Criada em janeiro como novidade pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Secretaria de Políticas para a Mulher não tem dinheiro para ações próprias em defesa da mulher. Cerca de 99% de seu orçamento pertence à antiga Secretaria de Logística e Transporte.
O que aconteceu
Secretaria foi criada sem passar pelo crivo dos deputados. Tarcísio mudou por decreto o nome da Secretaria de Logística e Transportes para Secretaria de Políticas para a Mulher. O caminho padrão para estabelecer uma nova pasta é enviar um projeto de lei à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
99% do orçamento ficou com Transportes. Apesar do decreto de Tarcísio, a estrutura e verba da área de transporte foram herdadas artificialmente pela Secretaria da Mulher. Dos R$ 782,8 milhões da “dotação atual” da pasta, R$ 768 milhões são para o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e R$ 5,3 milhões para a Companhia Docas de São Sebastião, segundo dados do Sigeo (Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária), do governo estadual.
Apenas R$ 9,4 milhões são de fato para a Secretaria da Mulher (1% do total). Até 14 de julho, a pasta havia empenhado (reservado) R$ 4,1 milhões para “Gestão Administrativa”, com pagamento de salários e fornecedores.
Transporte ainda abocanhou parte desse orçamento reservado para a Mulher. Cerca de 75% dos R$ 4,1 milhões foram reservados para despesas de transportes: R$ 1 milhão para a contratação de serviços de telecomunicações e tráfego aéreo para o Aeroporto de Sorocaba e R$ 2,1 milhões para pagar funcionários inativos da antiga Secretaria de Logística e Transporte.
R$ 10 para o único projeto social. A única ação social com verba prevista da Secretaria da Mulher destina R$ 10 no total para a Educação em Direitos Humanos e Cidadania.
Outro lado: questionada pelo UOL, a pasta estadual não se manifestou sobre a fatia maior do orçamento para Transportes e também não respondeu sobre os R$ 10 destinados ao projeto social.
As atribuições da Secretaria de Logística e Transportes (SLT) “foram transferidas para a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística”, informou o governo. A SLT não tem relação com a Secretaria de Transportes Metropolitanos, que cuida do sistema metroferroviário e é responsável pela infraestrutura de transporte urbano metropolitano de passageiros nas seis regiões metropolitanas do Estado.
Como foi a criação da secretaria
Pasta deveria ter sido criada por lei, aponta especialista. “Essa reconversão da antiga secretaria por decreto é uma maneira de burlar a competência do Legislativo para aprovar mudanças na estrutura do secretariado”, avalia Roberto Piccelli, advogado especialista em direito público.
A meu ver, há um desvio de finalidade ao converter uma pasta de infraestrutura em uma ligada a direitos humanos sem a aprovação da Assembleia.Roberto Piccelli, advogado especialista em direito público
A secretaria argumenta que a Constituição Estadual permite nomear a nova pasta por decreto. “A denominação da SLT [Secretaria de Logística e Transporte] foi alterada (…) para Secretaria de Políticas para Mulher por ser o instrumento normativo adequado para, nos termos do artigo 47, XIX, ‘a’, da Constituição Estadual, dispor sobre organização e funcionamento da administração estadual”, afirmou, em nota enviada ao UOL.
O artigo 47, no entanto, afirma que decretos podem ser usados pelo governador para “organização e funcionamento da administração estadual” apenas “quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Sem orçamento para programas para mulheres, a pasta diz auxiliar outras secretarias. O órgão declara, em nota, ser “uma pasta articuladora de políticas públicas, (…) identificando necessidades e alinhando respostas em parceria com outras secretarias” e que suas ações “têm orçamento garantido pelo governo”.
Estupros e feminicídios bateram recorde em São Paulo no primeiro semestre do ano, apesar de Sonaira eleger como prioridade o combate à violência contra a mulher.
Sem prestar contas à Alesp
A chefe da pasta pediu dinheiro à Alesp para 2024. A secretária da Mulher, Sonaira Fernandes, encaminhou em junho um ofício pedindo aos deputados “a inclusão obrigatória”, no orçamento anual de SP, de despesas “reservadas para programas e ações voltadas às mulheres”.
Sonaira não prestou contas à Alesp. Apesar de a Constituição Estadual obrigar que secretários semestralmente prestem contas às comissões temáticas da Alesp, a secretária não compareceu à Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres, diz a presidente da comissão, a deputada estadual Ana Perugini (PT).