Estudo mostra que propaganda reproduz velhos conceitos de gênero e raça no País Um país com mais de 90% da população composta por brancos, em que as mulheres se dedicam principalmente aos cuidados com a casa e com a beleza. Este é o retrato do Brasil na publicidade veiculada na televisão, de acordo com uma pesquisa feita pela agência brasileira Heads, com o auxílio da ONU Mulheres. O objetivo da iniciativa conjunta é combater estereótipos na propaganda e na mídia. Sem esteriótipos. Na campanha do Dia dos Namorados de 2015, O Boticário fez retrato social diferente (Foto: Reprodução) Para chegar à conclusão de que as simplificações sociais continuam a dar o tom da publicidade no País, a Heads monitorou, durante os dias 25 a 31 de janeiro, mais de 2,3 mil inserções de 30 segundos exibidas em intervalos comerciais de duas emissoras: a TV Globo e o Megapix (canal de filmes incluído em pacotes básicos de empresas de televisão por assinatura). Trata-se da segunda pesquisa do gênero capitaneada pela Heads em menos de um ano. A primeira edição, realizada em meados de 2015, revelou que a situação era preocupante. De acordo com Carla Alzamora, diretora de planejamento da Heads e uma das responsáveis pelo levantamento, a situação piorou na rodada feita no início de 2016. Ficou claro: quando chega o verão, os estereótipos – sobretudo os de gênero – ganham ainda mais força. A equipe da Heads apurou que 36% dos comerciais exibidos apresentavam algum estereótipo de gênero – afetando principalmente mulheres, mas também homens –, contra 28% da medição anterior. “Isso fica claro especialmente no que se refere às atividades exercidas nos comerciais”, explica Carla. O levantamento mostrou que 100% das propagandas de calçados e de cuidados com o bebê reforçam ideias há muito estabelecidas sobre a posição feminina na sociedade. O mesmo ocorre com segmentos como produtos de beleza (em 77% dos casos) e itens de limpeza (em 82% das inserções). Diante dos resultados do levantamento, a Heads chegou à conclusão de que toda a discussão sobre “empoderamento” feminino que tomou conta da mídia em 2015 teve efeito nulo sobre a publicidade. Raça. Se a questão do gênero é preocupante, os estereótipos raciais também estão transparentes na pesquisa. “Existe uma clara noção no mercado que a família negra só se comunica com negros, enquanto a branca pode falar para todos”, diz a diretora de planejamento da Heads. Entre os homens que protagonizam comerciais de TV, 93% são brancos. No caso das mulheres, a esmagadora maioria das protagonistas de propaganda é branca, enquanto uma pequena parcela dos personagens se encaixa na categoria “diversa” (com pessoas de diferentes origens raciais interagindo) e apenas 1% mostram só mulheres negras em primeiro plano. Quando os protagonistas são crianças ou casais, a presença de negros e pardos cresce, mas sem superar a a marca de 24%. Além dos padrões. A marca Dove, da Unilever, tem a tradição de reunir mulheres de diferentes padrões de beleza e raças em suas peças publicitárias. (Foto: Reprodução) A executiva da Heads afirma, no entanto, que a natureza da atividade publicitária às vezes é um terreno fértil para estereótipos e simplificações. “Afinal, é difícil contar uma história completa em 30 segundos.” No entanto, ela destaca que existem comerciais que ousam tentar mudar esse quadro – caso da campanha de O Boticário para o Dia dos Namorados de 2015, que mostrou casais gays e personagens de diferentes raças. O presidente da Associação Brasileira de Agências de Propaganda (Abap), Orlando Marques, afirmou ao ‘Estado‘ que a entidade não se debruçou sobre a questão da diversidade até o momento. Disse, porém, que tem recebido solicitações para tocar o assunto – algo que a entidade deve fazer em breve. Fernando Scheller |
Fonte: Estado de S. Paulo
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