Pesquisa da ActionAid revela que o temor cotidiano sentido por meninas é maior no Brasil do que na Índia, Quênia ou Reino Unido
(R7, 30/01/2019 – acesse no site de origem)
Estudo realizado pela organização internacional de combate à pobreza ActionAid e divulgado nesta quarta-feira (30) revela que mais da metade, ou 53% das brasileiras entre 14 e 21 anos, convivem diariamente com o medo de ser assediadas.
Este resultado leva o Brasil à liderança entre os países onde as meninas mais se sentem ameaçadas cotidianamente, na comparação com outros três pesquisados: Quênia (24%), Índia (16%) e Reino Unido (14%).
O medo diário do assédio afeta 41% das adolescentes entre 14 e 16 anos, aumentando para 56% na faixa etária entre 17 e 19 anos, e chegando a 61% entre as brasileiras entre 20 e 21 anos, o que sugere que a consciência sobre os riscos aos quais as mulheres ficam expostas aumenta com o passar do tempo.
A pesquisa no Brasil foi realizada em dezembro de 2018 e ouviu 500 jovens – 250 mulheres e 250 homens. A amostra incluiu participantes de todos os níveis de escolaridade e de todas as regiões do país.
Entre o grupo de mulheres brasileiras, 78% haviam sido assediadas nos últimos seis meses. Quando perguntadas quais tipos de agressões sofreram, elas relataram assédio verbal (41%), assovios (39%), comentários negativos sobre sua aparência em público (22%), comentários negativos sobre sua aparência nas redes sociais (15%).
Também com 15% estão os pedidos de envio de mensagens de texto com teor sexual, além de piadas com teor sexual que as envolviam feitas em público (12%), piadas com teor sexual que as envolviam feitas nas redes sociais (8%), beijos forçados (8%), apalpadas (5%), fotos tiradas por baixo da saia (4%) e fotos íntimas vazadas nas redes sociais (2%). Pelo menos, elas não ficam mais caladas: 77% das meninas entre 14 e 16 anos disseram que relataram os episódios a alguém de confiança.
Para Ana Paula Ferreira, coordenadora de Direito das Mulheres da ActionAid no Brasil, o dado de que mais da metade das jovens brasileiras sai de casa todos os dias temendo sofrer algum tipo de violência é alarmante. “Indica o nível de normalização de atitudes que agridem e provocam danos sobre suas vidas. Sentir medo não é normal”, ressalta.
“O que algumas pessoas podem achar engraçado, ou mesmo um elogio, faz com que muitas meninas alterem suas rotinas, se desmotivem nas escolas, criem estratégias para transitar pelas ruas, ou mesmo gastem mais dinheiro para evitar se expor nos espaços públicos. São jovens e adolescentes iniciando a vida adulta, e isso impacta seu desenvolvimento pessoal, econômico e social”.
Misoginia arraigada
Ações que traduzem desprezo ou desrespeito pelas mulheres, no entanto, não são exclusividade do Brasil. Em todos os países pesquisados, 3/4 dos jovens (homens e mulheres) disseram ter sido expostos a atitudes negativas ou ofensivas em relação a meninas jovens nos últimos seis meses, e 65% das mulheres participantes enfrentaram alguma forma de assédio sexual neste período.
Entre os brasileiros que afirmaram ter testemunhado algum tipo de atitude depreciativa contra meninas nos últimos seis meses (88%), os principais praticantes foram pessoas da família (39%) e amigos (34%) dos jovens entrevistados, o que mostra que a misoginia está arraigada nas relações sociais.
“É importante que esta pesquisa tenha ouvido também meninos, pois a discussão sobre a violência contra a mulher envolve a todos. Homens que assediam o fazem por diversas razões, incluindo o fato de que foram ensinados, em alguma medida, que isso é normal”, pontua Ana Paula.
Mas essa prática já não é mais tolerada: no Brasil, 88% dos jovens (meninos e meninas) consideraram comentários negativos sobre a aparência de meninas inaceitáveis, e 85% se mostraram totalmente intolerantes a piadas sexuais envolvendo garotas
Os brasileiros também lideram a lista de jovens que acreditam que as meninas são mais suscetíveis a assédio do que os meninos, com 83% das respostas. Para 80% dos entrevistados brasileiros, a educação é a melhor forma de combater o assédio contra mulheres e meninas, 59% disseram que ensinar os meninos nas escolas sobre como tratar as meninas é o caminho; 54% apontaram a educação de meninas, também nas salas de aula, sobre como denunciar assédios como medida importante; e 41% acreditam na necessidade de conscientizar professores a levarem as denúncias a sério, mesma porcentagem dos que afirmaram também ser importante educar os pais.
“A proteção de meninas e mulheres é responsabilidade de toda a sociedade, e todas as instituições devem se mobilizar para isso, desde a família, passando pelos espaços religiosos, culturais, educacionais e laborais. Só assim todas nós poderemos conhecer, um dia, a liberdade de não sentir medo”, avalia Ana Paula.
É isso: viver com medo não é nem pode ser normal.