corria o risco dele ter que estar em Brasilia”, afirmou, sob risos dos jornalistas na coletiva de imprensa. De maneira prática, a crise já impactou na festa causando uma redução de cerca de 500.000 reais no orçamento geral do evento – que Mauro Munhoz, da Casa Azul, que responde pelo evento, estima que será fechado em 6,8 milhões. A diminuição vem sobre uma diminuição anterior, no ano passado. Essa próxima (14ª) edição da Flip será aberta no dia 29 de junho com uma conversa sobre a obra e o legado de Ana Cristina César, reunindo o poeta Armando Freitas Filho – que foi seu amigo e é o guardião de sua obra – e o cineasta e fotógrafo Walter Carvalho. Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície, filme de Carvalho sobre Freitas Filho lançado recentemente no festival É tudo verdade, será exibido em seguida. Logo depois – no lugar do tradicional show de música –, um sarau evocando Ana C., com a participação de escritores convidados de diferentes seções do evento, vai apostar por que, como era nos anos 70, a poesia seja catalisadora e contestadora, ainda que marginal. Quem se animar, pode se preparar: a venda de ingressos começa dia 3 de junho, on-line. E não se pode esquecer: os encontros programados incluem uma série de atividades especialmente para crianças, na Flipinha, e para jovens, na FlipZona. Camila Moraes |
Fonte: El País
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